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Entrevista - Cláudio Marques e Marília Hughes

Encerrando a série de entrevistas com representantes brasileiros neste último Festival de Cannes, trazemos uma conversa com os realizadores Cláudio Marques e Marília Hughes, que apresentaram seu projeto Depois da Chuva para curadores e distribuidores de todo o mundo. Eles falam sobre seu trabalho com cinema, os filmes já produzidos e a viabilização deste projeto.

Como cada um de vocês entrou para o cinema e como foi que começaram a trabalhar juntos?

Cláudio: nos anos 90, eu abri uma locadora de fitas VHS. Eu comprava os clássicos que quase ninguém alugava. Logo em seguida, criei um jornal com notícias e críticas sobre cinema. Para a minha surpresa, o Coisa de Cinema funcionou bem e chegou a circular em cinco capitais, com uma tiragem mensal de 70 mil exemplares. Depois, idealizei o Panorama Internacional Coisa de Cinema, em 2002, e o projeto de revitalização do antigo Cine Glauber Rocha, uma das mais importantes salas de cinema da cidade. O Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha foi inaugurado em 2008, após muita batalha. São quatro salas em pleno Centro Histórico de Salvador. Em 2003, ajudei a finalizar o segundo curta-metragem de Marília Hughes Guerreiro, Pelores. Depois, nós dirigimos e produzimos seis curtas juntos, além do nosso primeiro longa-metragem.

Marília: Em 2002, como estudante de psicologia da UFBa, comecei a realizar Pelores, documentário que aborda a sétima etapa de reforma do Centro Histórico de Salvador a partir do ponto de vista dos moradores que teriam que sair de suas casas. Em 2004, conheci Cláudio Marques, que me ajudou a finalizar o curta. Pelores foi premiado na categoria retrato da realidade social no Festival Brasileiro de Cinema Universitário. Foi um impulso para eu continuar, o que fiz. De lá pra cá, foram seis curtas, todos em parceria com Cláudio, e em 2012 filmamos nosso primeiro longa-metrgem, Depois da Chuva.
 
Vários de seus filmes tematizam a cultura, a sociedade e a história da Bahia. Existe uma intenção política em dar visibilidade à realidade e memória deste estado brasileiro?

Essa necessidade política surge de uma forma intuitiva, mas é clara em nosso trabalho. Nesse sentido, eu acredito que Nego Fugido, curta de 2009, sintetiza nossas preocupações em relação à história e, também, à dificuldade do cinema, em termos gerais, em tratar dessas questões.

O festival Panorama Coisa de Cinema está chegando na sua 9ª edição. Por que a vontade de organizar um festival e o que mudou de 1992 para cá?

Os anos 90 foram terríveis para o cinema brasileiro. Parecia algo impossível trabalhar com cinema.

Com o jornal, eu (Cláudio) comecei a viajar muito. Conheci festivais no Brasil e no exterior. Em Salvador, muitos cinemas tinham fechado as portas nos anos 90 e quase nenhum dos filmes que eu via e gostava eram exibidos por aqui. Daí, o desejo de trazer os filmes que eu considerava importante, tanto brasileiros quanto estrangeiros. E curtas, muitos curtas, que nunca ganhavam chance em nossa cidade.

Mudou muito, muita coisa de 1995 (ano da fundação do Coisa de Cinema) para cá. O circuito exibidor na Bahia está maior e mais generoso, embora ainda longe do ideal. Existe condição melhor de exibição, também.

O Coisa de Cinema, em suas diversas ações, ajudou a mudar esse cenário. Provamos que filmes independentes poderiam interessar ao público.

Como surgiu o projeto Depois da Chuva?

Trata-se de uma história de inspiração autobiográfica. Eu era adolescente em 1984 e vivi o meu despertar político e amoroso no momento em que a população saía às ruas para exigir a volta à democracia. Mais que isso: eu tinha uma visão crítica quanto ao processo democrático que propunha recriar o país. Um momento de refundar a nação que começava com o gosto e jeito do passado recente e autoritário.

Nos anos 2000, eu falava muito sobre as minha experiências dessa época para Marília, oito anos mais jovem que eu. Ela foi a primeira a identificar que ali estava o nosso primeiro longa-metragem.

Quais editais / financiamentos vocês buscaram?

Ficamos em segundo lugar no edital da Bahia (só contemplava um único projeto) e entre os sete selecionados pelo Edital de Baixo Orçamento do MINC, em 2010. Depois, ganhamos uma verba suplementar aqui na Bahia, que garante a finalização.
 
Como foi realizar um filme de época no Brasil?

Trabalhar com a memória é complicado e caro! A nossa relação com a memória é frágil, desdenhosa. Não damos valor ao passado, isso é consenso.

E como foi trabalhar com adolescentes? Como foi a pesquisa de elenco?

Temos um protagonista e o perseguimos durante 90 minutos de história, no filme. Sabíamos que caso errássemos nessa escolha, Depois da Chuva não iria funcionar. O trabalho de seleção foi extenso. Foi mais de um ano procurando, até mesmo fora da Bahia. Quando encontramos Pedro Maia, não tivemos dúvidas. Fizemos uma preparação ao mesmo tempo simples, mas especial com ele durante oito meses. Pensamos que teríamos crises e até nos preparamos para isso. Mas Pedro foi exemplar e apaixonado do início ao final. Nenhum atraso, nenhuma canseira, absolutamente nada! Depois, selecionamos outros adolescentes próximos ao Pedro. Sabíamos que ele se sentiria mais à vontade.

Particularmente, temos um prazer imenso em trabalhar com atores. Fazemos questão de estar próximos, encontrar o tom do filme com eles!
Em Depois da Chuva, trabalhamos pelo primeira vez com atores profissionais, também. E foi uma grande e grata surpresa. Nos entendemos muito bem com Talis Castro, Aícha Marques, Bertho Filho e Zeca Abreu, entre outros. Atores conhecidos do teatro baiano que aceitaram de uma forma muito generosa realizar essa travessia até o cinema, para encontrarmos juntos o tom adequado ao filme. Podemos dizer que, hoje, o trabalho com os atores é um ponto forte de Depois da Chuva.

Qual foi o caminho que o projeto de longa Depois da Chuva percorreu até chegar em Cannes?

Enviamos um corte do filme para o Buenos Aires Lab (BAL), parte integrante do Buenos Aires Festival de Cine Independente (BAFICI), que é um dos principais festivais dedicados ao cinema independente do mundo. Depois da Chuva foi um dos dez selecionados entre 248 filmes da América Latina.

Lá, fizemos uma exibição de parte do filme e o defendemos para alguns jurados internacionais. Daí, fomos selecionados para um processo semelhante em Cannes, juntamente com outros quatro longas ainda em work in progress. Ou seja, ainda não era o corte final do filme, não tinha desenho de som e nem correção de cor.

É importante ressaltar que os principais festivais internacionais estão cada vez mais restritivos e buscam filmes que jamais tenham sido exibidos anteriormente, mesmo nos "mercados". Assim, em Cannes, exibimos 20 minutos do Depois da Chuva para uma plateia seleta de curadores estrangeiros. Trata-se de uma iniciativa importante de Violeta Bava e Ilse Hughan, organizadoras do BAL (BAFICI).

E como foi a experiência de apresentar o projeto em Cannes? Vocês receberam retornos, fizeram trocas e contatos interessantes?

Foi muito animador! Tivemos retorno imediato de alguns curadores, muito interessados no filme. A concorrência é muito grande, contudo…. Vamos ver. Logo o filme será finalizado e, finalmente, o submeteremos aos festivais. De toda forma, seja o que for acontecer daqui para frente, estamos muito contentes com o filme que fizemos!

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