Saltar para o conteúdo

Artigos

Diário do Festival do Rio 2015 - Dia 5

Olá leitores. Estou aqui mais uma vez pra continuar a narração desses dias loucos do Festival do Rio pra vocês, dias em que muitas coisas acontecem pois a vida não para durante o evento; você ainda fica doente, sua mãe ainda fica preocupada com você, seu dinheiro ainda acabou e você não faz ideia de onde tirar mais, ex-namorados ainda reaparecem e você ainda não sabe bem o que fazer... ou seja, você precisa ver cinco filmes por dia (em média), escrever para o site (no meu caso), dormir pouco, comer mal, encontrar pessoas e sair correndo delas porque sua sessão vai começar e ainda assim lidar com o mundano da vida; é muita coisa!

Essa é a época do ano em que você sempre irá brigar com seus amigos, sempre terá de aguentar a cara feia do namorado, sempre vai se aborrecer no trânsito... mas na maioria dos casos, todos já te conhecem e já aceitam essa loucura nessa época do ano. Em anos antigos, tive um namorado que sempre comemorava de felicidade quando eu abria uma brecha e dormia com ele durante o Festival, já que no primeiro dia sempre nos despedíamos sem data para voltar a nos ver. Aprendi a conviver com essa loucura que eu mesmo me impus e aos poucos fui percebendo que eu era até são, já que algumas pessoas fazem loucuras muito maiores que as minhas.

Quando eu era adolescente, ainda não havia a venda de ingressos pela internet. Então, qual era o máximo dos máximos em se tratando de festival? Ir para a fila da venda dos ingressos no dia marcado para se o primeiro e madrugar lá; já cheguei uma vez nessa fila às 8 da manhã, pra venda que começaria ao meio-dia. Algumas vezes fui o primeiro, outras amaldiçoei os coitados que chegaram ainda mais cedo que eu... hoje me divirto lembrando, sou jornalista e a idade não faz com que isso seja visto com normalidade. Mas fica essa delícia de passado nada longe de um tempo onde o Festival era vivido ainda mais a flor da pele. Vamos aos textos de hoje? A eles então!

Mon Roi

Mon Roi

Não lembro o que foi mais surpreendente em Cannes desse ano, se o anúncio inicial de que o prêmio de melhor atriz havia sido dividido, ou que uma das vencedoras era Emmanuelle Bercot; sim, houve uma terceira surpresa, a de que a outra vencedora não era Cate Blanchett, mas sua companheira de elenco em 'Carol', Rooney Mara, mas isso não vem ao caso primeiro. A verdade é que talvez esse seja o grande ano da carreira dessa atriz/diretora, que foi escolhida para abrir o Festival como diretora e saiu de lá agraciada com o prêmio em outro longa, mais particularmente esse aqui, uma perturbadora visão da realidade de um casal desde a primeira vez que se viram, até uns 12 anos após esse primeiro encontro.

Bercot está na crista da onda, disse Cannes. Seu filme como diretora que abriu por lá estreou no Brasil mês passado ('De Cabeça Erguida') e é outro grande filme, um drama duro sobre delinquência. Com isso fez-se luz sobre essa ainda artista ainda bem pouco conhecida no resto do mundo, que exatamente agora desabrocha em talentos múltiplos. Aqui, ela mergulha junto a outra diretora que também está se mostrando uma especialista em filmes para atores, Maïwenn. Após sair da Croisette laureada com o prêmio do júri de quatro anos atrás pelo excepcional 'Polissia', essa ex-modelo está na mesma situação de sua protagonista, dirigindo e atuando em seus projetos (mas não aqui). Na tela, vemos Bercot conhecer e se apaixonar perdidamente por Vincent Cassell, um mulherengo que ela conhece numa boate. Mas o sentimento entre eles é mútuo, então muito rapidamente ela já está grávida e eles já estão se casando, o que nada impede o ciúme de chegar, a insegurança de ficar e o inferno fazer morada na vida diária deles, fazendo com que ele se mude para um apartamento vizinho e tudo piore gradativamente cena a cena, num processo de auto-anulação visto de muito perto e nunca menos que impressionante.

O filme gera e gerou entre meus colegas inúmeras e frutíferas discussões, sobre certos machismos e até misoginia inerentes a diversas situações, muitos acusando o filme em si de ser assim e o descartando após tal conclusão. Pra mim, nem ocorre isso e muito menos isso seria nocivo se houvesse, da maneira como tudo é colocado. O filme debate dentro de si também essas questões, colocando a mulher da relação numa posição muito delicada e até incômoda, mas que atire a primeira quem nunca tiver visto ou vivido o que nos mostra ali. Ambos os protagonistas estão num nível de excelência espantoso, e mesmo os coadjuvantes estão muito bem, com a ajuda de um roteiro que trata o cotidiano sem firulas ou excesso de fru-fru; o que está mostrado no filme, por mais que vez ou outra seja quase grotesco, tudo está inserido num contexto de realidade imenso. Mérito do incrível talento de Maïwenn, que se aprimora e aqui demonstra ainda mais sensibilidade e vigor, em imagens e texto.

Nota: 9,0
Título original: Mon Roi

Per Amor Vostro

Per Amor Vostro

Amigos que estiveram em Veneza esse ano só fizeram comentar do descalabro que foi a derrota de Juliette Binoche para o prêmio de atriz em detrimento a Valeria Golino aqui nessa produção dirigida por Giuseppe Gaudino. O que nenhum deles me falou foi o mais importante, era que tanto fazia se esse filme ganhasse esse ou qualquer outro prêmio, o problema não era esse; o problema era ele ter sido realizado. Um dos piores filmes vencedor de prêmio em um festival europeu de qualquer tamanho, 'Per Amor Vostro' é simplesmente abominável. Pra começar que esse diretor parece entender tanto de cinema quanto eu da economia de Istambul, e o filme erra em todos os muitos alvos que tenta acertar. E olha, são MUITOS alvos mesmo.

O filme tenta ser musical? Sim. Tenta ser melodrama dos anos 50? Sim. Tenta ser drama criminal? Sim. Tenta ser comédia romântica? Sim. Tenta ter realismo fantástico? Sim. E naufraga fragorosamente em todas essas tentativas e em qualquer outra, criando apenas uma sucessão de cenas histéricas e despropositadas de todo, onde por ora o seu colorido estoura, por ora o preto e branco constante permite a entrada de uma cor qualquer em cena, sem qualquer justificativa. Tudo o que o filme fez, já foi tentado anteriormente com níveis de sucesso diferentes, todos superiores a aqui. Num resumo, a trama acompanha Anna, uma mulher que apanha da vida diariamente e precisa cuidar dos filhos, do marido meio bandido, do irmão encostado, dos pais idosos, e ainda trabalhar, enquanto cai de amores pelo astro protagonista do filme onde trabalha segurando os textos para a leitura dos atores. Nada dá certo, e até o que parece ser bom e bonito acaba tendo um revez e revelando lados negativos.

Quanto ao prêmio de Golino não dá pra avaliar muito porque todos os competidores de Veneza que assisti até agora não tinham papéis de destaque femininos, mas me espanta que o júri presidido por Alfonso Cuaron tenha encontrado qualidades nela que justificasse o prêmio para um longa tão absurdamente ruim, com enquadramentos fajutos, um roteiro atolado em clichês e frases deprimentes de tão mal escritas e uma parte técnica que jura que esta abafando, quando na verdade é só brega e mal realizada. Enfim, façam um favor a si mesmo e jamais cometam o meu erro de tentar apreciar essa bomba atômica.

Nota: 0,0
Título original: Per Amor Vostro

Truman

Truman

Sabe aquele filme que você já viu diversas vezes, aquela produção simpática que não consegue te fazer mudar o canal mas que você procura uma novidade sequer, e ela não aparece? Esse filme é 'Truman', novo longa de Cesc Gay que acaba de dividir um prêmio de melhor ator no Festival de San Sebastian entre seus dois protagonistas, Ricardo Darin e Javier Camara, ambos de fato excelentes, aqui e sempre. Dois enormes atores que não precisam falar muito pra expressar cada emoção pensada e tencionada pelo roteiro. Não à toa interpretam dois amigos que não se veem há muitos anos, mas mesmo assim a intimidade continua tão forte que eles nem precisam conversar muito pra entender o que um quer do outro. Essa cumplicidade tão palpável que eles transparecem facilmente é fruto possivelmente do imenso talento de ambos.

A trama gira em torno da viagem de Tomás, que hoje mora no Canadá, até a Espanha natal onde está seu melhor amigo Julian, diagnosticado com um câncer terminal. Nessa breve visita de quatro dias, Tomás espera conseguir o que ninguém até agora conseguiu: convencer o amigo a continuar a quimioterapia para prolongar seu tempo de vida, que Julian interrompeu deliberadamente. Lá chegando e saudades devidamente matadas, ele fica sabendo que precisará sair a campo junto de Julian para encontrar uma família que adote Truman, o enorme cachorro de estimação dele. Durante essa procura, essa dupla irá se reaproximar e tentar acertar a velha amizade, de forma as vezes sem nenhum diálogo, só com o poder de olhares e sugestões, tudo de muito bem gosto e de maneira bem tocante.

Cesc Gay não é um grande diretor e tinha acabado de dirigir um filme com a dupla ('O Que Querem os Homens'), alcançando qualidades superiores agora, graças a química que ambos já tem, a silenciosa troca de informações entre os personagens, e a forma agridoce como constrói sua produção, sem nenhuma grande pretensão. A ideia aqui é entreter sem compromisso e tocar o coração do público com sinceridade e sem grandes arroubos de emoção desenfreada, apenas um retrato digno e sem enrolação de amizades que ultrapassam qualquer diferença, e das despedidas diárias que somos obrigados a enfrentar também com contenção e delicadeza, e uma pitada de bom humor.

Nota: 5,0
Título original: Truman

Comentários (15)

Marlon Tolksdorf | terça-feira, 13 de Outubro de 2015 - 13:35

avisa quando tiver concluído.

mas só avisa.

Felipe Ishac | terça-feira, 13 de Outubro de 2015 - 15:12

Cada postagem é uma vitória moral diferente

Nilmar Souza | terça-feira, 13 de Outubro de 2015 - 15:26

Esse é o legado da copa

Pedro Henrique | terça-feira, 13 de Outubro de 2015 - 15:38

O Carbone só queria dar alegria pro povo ...

Faça login para comentar.