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Biografia Otto Preminger - Parte II

No começo dos anos 50, Preminger se viu em dificuldades financeiras. Em agosto, Marion o processou pela falta de pagamento de uma quantia relativa à compra de um propriedade. Ao mesmo tempo, o fisco americano bloqueou seu salário da Fox, como forma de quitação da sua dívida com o Imposto de Renda. Preminger superou esses problemas ao ser bem sucedido com a montagem da peça Ingênua Até Certo Ponto, que ele dirigiu na Broadway em 1951 (Preminger também dirigiria a adaptação cinematográfica dois anos depois). A maré de sorte profissional se confirmou de vez no ano seguinte, quando Preminger desempenhou um oficial nazista em Inferno n.º 17, de Billy Wilder, seu primeiro trabalho como ator desde 1944.

Preminger resolveu voltar para trás das câmeras ainda em 1952, com Alma em Pânico, outro filme-noir, dessa vez produzido pela RKO do milionário Howard Hughes. Alma em Pânico nasceu da necessidade de Hughes dar um trabalho para a sua protegida Jean Simmons, cujo contrato se encerraria em breve. Ele encontrou a resposta para as suas preces no roteiro original escrito por Charles Erksine. Irving Wallace, que anos depois se tornaria um famoso escritor de best-sellers, foi chamado para fazer um novo tratamento no texto. Enquanto isso, Robert Mitchum incorporou-se ao elenco.

Com o roteiro em andamento e o casal de protagonistas escolhido, Hughes foi ao mercado em busca de um diretor. O nome de Preminger lhe foi sugerido por Zanuck, que topou a parada. Preminger recebeu a proposta, mas odiou o roteiro. Hughes o pressionou e ele foi obrigado a aceitar.

Já que era para fazer, que se fizesse bem feito. Desgostoso com o trabalho de Wallace, Preminger chamou os roteiristas Oscar Millard e Frank Nugent. Millard partiu do texto original de Erskine, com Nugent polindo os diálogos. As mudanças trazidas pela nova dupla foram tantas que o nome de Wallace nem apareceu nos créditos finais.

As filmagens transcorreram sem grandes problemas. Jean Simmons nunca se pronunciou sobre Preminger. Já Mitchum sempre se referiu a ele de forma respeitosa, mas sem entusiasmo. Para o ator, Preminger era um ótimo produtor, mas não um grande diretor. As gravações se encerram em julho, com apenas um dia de atraso. A estréia ocorreu em 11 de dezembro, com críticas titubeantes.

Em 1951, Preminger anunciou que levaria para as telas a adaptação da peça Ingênua Até Certo Ponto. A história era sobre um triangulo amoroso entre Patty, uma jovem que ostenta com orgulho sua virgindade, e Don, um arquiteto na faixa dos 30 anos, recém separado da sua namorada Cynthia. Ambos se conhecem casualmente no terraço do Empire State Building. Ele a convida para o seu apartamento na esperança de tornar-se o primeiro homem da sua vida. Durante a noitada, a dupla recebe a visita de Slater, um playboy já meio passado, pai de Cynthia.

O acordo de financiamento e distribuição com a United Artists saiu em abril de 1952. Pela primeira vez em sua carreira, Preminger teria direito ao corte final.

David Niven foi o primeiro ator a se integrar ao elenco para viver o papel de Slate. Logo em seguida, Preminger contratou William Holden para interpretar o protagonista Don (ambos contracenariam naquele mesmo ano em Inferno n.º 17). A jovem Patty foi entregue à Maggie McNamara, que desempenhara o mesmo personagem numa montagem em Chicago.

Encorajado pelo sucesso da peça na Alemanha, Preminger resolveu aproveitar os sets e a equipe técnica, e filmar a mesma história com atores germânicos. O trabalho foi árduo. O diretor gravava as cenas para a versão americana e fazia com os atores alemães a assistissem. Em seguida, Preminger filmava a mesma cena em a alemão. Essa estratégia tornou a produção uma pechincha para a United Artists.

Em dezembro de 1952, Preminger enviou um rascunho do roteiro à Associação Administração do Código de Produção. Uma semana depois, veio a resposta: aquele texto era impossível de ser levado às telas. Ao contrário da versão que ficou conhecida, a cisma dos censores não recaiu sobre alguma palavra específica (em sua autobiografia, Preminger escreveu que o roteiro só seria liberado mediante a eliminação das expressões "virgem", "gravidez" e "sedução"), mas sim sobre o "atitude inaceitavelmente leve em relação ao sexo ilícito, castidade e virgindade".

Preminger não entendeu nada. A peça fora encenada pelos Estados Unidos afora e não levantara qualquer alarde. Como era possível que a mesma história causasse tanto escândalo em Hollywood? A United Artists e Preminger resolveram correr o risco e tocar o barco, sem efetuar qualquer modificação no roteiro. As filmagens acabaram em fevereiro de 1953 e, em abril, uma cópia foi exibida para a ACP. Bastaram dois dias para o telefone de Preminger tocar e um "não" bem alto ser ouvido do outro lado da linha. O estúdio e o diretor apelaram da decisão para a Administração dos Produtores de Cinema da América (MPAA) e sofreram outro revés.

Para sorte do filme, desde 1948, a chamada lei anti-truste previa a total separação entre as salas de exibição e as produtoras. Isso permitia, em tese, que os donos dos cinema exibissem películas sem aprovação da MPAA. No entanto, cinco anos depois, ninguém havia testado a nova legislação na prática. Ingênua Até Certo Ponto serviu de cobaia. A United Artists decidiu lançar o filme sem o selo de aprovação da ACP, primeiro em grandes cidades e, num segundo momento, em mercados menores.

Ingênua Até Certo Ponto estreou em Chicago em junho de 1953. As disputas entre os produtores e os censores dominaram as críticas da época, que pouco se preocuparam em analisar o filme propriamente dito. Antes disso, elas queriam entender o motivo de tanta resistência por uma fita tão leve, quase inócua. Seja por suas qualidades, seja pela sua repercussão na mídia, o filme rendeu U$ 3,5 milhões nas bilheterias americanas, a 15ª maior receita do ano. Para completar o quadro favorável, o longa foi indicado a três Oscars, entre eles o de melhor atriz para McNamara, e David Niven ganhou o Globo de Ouro de melhor ator em filmes Comédia ou Musical.

No entanto, o legado de Ingênua Até Certo Ponto foi muito maior do que meros resultados do borderô e estatuetas douradas. A vitória de Preminger e da United Artists na queda de braço com os censores provocou uma sensível perda de força das restrições impostas pela ACP. Prova disso é que, menos de 10 anos depois, Ingênua Até Certo Ponto e O Homem do Braço de Ouro – outro trabalho em que Preminger enfrentaria as mesmas dificuldades – receberiam o selo de aprovação da Administração do Código de Produção. Os tempos estavam mudando em Hollywood.

Preminger seguia em frente. Seu filme seguinte, O Rio das Almas Perdidas, começou como um projeto do escritor Louis Lantz, que viu a possibilidade de transpor o clássico neo-realista Ladrões de Bicicleta, de Vittorio de Sica, para o Velho Oeste. Lantz escreveu um primeiro tratamento, sob a supervisão de Stanley Rubin, um dos novos executivos da Fox contratados por Darryl Zanuck. Em 1953, Rubin contratou Frank Fenton para dar uma revisada no trabalho de Lantz. Em abril daquele ano, o roteiro de O Rio das Almas Perdidas estava pronto.

O texto foi enviado à Administração do Código de Produção em abril de 1953, que cismou com a cena  em que um garoto desfere um tiro de rifle e mata um dos oponentes de seu pai, interpretado por Robert Mitchum. De acordo com as regras da época, não era recomendável que o cinema encampasse um ato de tamanha violência pelas mãos de uma criança. Dessa vez, no entanto, ao contrário das disputas anteriores, os executivos do filme conseguiram convencer os censores que a sequência era fundamental para o desenvolvimento da trama e ela foi mantida no corte final.

Zanuck continuou tocando a produção, aparentemente sem se importar com as restrições impostas pelo ACPPCA. Ele sabia que o roteiro continha dois aspectos que deveriam ser explorados ao máximo: o senso de espetáculo e o sexo sugerido. Para dar ênfase ao primeiro, Zanuck decidiu filmar o projeto em Cinemascope, formato de tela recém inaugurado pela própria Fox, naquele mesmo ano de 1953, com o épico bíblico O Manto Sagrado. Já em relação ao segundo, o produtor escalou para o papel da cantora da cabaré sua principal estrela: Marilyn Monroe.

Em maio, a mando de Zanuck, Stanley Rubin chamou Otto Preminger para dirigir o projeto. A escolha não o agradou. Para ele, O Rio das Almas Perdidas era uma história autenticamente americana, que exigia um diretor fincado nas raízes do País. Alguém como Raoul Walsh, por exemplo. No entanto, Preminger recebia da Fox um salário semanal muito alto, tendo ou não trabalho. Zanuck não estava disposto a pagar para ver seu funcionário naõ fazer nada, e determinou a contratação do diretor, ainda que sua descendência européia, em tese, o afastasse completamente do espírito da obra.

Para Preminger, O Rio das Almas Perdidas representava um retrocesso na sua luta pela independência dos estúdios. Após a liberdade que experimentara durante as filmagens de Alma em Pânico e, especialmente, Ingênua Até Certo Ponto, o diretor embarcara num projeto cujo roteiro já estava pronto e a protagonista, escalada. Não havia muito o que fazer, senão acatar ordens e dirigir.

As filmagens começaram em julho de 1953 e logo começaram as turbulências. A principal delas era com a escalação de Marilyn Monroe. Seu estilo de atuação não agradava Preminger. Mas pior do que Marilyn, era aturar sua treinadora, Natasha Lytess. Marilyn sentia-se mais segura em ter uma pessoa ao seu lado que não fosse o diretor, de preferência uma mulher, que pudesse lhe dar sugestões a respeito do seu trabalho. Se com cineastas menos ditatoriais o conflito seria inevitável, imagine com um cara como Otto Preminger. A paciência do diretor terminou quando ele soube que Natasha começou a dar orientações a outros atores. Preminger, com o apoio de Rubin, proibiu sua entrada no set. O período de paz não demorou muito tempo. Sabendo jogar com as armas que tinha, Marilyn mandou seu agente, Charles Feldman, conversar com o próprio Zanuck, que reverteu a ordem. As filmagens transcorreram num clima permanentemente tenso, com Preminger dirigindo-se a Marilyn por intermédio de Mitchum. Pra piorar, ela não conseguia decorar seus diálogos, o que obrigava Preminger a filmar suas cenas em tomadas curtas, quase sempre de forma diferente da que havia sido planejado.

A equipe voltou para Hollywood no início de setembro para mais uma bateria de gravações em estúdio. A maioria delas era back-projection, que seriam inseridas nas sequências da corredeira do rio. Durante quase um mês o elenco principal permaneceu dentro de um tanque, por horas e horas, encharcado de água até a alma. Não foram poucas as vezes que os produtores tiveram que levar Marilyn para as filmagens à força.

Preminger começou o trabalho de montagem ainda em setembro de 1953. No mês seguinte, uma primeira versão foi exibida a Zanuck, que demonstrou insatisfação com o que acabara de ver. Ele exigiu três novas sequências, de modo a esclarecer ao público o que os personagens pensavam e sentiam um pelo outro. As filmagens foram dirigidas pelo romeno Jean Negulesco, homem de confiança da Fox, e que já trabalhara com Marilyn em Como Agarrar um Milionário. Anos depois, ao ser indagado sobre a decisão da Fox de incluir novas sequências, Preminger desconversava, dizendo que, se elas realmente existiram, não provocaram grandes mudanças no sentido geral da obra.

O Rio das Almas Perdidas estreou em abril de 1954 com criticas favoráveis, mas não entusiasmadas. A maioria delas enxergava no filme apenas uma diversão leve, que se valia dos atributos de Marilyn Monroe para contar sua história. Certo ou errado, movidos ou não por esses atributos, o público transformou a produção na 19ª maior bilheteria do ano.

Passado o lançamento de O Rio das Almas Perdidas, Preminger viu na adaptação da peça Sortilégio de Amor, do teatrólogo inglês John Van Druten, uma chance de voltar a sentir a liberdade que experimentara em Ingênua Até Certo Ponto. Mas um imbróglio na aquisição dos direitos fez com ele voltasse seus olhos para o espetáculo Carmen Jones, de Oscar Hammerstein II, que estreara com sucesso na Broadway em 1943.

O roteiro ficou sob a incumbência de Harry Kleiner, que já escrevera Anjo ou Demônio?. Preminger não queria fazer um musical no estilo MGM de ser. Para ele, Carmen Jones era um filme dramático com algumas canções. Para atingir esse efeito, o diretor queria que Kleiner fosse mais fiel ao espírito do romance de Prosper Mérimée, e que servira de base para Hammerstein.

A essa altura, a produtora de Preminger já fechara um acordo com Zanuck, o manda-chuva da Fox. De acordo com os termos contratuais, o estúdio adiantava uma quantia em dinheiro para bancar os custos com os negativos e, em troca, teria direito às receitas de distribuição. Além disso, Zanuck poderia sugerir mudanças no roteiro que se relacionassem exclusivamente a problemas de censura. Preminger, por sua vez, pulou fora de quaisquer refilmagens que fossem necessárias.

Entre abril e maio de 1954, Preminger se preocupou com a escalação do elenco. Para o papel de Joe, foi chamado Harry Belafonte, cuja carreira cinematográfica se limitava a dois títulos de nenhuma expressão. Como Frankie, a amiga de Carmen que a convence a viajar para Chicago, o diretor escolheu Pearl Bailey. Diahann Carroll, que chegou a ser testada como a protagonista, foi definida para viver Myrt, a amiga da Frankie.

Mas ainda faltava a atriz que interpretaria Carmen. O nome de Dorothy Dandridge chegou aos ouvidos de Preminger por intermédio de seu irmão Ingo, que se deixou convencer pelo agente da moça, Earl Mills. A primeira impressão não foi das melhores. Preminger achou o visual de Dandridge muito delicado para se encaixar no perfil de Carmen. O diretor recomendou que ela estudasse o papel de Cindy Lou, a personagem da noiva de Joe, e voltasse mais tarde. Não satisfeita com a avaliação, Dandridge voltou dias depois munida de uma peruca negra, uma blusa pra lá de decotada, saias e, claro, saltos altos. Preminger não acreditou no que viu. Era Carmen logo à sua frente. No dia 11 de maio daquele ano, Dandridge assinou o contrato, tornando-se a primeira atriz afro-americana a estrelar uma produção cinematográfica de grande orçamento.

Mas logo vieram as dúvidas. Ela não confiava tanto assim no próprio taco e começou a achar que não conseguiria carregar o filme nas costas. Além disso, Dandridge preocupava-se com a imagem que sua personagem, liberal em demasia, poderia impregnar aos negros americanos. Preminger resolveu colocar ordem na casa, no sentido hollywoodiano da expressão. Uma bela noite, visitou Dandridge em sua casa. Durante o jantar, regado a muita bebida francesa e lábia austríaca, ele confidenciou que acreditava poder tornar Carmen Jones no melhor filme do ano. Saindo do campo profissional para o pessoal, Preminger disse que um romance entre a atriz principal e o diretor não apenas era algo visto com normalidade pela industria do cinema, como também recomendável. Somente assim, ambos conseguiriam ter a intimidade necessária para se entregar de corpo e alma no momento das gravações. Naquele dia, Preminger e Dandridge começaram um relacionamento amoroso que se prolongou por todas as filmagens de Carmen Jones. Danado esse Preminger, não?

Após um ensaio de três semanas, as câmeras começaram a rodar em junho de 1954, nos estúdios da RKO. Na direção de fotografia, Preminger escalou Sam Leavitt. Ambos trabalhariam juntos por mais cinco filmes. Um novato Herbert Ross era o coreógrafo. Durante os tomadas, Preminger distribuía patadas para todos os lados. Dandridge, por exemplo, abandonou o set várias vezes por não agüentar os gritos do diretor. Brock Peters, que interpretava o Sargento Brown, não gostou de ser alvo de uma gozação vinda de Preminger e eles só não saíram no tapa com ele por causa da universal e sempre presente turma do deixa disso. Olga James, que vivia Cindy Lou, não suportou as criticas do cineasta durante as gravações de uma externa e foi às lagrimas. Apesar disso, todos os atores sabiam – e Preminger também – que Carmen Jones era a oportunidade que esperavam há anos para sair do anonimato. O jeito, então, era engolir em seco, ignorar as desavenças e tocar a vida em frente.

As filmagens terminaram em julho. Apenas dois meses depois, Preminger exibiu a versão montada para os executivos da Fox. Em novembro de 1954, Carmen Jones estreava nos cinemas americanos. As críticas foram bastante favoráveis, algumas até exultantes. Após um ano em cartaz, o filme atingiu a marca de U$ 2,5 milhões nas bilheterias domesticas, cifras que, se não o tornavam um mega-sucesso, davam aos produtores um lucro bem significativo.

Após duas bem sucedidas produções independentes (Ingênua Até Certo Ponto e Carmen), Preminger resolveu voltar a experimentar a sensação de ser um diretor contratado, e aceitou o convite da Warner para dirigir o drama de tribunal A Corte Marcial de Billy Mitchell. O motivo era o mais simples possível: o salário de contra-cheque de U$ 110 mil acrescido de 10% dos lucros da bilheteria.

O filme era a cinebiografia de William Mitchell, general de brigada do Serviço Aéreo Americano que, entre as duas Grandes Guerras Mundiais, tornou-se famoso ao conseguir derrubar, numa exibição teste, um até então indestrutível submarino alemão. Como Mitchell agiu sem autorização superior, ele foi levado à Corte Marcial em Washington e suspenso por cinco anos sem direito à remuneração. Mitchell morreu em 1936.

A Warner quis contar essa história em 1941, mas os ataques das tropas japonesas à base de Pearl Harbor a forçaram a adiar o projeto. Anos depois, a idéia voltou a tomar corpo pelas mãos do produtor semi-independente Milton Sperling. Quando Preminger assinou seu contrato, em junho de 1955, Gary Cooper já estava escolhido para o papel principal.

Afora os problemas de Cooper em lembrar das suas falas, e alguns desentendimentos entre Preminger e Sperling, que insistia em mudar o roteiro a cada dia, as filmagens transcorreram sem grandes turbulências. O filme foi lançado nos cinemas americanos em dezembro de 1955 com críticas positivas e um resultado acima do esperado.

O filme seguinte de Preminger, O Homem do Braço de Ouro, está entre os melhores de sua carreira . Ele tomou contato com o material por intermédio de seu irmão Ingo. No final de 1954, ele lhe mostrou um roteiro escrito anos antes, por Lewis Meltzer, que adaptara o romance de Nelson Algren a pedido do ator John Garfield. O projeto não fora avante por causa da morte de Garfield, em 1952, e porque nenhum estúdio queria bancar o tema dos viciados em drogas, eterno tabu em Hollywood. Com seu indistinto faro para um bom negócio, Preminger viu ali uma boa oportunidade para quebrar o código de censura da época. Levou a idéia para a United Artists, que topou a parada.

Em janeiro de 1955, Preminger trouxe o próprio Algren para revisar o roteiro de Meltzer. Menos de um mês depois, Algren já não queria ver Preminger nem pintado de ouro à sua frente. O diretor, então, contratou Walter Newman, que escrevera A Montanha dos Sete Abutres. Preminger e Newman introduziram diversas modificações na história original, a principal delas relativa ao destino do protagonista Frank Machine (no livro, o herói se mata por enforcamento durante uma perseguição policial). Além disso, a origem do vício também foi alterada (no romance, ele tinha seu primeiro contato com morfina em combate na 2ª Guerra Mundial).

Com a estrutura do filme já formatada, Preminger passou a escolher o elenco. Enviou as 50 primeiras páginas do roteiro para Marlon Brando, Frank Sinatra e Montgomery Clift. Sinatra foi o primeiro a ligar de volta e, em maio, seu nome foi confirmado. Para o papel de Zosh, a irmã de Machine, Preminger considerou inicialmente Barbara Bel Geddes e Joanne Woodward. No fim das contas, a opção recaiu sobre Eleanor Parker. Já a personagem de Molly, a simpática vizinha que ajuda Machine a se livrar do vício, foi entregue a Kim Novak. Na equipe técnica, Sam Leavitt foi o diretor de fotografia (seu segundo filme para Preminger); Saul Bass desenhou os famosos créditos de abertura; e Elmer Bernstein compôs a inesquecível trilha sonora jazzística.

As filmagens começaram em setembro de 1955. A relação entre Preminger e Sinatra transcorreu sem problemas. Mesmo não sendo um ator profissional, Preminger confiava em Sinatra de olhos fechados. A famosa sequência em que seu personagem tem uma crise de abstinência foi filmada num única tomada, sem ensaio. Já com Novak o clima não foi tão ameno assim. Preminger sabia que ela tinha sérios problemas em decorar diálogos longos e que, por isso mesmo, na Columbia, estúdio a que a atriz pertencia, sua falas eram dubladas na pós-produção. Pela cabeça careca de Preminger não passava a idéia de fazer o mesmo. Para resolver o impasse, o diretor foi obrigado a filmar algumas cenas de Novak mais de 20 vezes.

As filmagens se encerraram em outubro. Em novembro foi preparada uma montagem prévia para ser avaliada pela Administração do Código de Produção. Em dezembro, veio a resposta: “'não!". Preminger e a United Artists apelaram e conheceram outro revés. O estúdio anunciou sua retirada do Administração dos Produtores de Cinema dos Estados Unidos (MPAA), e o lançamento do filme sem o selo de aprovação da ACP. Promessa feita, promessa cumprida: em dezembro de 1955, O Homem do Braço de Ouro estreava em Nova York e, no início de 1956, ganhava circuito nacional. O resultado das bilheterias colocou o filme entre os maiores êxitos comerciais do ano. A fita ainda foi indicada a três Oscars, entre eles o de melhor ator (Frank Sinatra) e o de melhor trilha sonora.

O contraponto ao sucesso de O Homem do Braço de Ouro veio com o fracasso do seu projeto seguinte, a adaptação da peça de Bernard Shaw, Joana D´Arc. O diretor deixou as críticas negativas para trás e partiu para o próximo trabalho: Bom Dia, Tristeza. O filme era baseado no romance de Françoise Sagan, publicado em 1954, e que contava a história de Cécile (Jean Seberg), uma adolescente de 17 anos, que arquitetava um plano para separar seu pai Raimond (David Niven), viúvo e bon vivant, da sua nova namorada, a madura Anne (Deborah Kerr).

Em 1955, Preminger adquiriu os direitos de adaptação. No ano seguinte, S.N.Berhman foi chamado para escrever o roteiro. Em 1957, insatisfeito com a primeira versão que lhe foi apresentada, trocou Berhman por Arthur Laurents. Em junho, o novo script estava pronto e aprovado.

Entre a equipe técnica estava Hope Bryce, que se tornaria a terceira esposa de Preminger. Eles já se conheciam por intermédio de Mary Gardner, mas nunca haviam trabalhado juntos. Em Bom Dia, Tristeza, Hope se tornou a opção mais lógica para assumir a coordenação dos figurinos, já que ela trabalhava para Ginvenchy, que era o responsável pelo desenho das roupas das atrizes.

As filmagens começaram em julho de 1957, em Paris. Preminger teve problemas de relacionamento com os técnicos franceses, cuja presença no set era uma exigência do sindicato local. Alguns profissionais foram demitidos com apenas um dia de trabalho. O diretor também se desentendeu com o elenco, em especial com Jean Seberg, cuja atuação ele criticava abertamente durante as gravações. Ao ver os copiões diários, Preminger saia atirando em quem estivesse à sua frente. Como desgraça pouca é bobagem, Preminger quase teve um filho quando descobriu que o seu diretor de fotografia, Georges Périnal, não avisou o laboratório para processar adequadamente os negativos das seqüências ambientadas no tempo presente, de modo que elas ficassem em preto-e-branco.

Bom Dia, Tristeza foi montado entre novembro e dezembro de 1957 e lançado nos cinemas americanos em janeiro de 1958. As críticas foram pra lá de severas com o filme, rotulando-o de repulsivo e levemente obsceno. O tempo fez justiça Bom Dia, Tristeza, cujas virtudes foram sendo reconhecidas ao longo das gerações seguintes.

No ano seguinte, Preminger encontrou tempo para realizar outro dos melhores filmes de sua carreira: Anatomia de um Crime. A história era baseada num julgamento ocorrido em 1952, em que um oficial militar era acusado pelo assassinato do dono de um bar que teria estuprado sua esposa. Do lado da acusação, estava o promotor do Estado de Michigan, John D. Voekler.  Talvez por não ter se conformado com a derrota nos tribunais, Voekler, escondido por trás do pseudônimo Robert Traver, resolveu transformar todo aquele episódio num romance. Lançado em 1957, o livro permaneceu na lista dos mais vendidos nos EUA por seis semanas. Preminger comprou os direitos de adaptação em abril de 1958 e trouxe Voekler como seu conselheiro técnico.

A primeira providência tomada por Preminger foi contratar Wendell Mayes para escrever o roteiro. Mayes fora recomendado por Billy Wilder, para quem ele escrevera o script de Águia Solitária, cinebiografia do aviador Charles Lindenbergh. Preminger e Mayes se entrosaram rapidamente. De cara, ambos decidiram se manter o mais próximo ao livro, especialmente no uso das expressões jurídicas e na dramatização das cenas de tribunal. No entanto, os nomes dos principais personagens foram alterados: o militar acusado de assassinato foi batizado de Manion. Sua esposa, de Laura. E o dono do bar, de Quill. Já o advogado de defesa, de cujo ponto de vista a história nos é contada, teve sua identidade preservada: Paul Biegler.

O trabalho se encerrou em dezembro de 1958 e foi logo levado para aprovação da Administração do Código de Produção. Após algumas disputas em torno do emprego de determinadas palavras, como “esperma”, “clímax sexual” e “penetração”, os censores concederam ao filme o selo de aprovação. Para Preminger, aquele carimbo não era mera retórica. Antes disso, representava um verdadeiro triunfo sobre os anacrônicos códigos de boa conduta ainda vigentes na legislação americana.

Em janeiro de 1959, Preminger chamou James Stewart para viver o protagonista Biegler. Aos 51 anos de idade, ele já era um pouco velho para interpretar um advogado solteirão. Mesmo assim, o diretor sabia que somente Stewart, com seu estilo inconfundível de bom moço, poderia transmitir a autoridade exigida pela personagem. Lana Turner foi escalada como Laura, Ben Gazarra como Manion, e George C. Scott, como o promotor Dancer. Quanto ao papel do juiz Weaver, Preminger convidou Spencer Tracy e Burl Ives, mas ouviu duas recusas. A alternativa foi partir para um ator não profissional, um juiz de verdade. A opção recaiu sobre Joseph N. Welch, que atuara nas audiências ocorridas no Senado Americano, na época do macarthismo.

No início de março, Preminger percebeu que contratara a atriz errada. Apesar de ter sido indicada ao Oscar apenas dois anos antes, pelo clássico camp A Caldeira do Diabo,  os tempos áureos de Lana Turner já haviam passado. Aos 38 anos de idade, a loira glamurosa que arrasava corações pelos corredores da MGM, se especializara num tipo de interpretação afetada, sofredora e bem distante do realismo exigido por Preminger. Assim que se anunciou a demissão de Turner, a relativamente desconhecida Lee Remick, 14 anos mais nova, se apresentou ao diretor e conquistou o papel.

As filmagens começaram no final de março de 1959. Preminger as acelerou o máximo que pode porque não queria deixar passar o interesse do público pelo romance. Surpreendentemente os bastidores de Anatomia de um Crime transcorreram sem grandes turbulências, ainda mais se consideramos o barulhento processo de divórcio movido pela ex-esposa de Preminger, Mary Gardner. As câmeras foram desligadas em maio. Em meados de junho, uma primeira montagem foi exibida em sessões teste na cidade de San Francisco. A reação foi tão positiva que Preminger não viu motivos para fazer qualquer mudança naquela versão. A estréia nos cinemas americanos se deu no início de julho. Anatomia de um Crime foi um sucesso de público (alcançou a 7ª maior bilheteria do ano) e de crítica. O filme recebeu 7 indicações ao Oscar – sem levar nenhum – e James Stewart ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza e pelos dos críticos de Nova York, tornando-se também,  ao lado de Laura e O Homem do Braço de Ouro, umas das obras mais lembradas da carreira de Preminger.

Preminger estava no auge. Tão logo encerrada as filmagens de Anatomia de um Crime, ele partiu para outra produção épica: Exodus. O lançamento  ocorreu em  1960, mas a origem do projeto começara cinco anos antes. Em 1955, a MGM, ainda sob a coordenação de Dore Schary, encomendou ao escritor Leon Uris um romance sobre o nascimento do Estado de Israel. Após muita pesquisa, Uris entregou seu trabalho em 1958. Um dia, Preminger se deparou com o livro na casa do seu irmão, Ingo. Enfrentou as quase 1000 páginas numa sentada e, ao acabar, sabia que teria que adaptá-lo para o cinema.

Preminger logo percebeu que a MGM, com a saída de Schary em 1956, não queria bancar um filme claramente contrário aos britânicos e aos árabes. O diretor comprou os direitos do estúdio por U$ 75 mil, valor que incluía os serviços de Uris na adaptação. Com os direitos em mãos, Preminger fechou um acordo de distribuição com a United Artists. Exodus começava a sair do papel.

Preminger não ficou satisfeito com a primeira versão do roteiro escritor por Uris. Quando viu que não conseguiria superar as diferenças, ele resolveu recomeçar do zero, contratando Albert Matz, prolífico roteirista de filmes-noir dos anos 40 e cuja carreira, àquela altura, andava meio devagar por causa das suas ligações com o partido comunista.

Enquanto Maltz pesquisava tudo o que havia sobre a cultura sionista, Preminger começou a escalar seu elenco. Para o papel de Ari Bem Canaan, o diretor escolheu Paul Newman, que começava a despertar para o estrelato após sua indicação ao Oscar por Gata em Teto de Zinco Quente. A americana Katherine Freemont ficou com Eva Marie Saint, recém saída do sucesso Intriga Internacional. Os personagens coadjuvantes foram preenchidos por atores famosos, como Ralph Richardson, Peter Lawford, Sal Mineo e Hugh Griffith.

Preminger queria começar as filmagens em março de 1960. Mas a finalização do roteiro ainda era um problema. Em dezembro de 1950, ele recebeu a versão elaborada por Maltz, um tijolaço de 400 páginas e impossível de se colocar em prática. Preminger percebeu que teria que trocar novamente de roteirista. Em seu lugar, o diretor chamou Dalton Trumbo, outro profissional que estivera banido do cenário do Hollywood nos últimos anos por suas tendências comunistas. Livre das suas obrigações com Spartacus, de Kubrick, Trumbo passou a se dedicar integralmente ao novo projeto. Após um trabalho intensivo de quase dois meses, em fevereiro de 1960, ele e Preminger tinham um roteiro nas mãos.

Dois dias antes do início das filmagens, Otto e Hope Bryce resolveram se casar em Haifa. Como não havia casamento civil em Israel, eles pensaram em celebrar o matrimonio em Chipre. Mas o prefeito de Haifa insistiu para que o evento ocorresse na sua cidade, o que de fato aconteceu em 25 de março de 1960 (em dezembro de 1971, após surgirem dúvidas sobre a validade jurídica do ato, os dois oficializaram a união em Nova York, de acordo com legislação civil americana).

Logo que Exodus começou a ser rodado, Preminger se desentendeu com Paul Newman. Newman era formado pela Actor´s Studio, escola de arte dramática criada por Lee Strassberg e Elia Kazan, e que pregava a imersão do ator no psicológico do personagem. Essa característica fazia com que ele, volta e meia, apresentasse diversas sugestões aos diretores com quem trabalhava, a maioria relacionada a mudanças no roteiro que se adaptassem ao seu estilo. Preminger não tolerava esse tipo de conversa e deixou Newman falando sozinho. A relação entre ambos se prolongou ao longo das gravações de forma estritamente profissional.

Mas não foi só com Newman que a coisa desandou. Preminger teve outros qüiproquós, com Sal Mineo (na cena em que ele confessa que fora violentado nos campos de concentração nazistas), com Jill Haworth, a adolescente que interpretava a personagem chave Karen, com Peter Lawford (por ele ter pedido conselhos ao roteirista Dalton Trumbo no set de filmagens), e principalmente com Lee J. Cobb (na sequência em que seu personagem anuncia a decisão da ONU de dividir o Estado da Palestina para uma multidão de judeus).

De uma forma ou de outra, Preminger conseguiu terminar as gravações em julho, dentro do prazo previsto. Após algumas discussões com a United Artists em relação à excessiva duração do filme, Exodus estreou nos cinemas em 15 de dezembro de 1960. Por volta dessa mesma época, Otto e Hope tiveram um casal de gêmeos, que se chamaram Mark (o nome do pai de Preminger) e Victoria.

As críticas de Exodus ficaram num meio termo. Mesmo assim, a fita rendeu mais de U$ 8 milhões apenas no mercado americano, a maior bilheteria da carreira de Preminger. Chegada a temporada de premiações, Exodus foi indicado a três Oscars, levando apenas um, para a famosa trilha sonora composta por Ernest Gold.

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