Saltar para o conteúdo

Artigos

Cineplayers Entrevista - As Boas Maneiras


No ano em que o principal prêmio do cinema americano sagrou (finalmente) o cinema fantástico com A Forma da Água, os cineastas brasileiros Marco Dutra e Juliana Rojas também tiveram destaque no cinema nacional com a história de licantropia As Boas Maneiras, sua primeira parceria desde o trabalho de estreia de ambos nos longas-metragens, Trabalhar Cansa. 

Em uma entrevista exclusiva para o Cineplayers, os dois falaram um pouco sobre a gênese do filme, suas principais influências e intenções no filme que conta a história da paulista Clara, que trabalha para a interiorana Ana em seu apartamento de luxo e não demora para entrar em seu dia-a-dia peculiar. Grávida, a moça de Goiás deserdada pela família em um “exílio de luxo” em São Paulo parece guardar alguns segredos sombrios sobre a criança que carrega, em uma obra que fala sobre afetos e lados escuros da humanidade em meio à grande cidade de São Paulo.

São Paulo essa que Dutra não se debruçava com material original desde 2011, ano em em que fez Trabalhar Cansa. Nesse meio tempo, adaptou Lourenço Mutarelli em Quando Eu Era Vivo (2014) e se arriscou na “dupla nacionalidade” de O Silêncio no Céu (2016), pesado drama sobre estupro e vingança passado no Uruguai, que o diretor definiu como “descobrindo um novo mundo”, o que o agradou muito, pois ele teve de “descobrir a cidade” através da exploração da “incomunicabilidade entre o casal principal”. 

Voltar com material original e à São Paulo foi uma experiência “maravilhosa” para Dutra, pois pôde “filmar em casa, em lugares que eu conheço”, afirmando que na verdade “nunca saiu de casa”.

O caráter de fábula do filme vem de uma necessidade do criador de desbravar esse terreno no Brasil. “Me sentia atraído por filmes fantásticos e lembro de ir na locadora, e os filmes fantásticos e os filmes nacionais estavam separados”. Apesar de achar que “é possível fazer comentários sociais em qualquer gênero”, as influências de filmes como Sangue de Pantera e A Morta-Viva, do mestre francês consagrado em solo americano Jacques Tourneur, traz a história da Europa gótica para os apartamentos, casas, shoppings e ruas de São Paulo de uma maneira profundamente alegórica.


Juliana Rojas, que flertou com o gênero musical em Sinfonia da Necrópole (2014), sua empreitada solo, gosta de mesclar gêneros para segundo ela “quebrar a realidade”. A diretora viu a oportunidade de trazer a experiência de “tomar todas as decisões sozinha” para um filme em que “tem um interlocutor o tempo todo”, com o filme saindo uma síntese do trabalho dos dois. 

Uma referência em comum entre os realizadores são os filmes da Disney. “Por mais bonito que sejam, sempre têm cenas terríveis de assistir”, afirma Dutra, e é o que realmente acontece no filme que surgiu primeiro em seu inconsciente. “Veio de um sonho que tive onde duas mulheres em um apartamento cuidavam de uma criatura monstruosa”, relata. 

Já para Juliana, além da questão da quebra de realidade da fábula, “a história de lobisomem também é uma história sobre dualidade” e o filme abusa desses contrastes entre negros e brancos, riqueza e pobreza, incluindo na própria divisão do filme, notoriamente dividido em duas partes bem distintas, onde “a primeira parte seria um castelo das grandes fábulas e a segunda aborda a floresta na figura da periferia”, em uma alegoria que representa toda a dualidade de São Paulo, pois “é uma cidade muito grande e muito dividida”, onde o gênero fantástico cai como uma luva pois os dois querem “abordar toda a movimentação, toda a brutalidade do dia-a-dia” nos filmes produzidos.

As duas partes distintas do filme foram uma decisão calculada desde o início, onde trabalharam em um tom assumidamente menos sutil. “É desde o início mais explícito que Trabalhar Cansa, que começa como uma história cotidiana. As Boas Maneiras é absurdo desde o início”, afirma a diretora. Para ela, tais decisões ajudam a reforçar o caráter de fábula e a destacar os contrastes trabalhados no filme.

Os dois agradeceram pela entrevista e Juliana Rojas convida os espectadores a assistirem o filme enquanto o mesmo está em cartaz, pois é um filme para ser visto no cinema. O Cineplayers agradece a Margô Oliveira do Trombone Comunica e à produtora Dezenove Som e Imagens pela oportunidade da entrevista. 

Comentários (0)

Faça login para comentar.