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Em busca do paraíso real

O nosso circuito alternativo de cinema tem sobrevivido; a expressão é bem essa. Atos como o fechamento do Belas Artes em São Paulo e o fim do grupo Estação no Rio de Janeiro têm sido motivo de pesadelo para muitos cinéfilos, que cresceram embalados por esses refúgios de vida inteligente cultural, espécies de polos de resistência ante o crescimento desproporcional dos espaços multiplexes destinados exclusivamente ao blockbuster americano ou nacional. Se essas duas notícias acima foram contornadas (tanto o Belas Artes conseguiu sua reabertura, quanto o Estação o parcelamento de sua dívida e está a salvo), difícil dizer que foi o Cinema quem contribuiu para isso, principalmente no caso do grupo carioca. Quando eu grafo Cinema com letra maiúscula, é porque me refiro ao tipo de cinema que esses espaços praticamente esqueceram da existência.

A verdade é que hoje em dia para cada Instinto Materno, O Congresso Futurista e Sob a Pele, existe o triplo de Bistrô Romantique, Philomena e A Gaiola Dourada em jogo. E a verdade é que essa é uma escolha absolutamente do espectador. Num artigo recente do companheiro Marcelo Janot, foi debatido o posicionamento de distribuidores e público frente a essa realidade que nos deixa de fora de cineastas como Apichatpong Weerasethakul, Hong Sang-Soo e Jean-Claude Brisseau, que perdem espaço para produtos de consumo rápido e sem restrição, cujo questionamento cinematográfico e marca imagética chega perto do zero. A máxima "cinema é a maior diversão" nunca esteve tão em voga... e tão perto de ser a única opção.

Ora, vejam só... o público que rechaça o filme novo de Tsai Ming-Liang é o mesmo que vai manter meses em cartaz coisas como Ela Vai... e Eu, Mamãe e os Meninos, escorraçando Jafar Panahi. Cada vez mais raros são os casos de filmes como A Grande Beleza e O Grande Hotel Budapeste, que conjugam felicidade e prazer para todos os setores. E mesmo o nosso cinema paga o pato; você, leitor, já viu O Lobo Atras da Porta? Provavelmente não, ele inclusive já saiu de cartaz de grande parte dos estados. Enquanto isso, Paulo Gustavo e Monica Martelli fazem a festa.

Não sou contra o blockbuster; sou contra a ideia básica que parece nascer junto com ele, que é a de agradar a maior parte do público, senão todos literalmente. Para isso, todas as concessões são feitas, todas as regras são quebradas e não resta criatividade alguma no fim das contas. Então parimos a mesmice: Transformers, HQs em linha de produção automática, Leandro Hassum, Ingrid Guimarães, Adam Sandler, adaptações de "obras literárias" regadas a sacarose e lágrimas em profusão. Cuidado? Não há. Liga-se a câmera, as pessoas repetem o texto ensaiado umas nas frentes das outras, uma trilha sonora vadia dá o tom da reação que você deve alcançar (choro, riso, susto); pra mim, a reação é a indiferença.

A culpa das distribuidoras também existe, e se dá graças ao atraso eterno do lançamento dos títulos por aqui. Porque precisamos esperar 1 ano e meio para conferir o vencedor do Festival de Berlim? O filme chega pra gente quando uma nova edição do festival já aconteceu, e obviamente o filme já vazou para os amedrontadores downloads; o público tem pressa, e uma coisa é esperar 6 meses por um filme, mas como condenar quem não quer esperar 2 anos?

Essa semana uma singela comédia romântica mexicana aporta no circuitinho com um diferencial, pequeno que seja, mas que parece preocupada com algo menos pasteurizado: seus protagonistas estão bem acima do peso. 'Paraiso' não vai mudar a vida de ninguém, não vai revolucionar nem o seu mês de lançamento, mas talvez capte o público (não se enganem, será o mesmo público que procura aparente qualidade, mas que faz questão de que essa qualidade não signifique uso de mais neurônios que eles querem dispensar na sala escura) de uma forma um pouco menos superficial do que vemos atualmente. O filme mostra a luta de Carmen para convencer Alfredo de que talvez algo que nunca os preocupou possa sim ser um problema: a balança. Convencida a ter um novo corpo e uma nova atitude de vida, Carmen se joga no propósito após conseguir a adesão do marido. Logo, será ultrapassada por ele em tudo... e aí sim começam as reais reflexões do filme, em relação a força de vontade e a imagem que cada um de nós passa para o exterior. Parece pouco a exigir e é, mas tudo é tratado com honestidade e carinho, mesmo que passeie por fórmulas aqui e ali.

O momento onde a produção de Mariana Chenillo chega às nossas salas é propícia a ele, e ainda vai permitir ao espectador entrar em contato com um tipo de filme que faz pensar além da sala, coisa que estamos percebendo claramente que não é o interesse da maior parte do público. Não adianta tentar fazer o 'jogo do contente' e observar o quadro geral com os olhos no nosso universo; não, você e seus amigos não ditam as regras do circuito, o mundo é bem maior que nossa timeline. Mas enquanto o público não tomar conhecimento da necessidade do encontro com o desconhecido, em aceitar algo além do escapismo puro, em perceber que a frase "de drama já basta a vida" é muito cretina e egocêntrica, enquanto o público não exigir mais que 'a massa de bolo mastigada' que existe por aí, teremos cada vez mais uma sociedade que simplesmente não questiona; apenas aceita. E mastiga também ela o que todos já o fizeram.

Comentários (3)

Adriano Augusto dos Santos | sexta-feira, 08 de Agosto de 2014 - 10:19

E gosto não muda.A maioria sempre vai preferir o mais comum ou mais normal.
A base é essa mesmo.

Caio Henrique | sexta-feira, 08 de Agosto de 2014 - 11:36

Mercado é mercado. Como você mesmo disse no texto a apresentação desses filmes "mais exigentes" está condicionada ao consumo do público como um todo. É a demanda. Mesmo que o tempo de exibição dure pouco nas salas do cinema ainda assim passam. Ao menos a obra teve a oportunidade de crescer/cair no conceito do espectador. E sobre a sociedade, é muito utópico esperar um posicionamento mais "intelectual", para não dizer arrogante, já que as demais obras que não estão adequadas ao teu gosto deveriam ser rejeitadas.

Pedro Tavares | sábado, 09 de Agosto de 2014 - 18:03

É algo a ser debatido por muito tempo. Mas as distribuidoras que iniciaram suas carreiras com filmes corajosos e que passaram por festivais causando incômodo hoje escolhem os filmes independentes "ensolarados", mais propensos ao escapismo - como qualquer outro blockbuster. Tirar o espectador da zona de conforto agora parece função da internet. E o mais curioso disso é ver a distribuidora mais corajosa dos últimos anos (Vitrine) crescendo, abrindo seu leque de lançamentos para filmes internacionais e que não deixa de colocar "Doce Amianto", "Doméstica" e "O Som ao Redor" em cartaz.

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