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As obras-primas de Abbas Kiarostami


Morto em 2016 em decorrência de um câncer, o cineasta iraniano Abbas Kiarostami deixou um vazio insubstituível no cinema, já que através de seus filmes colou o Irã no mapa e mostrou com sensibilidade ao mundo todo seu conjunto cultural, histórico e social, contribuindo para a expansão e diálogo entre o cinema oriental com o contemporâneo moderno. Quatro de seus maiores filmes, todos obras-primas, foram reunidos na nova coleção da Obras-Primas do Cinema, Abbas Kiarostami, todos remasterizados e de importante peso dentro da filmografia do diretor.

No primeiro disco temos O Vento nos Levará (Bad ma ra khahad bord, 1999) e Através das Oliveiras (Zire darakhatan zeyton, 1994), dois dos filmes mais importantes do cinema mundial dos anos 1990. O primeiro é uma espécie de poesia sobre o tempo e suas pequenas incidências sobre o cotidiano de um vilarejo no interior do Irã, que aguarda a morte de uma anciã. Inspirado por um poema da iraniana Forough Farrokhzad, Kiarostami faz um dos seus experimentos narrativos mais radicais, praticamente negando uma história e se repousando somente sobre a camada subjetiva do personagem central sobre um fundo quase documental. Foi o passo necessário para a virada que sua carreira daria a partir de Dez (Ten, 2002). 

Já em Através das Oliveiras, o diretor encerra a prestigiada trilogia Koker, que começou nos anos 1980 com Onde Fica a Casa do meu Amigo? (Khane-ye doust kodjast?, 1987) e Vida e Nada Mais (E a Vida Continua) (Zendegi va digar hich, 1991), que popularizou o estilo do diretor de inúmeros travelings em road movies, com personagens atravessando paisagens, ruínas e realidades diferentes. No filme do box, Kiarostami discute o fazer cinema através do filme dentro do filme, rompendo as barreiras entre ficção e realidade a fim de aproximar ao máximo o espectador daquele universo, e diluindo sua própria posição como autor, num autêntico movimento quixotesco de autoconsciência. 

O segundo disco reúne Close-up (idem, 1990) e Gosto de Cereja (Ta’m e guilass, 1997), talvez os maiores êxitos de Kiarostami com a crítica, sendo o segundo filme o vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes. O primeiro filme é outro experimento de encenação e limites entre realidade e ficção, onde o diretor procura por uma pureza de sentimentos que teoricamente teria se perdido com o engessamento das formas tradicionais de se fazer cinema, alcançando um resultado mais humano e bruto. Gosto de Cereja, por sua vez, traz um dos momentos mais radicais de Kiarostami enquanto realizador, assim como um dos seus personagens mais complexos e queridos, um homem que procura deixar de viver, mas precisa antes se resolver com seu próprio interior. A cena final desse filme redefiniu toda a carreira de Kiarostami e o eternizou como um dos maiores gênios do cinema contemporâneo. 

A seleção do box, que inclui uma entrevista com Kiarostami nos créditos, é das mais acertadas do home vídeo deste ano. Embora seja estranha a opção de selecionar o filme final da trilogia Koker sem ter os dois primeiros, vale lembrar que não é exatamente uma trilogia direta e o próprio Kiarostami negava essa ligação tríplice dos filmes. De qualquer forma, ver essas quatro obras-primas em qualidade de imagem e som restauradas é um dos grandes presentes que os brasileiros ganharam em home-video. 

Comentários (1)

Luis Carlos da Costa | sábado, 07 de Julho de 2018 - 22:24

Que coisa linda. Eu vi somente "Cópia Fiel" de Kiarostami. Estou pra ver seus outros filmes, mas já estou com expectativas bem altas, pois gostei bastante de Cópia Fiel e acredito que seus outros filmes são melhores.

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