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Antes e Depois dos Filmes de Terror Adolescente

Halloween - A Noite do Terror (Halloween,1978). O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chain Saw Massacre, 1974). Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980). A Hora do Pesadelo (A Nightmare On Elm Street, 1984). A Hora do Espanto (Fright Night, 1985). Pânico (Scream, 1996).  Todos títulos memoráveis; todos filmes inegavelmente históricos, que marcaram gerações, independente de qualquer defeito que possam apresentar. Só de serem citados, evocam figurões hoje icônicos no imaginário popular, como Freddy Krueger, Ghostface e Jason.

Agora pensemos em títulos como Dia dos Namorados Macabro 3D (My Blood Valentine, 2009) – o remake da obra de 1981. Alguém sente alguma coisa em relação a estes filmes, senão uma vaga memória de um dia os terem assistido em uma noite desocupada qualquer? Se sente, provavelmente é desprezo ou indiferença. Pode parecer injusto querer comparar obras que ganharam graças ao tempo certo status de intocáveis com trabalhos recentes que nem tiveram ainda a chance de provar que podem passar intactos pelos anos, mas deixemos esses cuidados de lado e sejamos sinceros: todos sabem que esses filmes, em sua grande maioria, serão esquecidos. E não podemos culpar apenas a falta de criatividade, o uso incessante de clichês estúpidos, a onda de remakes inúteis, e a ganância das produtoras. Todos têm sua parcela de culpa, mas na verdade muitos destes defeitos já se encontravam em filmes mais antigos, desses que hoje são considerados “clássicos”.

Onde talvez possa estar a razão para isso fica muito além desses problemas citados, e para entendermos a gênese desse impasse temos de voltar lá em Alfred Hitchcock e a forma como o mestre dos suspense contribuiu para o sucesso de filmes como os originais de Halloween e A Hora do Pesadelo.

Não caberia listar aqui todas as qualidades influentes que trabalhos como Psicose (Psycho, 1960) tiveram sobre tantos filmes de terror posteriores, mas vamos focar na associação inerente que Hitchcock sempre fez de medo com culpa, e como tirou daí a fórmula tão eficaz para atormentar a geração jovem de sua época. Criado em um ambiente de educação rígida e bastante religiosa, Hitchcock – assim como a maioria daquela geração – cresceu acostumado a enxergar pecado em qualquer esquina ou atrás de todas as portas. Tudo era sempre muito errado, muito pagão, muito imoral, e a educação com base nos estímulos para o medo fizeram dele uma criança constantemente temerosa diante de qualquer situação. E quando surgia a oportunidade de fazer algo de errado, de aprontar, mesmo que em ocorrências banais, a culpa surgia cheia de fúria a condenar sua consciência tão bem treinada a temer o “mau”.

Por isso, a maioria das crianças da época que cresciam sob a rédea curta (como talvez nossos pais e avós) se assustavam mais diante de algo fora dos padrões. Crescendo, esses medos se intensificariam diante de questões como a descoberta do sexo e dos conflitos entre as curiosidades e a culpa. Naturalmente, a adolescência é uma fase de descobertas da vida adulta, mas as doutrinas incutidas em mente e coração durante a infância sempre voltavam para atormentar. Tais doutrinas muitas vezes eram explicadas através de metáforas capazes de materializar esses medos, como o inferno de fogo, o bicho-papão, a Cuca, e outros monstros do armário que prometiam aparecer e devorar quem quer que desobedecesse as regras.

Em suma, foi uma geração bem mais recatada, diferente da atual. Sacando essa associação que as pessoas carregavam dentro de si de culpa e medo, foi fácil para Hitchcock fazer Psicose um filme tão assustador para a época. Não apenas pela violência física, como também pela ousadia de mexer com alguns tabus, como nudez e sexo. Marion Crane é uma personagem extremamente avançada para a época, pois não é acometida pela culpa em momento algum do filme, nem por roubar a grana, nem por manter um caso de sexo casual – embora o medo esteja sempre presente. Ou seja, ela apresenta medo/culpa apenas de ser pega pela polícia, não o medo/culpa por ter feito algo de errado. Pelo seu “descuido” e indiferença diante de assuntos considerados tão polêmicos para o público americano, a protagonista acaba sendo punida violentamente e cortada para fora da história antes mesmo de o filme chegar na metade.

O assassino jovem e psicótico, a arma branca, a violência crua, a nudex, o sexo e outros fatores influenciaram muito o surgimento dos slashers posteriormente, junto com as influências de filmes como Banho de Sangue (Reazione a Catena, 1971), de Mario Bava, e A Tortura do Medo (Peeping Tom, 1960), de Michael Powell. Mas fora essas heranças mais visíveis, Psicose contribuiu com a essência do medo presente nos filmes de terror adolescentes que começaram a pipocar em meados a década de 1970, até se popularizarem efetivamente nos anos 1980. Halloween, de John Carpenter, terminou por oficializar uma série de regras que viriam a marcar presença religiosamente dali pra frente.

Era de interesse para esses filmes preservarem alguns tabus, como o da virgindade, das drogas e da bebida, para que pudessem alcançar com melhores resultados os seus objetivos. Claro que a geração jovem dos anos 1970/1980 era muito mais desencanada de tantas regras com relação à de 1950/1960, mas ainda assim mantinha certa ingenuidade e respeito com relação aos tabus da sociedade americana (por isso o ar inocente tão gostoso dos filmes oitentistas). Os vilões surgiam então como “punidores” dos que ousassem desrespeitar as tradições, por isso os personagens mais descolados (que bebem, transam, roubam, mentem) acabam morrendo primeiro, enquanto a sobrevivente final é sempre a mocinha virgem.

Encontramos aqui a razão para, por exemplo, A Hora do Pesadelo, de Wes Craven, ser um filme tão marcante, enquanto o remake de 2010 não apresentar nada de consistente. A geração do filme original tinha representação em uma Nancy Thompson que morre de medo/culpa de transar com o namorado e reza segurando num crucifixo antes de dormir – ou seja, um prato cheio para que um vilão como Freddy Krueger atue como um eficiente tormento psicológico que aterroriza a vida da garota. Krueger, Michael Myers, Jason, e outros só existem por conta disso nesses filmes. Eles não passam de uma representação dos medos e culpas dos jovens, uma evolução do que foram os bichos papões da infância. Por outro lado, o Krueger, o Michael Myers e o Jason dos remakes recentes não passam de açougueiros, sem graça alguma, que agem metodicamente numa sucessão de matanças sanguinolentas que não assustam, não atormentam e muito menos se conectam com a geração adolescente de hoje, já que a sociedade jovem atual não se preocupa mais com esses ritos de transição, como a perda da virgindade e as noites de porre, e muito menos sentem culpa diante disso. Sem contar que o papo de mocinha virgem já não cola mais pra ninguém.

Se alguns filmes atuais ainda mantém o pique para tentar se adaptar às novas regras da sociedade jovem atual, como Pânico 4 (Scream 4, 2011), a maioria segue no piloto automático ineficiente, que pode até alcançar bons resultados nas bilheterias e se tornar sensação por um certo período, mas que não consegue resistir aos efeitos do tempo. Não podemos culpar os jovens de agora por serem diferentes dos de outra época, pois cada geração tem a sua característica e não há nada de mais natural do que isso, mas podemos sim culpar tantos cineastas e roteiristas que parecem cegos de não enxergarem isso, e que insistem em ressuscitar vilões como Leatherface e Jason, que atualmente estão descontextualizados e nada mais servem do que piada para que a geração de hoje ao menos sinta interesse de um dia conhecê-los em sua história original.

Comentários (15)

Lucas Vitoriano | quinta-feira, 05 de Dezembro de 2013 - 01:41

Eu consegui fazer até uma associação entre a lista do Bernardo (7+: O Demônio no Cinema) com esta...em muitos casos, o demônio também surge como a figuração do mal, a entidade macabra sempre a espreita para aterrorizar e transformar sua vida num inferno pela culpabilidade de seus pecados.

Renato Coelho | quinta-feira, 05 de Dezembro de 2013 - 16:00

Parece um pouco engraçado, mas todo mundo tem a solução para melhorar essa questão dos filmes atuais, mas ninguém faz nada a respeito.... não posso acreditar que nos dias de hoje, ninguém pensa como antigamente.....

Marcus Almeida | quinta-feira, 05 de Dezembro de 2013 - 19:47

GнσรтFαCє É σ мєυ ρєяรσиαGєм ρяєFєяIDσ Dє σ мαรรαCяє Dα รєяяα єLÉтяICα

Ele é do sexta-feira 13, seu burro.

Thyago Militão | sexta-feira, 24 de Janeiro de 2014 - 14:23

Me fez entender os slashers com outros olhos, mesmo sendo um garotinho no auge deles na década de 80/90, curti e ainda curto esses tipos de filmes, claro que prefiro pôr meus dvds originais do que assistir remakes. Perfeita sua análise, parabéns!

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