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Entrevista com Carlos Mendes

Carlos de Moura Ribeiro Mendes é um bem-sucedido publicitário que está às voltas com o lançamento do seu primeiro filme, A Odisséia Musical de Gilberto Mendes, no qual homenageia o próprio pai, que é considerado o mais importante compositor erudito de vanguarda brasileiro da segunda metade do século XX. Confira a entrevista.


Cine Players - Como foi desenvolver um projeto tão pessoal, já que envolve o trabalho do seu pai?

Carlos -  Por características de minha personalidade, dificilmente vou me envolver em um trabalho que não seja ou que não se transforme em algo pessoal. Agora, um trabalho sobre meu pai, não haveria de ser diferente, em virtude de eu ser uma testemunha histórica de sua importância e, por isso mesmo, com uma grande responsabilidade de tornar toda a riquíssima contribuição cultural dele acessível à sociedade.

Cine Players - Qual a reação dele quando viu o filme montado pela primeira vez? Afinal, é um presente que ele recebe do próprio filho...

Carlos - Ele chorou em alguns momentos e no final. Acho que não por ser um presente, mas por ver a própria vida repassar ali na frente. Ele é emotivo e chorou. Não o triste choro da tristeza. Um choro emocionado, feliz.

Cine Players - Nesse momento, você sentiu-se recompensado pelo trabalho? Afinal, foram mais de três anos de filmagens em várias partes do mundo.

Carlos - A recompensa tem vindo em pílulas, em degraus. Ao conseguir o patrocínio, ao terminar as filmagens, ao conseguir que o filme fosse notado em alguns festivais, ao fechar um contrato de distribuição na Europa para televisão, ao conseguir que ele fosse exibido em salas comerciais de cinema, apesar de ser um assunto teoricamente mais erudito. O próximo degrau da recompensa será o DVD.

Cine Players - Você é físico de formação, também compositor, publicitário premiado em Cannes e agora cineasta - dirigiu, roteirizou, montou e produziu seu filme. Como foi essa primeira experiência com o cinema? Tem algum novo projeto em mente?

Carlos - O filme foi um presente da vida. Espero que as pessoas gostem de 'A Odisséia...' e que eu tenha a chance de realizar outros projetos. O próximo chama-se "WA - Porque 100 anos se passaram e 100 anos se passarão', sobre o centenário da imigração japonesa, a ser comemorado em 2008, com filmagens previstas, obviamente, no Brasil e no Japão.

Cine Players - De alguma forma, você sente-se desapontado com a atual desorganização da distribuição de filmes no Brasil?

Carlos - Minha filha diz no filme uma frase que é minha e que, infelizmente, é para mim muito verdadeira. O Brasil não é um país. O Brasil é uma missão. A sociedade está extremamente individualista, portanto, desorganizando-se, e acho difícil imaginar como serão os próximos dias. Mas nunca vamos, nem eu, nem você, e nem amigos que estão na mesma trincheira, desistir de trabalhar por um país que, antes de tudo, tenha respeito por si próprio, pela população que o constitui. Esta é uma das razões de ter me empenhado na produção deste filme. Se ele só interessar a uma pequena parcela da população, ainda assim esta pequena parcela precisa ser abastecida de informação, de cultura. Eu não tenho distribuidora, eu tenho sido a própria distribuidora. Negociei direto em Santos com o dono da sala, e em São Paulo tive a sorte de o Leon, um dos donos das salas Unibanco Arteplex, ter gostado muito do filme. Mas muitos achavam que seria muito difícil estrear em cinema, então, mesmo que seja só em uma sala, já é uma coisa muito boa que aconteceu. Eu tenho ido pessoalmente nas escolas de música, como um estudante que vai divulgar de porta em porta. Em um teatro uma pessoa disse-me que foi a primeira vez que ela encontrou um cineasta panfletando em porta de teatro. Isso me fez lembrar de Plínio Marcos, que é de Santos, e que de vez em quando eu encontrava vendendo livros nas filas de cinema. Como já disse Geraldo Vandré, quem sabe faz a hora, não espera acontecer. É isso que você está fazendo com o seu site, e eu tento fazer no cinema. Não é?

Cine Players - É verdade.

Carlos - O dono de uma distribuidora disse-me que havia 170 documentários esperando por uma sala. Acho que tudo no Brasil precisa ser repensado, inclusive a distribuição de filmes. Antes de ser um produto, a arte é uma forma da sociedade discutir seus valores, de botar o dedo nas próprias feridas. Se a sociedade não encontra uma forma de fazer isto, não evolui.

Cine Players - Documentários nacionais vêm tendo melhor recepção da crítica que grande parte dos filmes de ficção, mas ainda enfrentam dificuldades em relação a aceitação do público. Você acha que a tendência é que aos poucos este público aceite melhor esse tipo de filme?

Carlos - Acho que não. A capacidade de questionamento das pessoas tem decaído muito. A indústria do entretenimento trata a cultura como produto. Pouca diferença faz entre um filme e um sabonete. As estatísticas imperam sobre a qualidade. Só um intenso investimento na educação pode mudar o futuro sombrio que nos ameça. Quanto à recepção melhor dos documentários, é real, graças à mídia digital que terminou com o gargalo econômico que a película impunha. Agora é fácil fazer documentários. É barato e acho que este é o caminho correto para o cinema no Brasil. Filmes baratos que sejam mais facilmente viabilizados comercialmente, já que somos uma nação classe média baixa - para ser otimista. O problema da distribuição é complexo. Tem a ver com os propósitos da indústria cultural, do entretenimento, tem a ver com a televisão, e terá a ver com a TV digital. Acredito que a TV digital representará um novo golpe para o cinema na telona. É interessante que a projeção digital, graças à qual pude realizar meu sonho de exibição no cinema, não deixa de ser uma grande televisão. Acho que cada vez mais o cinema será uma janela para dar charme, glamour ao filme, possibilidade maior de vitrine na imprensa, e que cada vez mais vamos ter que considerar o cinema em casa, através da TV digital, uma meta importante para qualquer produção.

Cine Players - Bruno Vianna, cineasta carioca estreante, está revolucionando a maneira de como se distribuir filme no Brasil: no mesmo dia de lançamento no cinema, ele estará disponibilizando cópias para serem "baixadas" pela internet, com possibilidade até de edição caseira. O Steven Soderbergh também apostou numa forma diferenciada de lançamento do seu filme 'Bubble', lançando-o no mesmo dia no cinema, na tevê e em DVD.

Carlos - Muitas coisas estão acontecendo simultaneamente, cuja importância tenho dificuldade de avaliar. Não consigo, neste momento, enxergar isso como uma revolução. Mas acho que é interessante. Quanto à possibilidade de edição, não é algo que me atrai. Acho que a necessidade de expormos nossos filhos-produtos, que às vezes são uma espécie de missão de vida, nos empurra para experimentarmos toda espécie de opção e acho isto bom. Cada um com as possibilidades que tem. Mas, à priori, me parece mais sábio primeiro lançar no cinema, e depois nos outros, obedecendo uma espécie de cronograma, pois isso mantém o assunto no ar. Mas o uso da internet é ótimo. O flyer eletrônico é sensacional. Mas um dos problemas da internet e da sociedade da informação atual é o absurdo do volume de informações que nos bombardeia diariamente e que tornam mais complicado achar espaço para um projeto menos comprometido com os princípios da indústria do entretenimento.

Cine Players -  O que está faltando?

Carlos - Filosofia. Esta matéria tem que voltar ao currículo escolar para que as pessoas aprendam a questionar para quê isto tudo. Aí a coisa começará a melhorar.

Cine Players - Eu soube que vai voltar...

Carlos - Ouço falar há anos que vai voltar. O Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, não sei porquê, vetou quando teve a chance. Espero que ele tenha tido suas boas razões e que estas já não existam mais.

Cine Players - Uma última pergunta: o que o público pode esperar de 'A Odisséia Musical..'?

Carlos - Emocionar-se um pouco com a arte e com a vida.

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