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Artigos

Festival de Cinema de Brasilia - Curtas #2

Sem Coração (Nara Normande e Tião, 2014)

Quando mais novo, eu era um mamão. Normal. É bom ser um pastel em certo momento da vida justamente porque você tem a oportunidade de experimentar algo absolutamente novo, desconhecido. Um romance forte. Ingênuo, mas genuíno. Não há nada como aquela sensação incrível de desconhecer em absoluto o que se está fazendo, da inexperiência total.

Embora more em Recife atualmente, não passei esses momentos descritos lá, por ter nascido em outra cidade. Minha experiência com Sem Coração, portanto, acaba sendo tanto o reconhecimento direto por evocar alguns momentos graciosos de minha infância quanto o descobrimento de um universo que gostaria de ter vivido, experiência semelhante à de Leo no filme. No sentido do garoto da capital desvirginado em relação a um universo ao qual não pertence economicamente, descobrindo outros prazeres, o curta de Nara Normande e Tião estabelece uma ponte com toda a produção cinematográfica recente de Pernambuco - mais especificamente, salvo as devidas diferenças, Eles Voltam, de Marcelo Lordello.

Essa vertente social, todavia, ocupa um espaço coadjuvante em um filme, fundamentalmente, sobre o amor. Aliás, sobre o primeiro amor. Com uma fotografia granulada, acompanhando momentos de descontração do grupo de amigos, Sem Coração olha para o seu casal apaixonado com a delicadeza (e paciência) necessária para o desabrochamento do romance. O preenchimento da piscina vazia, a honestidade do beijo além do sexo, a inocência de um tempo que não volta. Não se trata de sentimentalismo barato. Nara e Tião fogem disso sem problemas, apostando, ao contrário, em uma câmera intimista que capta aqueles momentos secretos que ficarão para sempre somente com esses personagens.

Em uma estética capaz de evocar nostalgia pelo 16mm, o filme ganha sua maior força por conseguir despertar no espectador memórias talvez remotas, mas absolutamente pulsantes.

Nota: 8.0

Crônica de uma Cidade Inventada (Luísa Caetano, 2014)

Luísa Caetano inicia seu filme anunciando, no movimentado Terminal do Plano Piloto, o recrutamento de atores para participarem do seu projeto. Trata-se, como fica claro, de uma ficção. O dispositivo narrativo documental em Crônicas de uma Cidade Inventada pretende discutir questões sociais relevantes de Brasília, mas acaba bastando por si só. Conferir uma possibilidade de inventar a si mesmo poderia ser um instrumento de catarse para pessoas cuja voz é constantemente silenciada, como no melhor momento do curta, onde um senhor interpreta um senador no Congresso. Todavia, o roteiro se perde em situações batidas com uma abordagem ainda menos inventiva, seja no dramalhão da faxineira ou na referência deslocada – e óbvia – a Irreversível, de Gaspar Noé.

Buscando confundir a ficção com o documental em sua obra, Luísa Caetano não justifica sua escolha estética. E a frase final do filme, com uma “depoente” questionando se o projeto será uma ficção ou documentário, evidencia quão rasteira é a discussão em Crônicas de uma Cidade Inventada. A cinematografia brasileira faz reflexões muito mais contundentes sobre o debate há, pelo menos, uns quinze anos.

Nota: 5.0

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