Saltar para o conteúdo

Artigos

Festival do Rio - Comentários: Parte 2

Na correria entre um filme e outro no Festival do Rio o pouco tempo que sobra serve para fazer algumas anotações sobre os filmes vistos. Novos posts como este estarão no ar em breve, mesmo após o Festival. A segunda leva de comentários sobre filmes vistos você lê abaixo:

Pierrot Lunaire (Idem, Alemanha/Canadá, 2014) de Bruce LaBruce

Para adaptar a série de poemas de Albert Giraud, Bruce LaBruce volta aos tempos de Hustler White para abordar conflitos do universo gay com o tradicional bom humor e a coragem para enfrentar moralismos. Esteticamente a maior referência é a série de curtas Fucking Different, muito próximos de um delírio e referentes aos video-clipes noventistas. Porém, o filme é preso às convenções do cinema mudo, portanto é criado um desafio de como LaBruce manterá seus vícios estilísticos dentro do gênero. O resultado é interessante.

Luneta do Tempo (Idem, Brasil, 2014) de Alceu Valença

Onírico, o filme cria caminhos para transformar em narrativa o elo de Lampião com o sertão através de outro extremo - a simplicidade de um conto de vingança de um típico western. Através do tempo, principalmente a partir do post-mortem de Lampião, Alceu Valença tenta de diversas formas reforçar o sentido que há muito do heroísmo e de arte como herança de Lampião e Luiz Gongaza. Curiosamente ela se torna coesa apenas na última sequência do filme. Até lá o que se vê é um emaranhado de tentativas - em boa parte sem elos - de reunir ideologia, narrativa e fantasia. 

Mr. Leos Carax (Mr. X, França, 2014) de Tessa Louise-Salomé

Breve panorama do trabalho de Carax como cineasta. De poucas imersões acerca das motivações e relações profissionais de Carax, o filme é curto (cerca de 70 minutos) e traz depoimentos superficiais de Juliette Binoche, Harmony Korine e Kiyoshi Kurosawa, deixando as longas análises para o alterego do diretor, o ator Denis Lavant. A metodologia de Tessa Louise-Salomé é o simples talking heads + imagens de arquivo.

Deserto Azul (Idem, Brasil, 2014) de Eder Santos

Na primeira camada de Deserto Azul se vê um número de possibilidades - principalmente emocionais e narrativas - quanto a um futuro próximo e seu desespero. Não demora para o filme se revelar como uma aposta de segmentar (e sustentar) tudo no aspecto visual - provavelmente o que há de melhor aqui. Fica a sensação de que se o filme não se levasse a sério, utilizando até mesmo o tradicional viés pessimista, Deserto Azul seria um bom filme político.

Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade (Idem, Brasil, 2014) de Daniel Aragão

Como uma espécie de sequência ao discurso iniciado em Boa Sorte, Meu Amor (2012), o filme de Daniel Aragão vai ainda mais fundo na questão do crescimento vertical de Recife, desta vez ao acompanhar a filha de um deputado pernambucano na busca pela reintegração social após um período em uma clínica de reabilitação. Como um paralelo de Um Lugar ao Sol de Gabriel Mascaro, este toma proporções de um filme de horror conforme as intenções de cada personagem se tornam mais claras. Aragão achou o elo entre o drama e a política e dele nasce o terror.

Metamorfoses (Métamorphoses, França, 2014) de Christophe Honoré

Honoré fora da zona de conforto. Um jogo interessante entre o sensorial e a associação para contar a relação de mitos greco-romanos com a vida e a morte baseado na série de poemas de Ovídio. Desta mesma relação Honoré encontra brechas para discutir princípios religiosos em metáforas e aproxima a visão para os dias de hoje.

 

O Mundo de Kanako (Kawaki, Japão, 2014) de Tetsuya Nakashima

Nakashima volta quatro anos após Confessions e não decepciona. Seu novo filme é um objeto pra lá de estranho, que usa da mesma audácia de Walter Hill para confeccionar um filme de ação simplista, porém de artefatos que negam a submissão do espectador. O principal deles é montagem, que exige que o tempo seja volátil, assim como os personagens. De outro lado a forma que Nakashima filma, mais preocupado em fazer um filme ligeiro, embaraçoso, de muitos caminhos e que se insere em diversos gêneros conforme o tempo passa traz a real noção do que O Mundo de Kanako é com uma força descomunal.

Feriado (Idem, Equador, 2014) de Diego Araujo

Passar poucos dias longe da rotina é o bastante para fugir da realidade e encontrar verdadeiras motivações para seguir. No caso do jovem Juan Pablo é a oportunidade para se descobrir, enquanto o filme de Diego Araujo o utiliza para analisar um país em crise e que exibe brechas para corrupções à sombra da noite. Feriado tende à simplicidade, dando aos cortes a representatividade necessária para a carga dramática que a história exige.

Buring the Ex (Idem, EUA, 2014) de Joe Dante

O retorno de Joe Dante ao cinema se dá através de um plácido e divertido processo de listagem de referências e citações ao cinema de terror.  Entre ela, a maior das referências, uma história referente aos filmes da Troma e os filmes B setentistas, com bastante humor e claro, sangue.


Party Girl (Idem, França, 2014) de Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samuel Theis

Samuel Theis se revela um bom diretor de atores ao utilizar a própria família como elenco em um filme entregue às performances. O fio de história - uma senhora hostess de um cabaré que abandona sua profissão para viver na comodidade de um casamento não desejado - dá ao trio de diretores o limite da feitura de Party Girl: planos médios, o uso exacerbado da câmera na mão e a noção de rotina através da repetição de gestos. 

Viagens Noturnas com Jim Jarmusch (Travelling at Night With Jim Jarmusch, França/Marrocos, 2014) de Léa Rinaldi

Léa Rinaldi acompanha o processo de filmagem de Amantes Eternos, último filme de Jim Jarmusch e no geral amplia a impressão de metodologia e ideologia do diretor. Vemos através da relação do diretor com seus atores um tipo de segurança no diálogo do filme com o espectador através da simplicidade, e assim se dá o documentário de Rinaldi. Observacional, distante e como contraponto, emula a aura de intimidade que o set noturno traz para a equipe.


O Fim de Uma Era
(Idem, Brasil, 2014) de Bruno Safadi e Ricardo Pretti

Celebração máxima à Belair. Se Uivo da Gaita e O Rio Nos Pertence pareciam tributos em diferentes formas à produtora de Bressane e Sganzerla, este é uma declaração de amor - e com todos seus conflitos - ao período particular para o cinema nacional. Entregue à montagem, feito de recortes de making of dos dois filmes citados, O Fim de Uma Era ecoa os princípios básicos de seus homenageados.

O Presidente (President, Geórgia, 2014) de Mohsen Makhmalbaf

Makhmalbaf recorta O Presidente de forma que torna este o seu filme mais acessível dos últimos anos. Entre a ironia e a tragédia, o processo de conscientização de um ditador tem dupla função ao expor seu personagem às mazelas sociais embutidas em uma trama de fuga que vaga pela ternura e o discurso social.  Como o filme está apoiado nos contratempos desta fuga, em alguns pontos há a tendência de se inclinar a certos personagens como forma de marcar a trajetória do protagonista. Elas servem mais como respiro em sua totalidade para um assunto tão pesado.

O Cheiro da Gente (The Smell of Us, França, 2014) de Larry Clark

Ainda que o filme se encaixe na ideia de cinema-fetiche de Larry Clark com jovens skatistas, drogas e sexo, O Cheiro da Gente é o mais próximo de uma epítome da carreira do diretor, aglutinando vídeos de skate, fotografia, punk rock, desfiles de moda e claro, a subversão adolescente, sem preocupação em seguir uma linha narrativa.

Mommy (Idem, Canadá, 2014) de Xavier Dolan

A preocupação de Xavier Dolan em Mommy é criar ápices baseados em supostos estados de espírito - boa parte deles numa espécie de gangorra emocional. O diretor os equivale a suspiros em uma trama de microescala, em ambientes fechados, reforçando a pobre metáfora da janela de exibição "1:1" para salientar à asfixia. Portanto, Mommy se resume às superficiais explosões emocionais - repito, ou se está na cova ou no céu - com "alívios" justificados por canções que parecem deslocar os personagens do mundo hostil em que vivem.

Casa Grande (Idem, Brasil, 2014) de Fellipe Barbosa

O filme de Fellipe Barbosa é uma aula de organicidade na análise social com questões existenciais a partir do escopo juvenil.  Tudo aqui parte da insuficiência - de manter o alto nível de vida após a falência da família em diversos aspectos, de se tornar um homem, se expressar e de ser amado, novamente, em diversos aspectos. Em outro extremo, Fellipe Barbosa coloca a relação empregado/patrão como base para o desenvolvimento de todo arco dramático do filme. O encontro destes dois extremos compõe uma das cenas mais bonitas do ano.

Cavalo Dinheiro (Idem, Portugal, 2014) de Pedro Costa

O velho Ventura de Juventude em Marcha e Doce Exorcismo serve novamente como catalisador e narrador de um tempo de injustiças. Através da segunda morte (o encontro do passado com o presente), levando o protagonista a uma espécie de purgatório onde a - também tradicional - penumbra e as lembranças o atordoam como demônios. Cavalo Dinheiro é um filme muito simbólico para o cinema de Pedro Costa e o terreno a ser percorrido futuramente, principalmente sobre a fluidez e construção do raciocínio político, tão pertinente e que nunca tira (ou tirou) os pés do campo artístico.

O Preço da Glória (La Rançon de la Gloire, França, 2014) de Xavier Beauvois

Beauvois larga seus princípios básicos de dramaturgia e entrega um filme agridoce sobre personagens típicos de uma comédia de erros que fazem o contraponto de uma jornada que se inicia na morte. O morto, no caso, Charles Chaplin, será o salvador para diversas histórias que tem o fim iminente. E assim Beauvois faz um filme muito prático sobre o desespero que a crise, independente do país e do tempo, emula com a moral.

Listen Up, Philip (Idem, EUA, 2014) de Alex Ross Perry

À priori este parece uma evolução comum de The Color Wheel, filme anterior de Alex Ross  Perry, principalmente por subverter a noção da vida dos personagens no andamento do filme. Porém a maneira que se apresentam e principalmente se desenvolvem extermina qualquer possibilidade de entretenimento e força o público a tomar outra postura referente ao filme. Ou você o boicota - conforme Philip faz com a vida - ou tenta absorver este mundo regido por utopias e asfixiado por longos closes.

Infância (Idem, Brasil, 2014) de Domingos Oliveira

Domingos faz um baluarte de sua infância em um retrato afetivo feito em monocórdio, já que as falhas da família são fadadas ao esquecimento e os conflitos devem ser logo exterminados. Quando enfim quebra a quarta parede, o filme mostra então um norte que seria a compreensão do "além câmera" e aí sim uma relação mágica com a nostalgia. Mas estamos nos créditos finais.

Comentários (0)

Faça login para comentar.