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Home video: Napoleão de Abel Gance

O que o diretor Abel Gance fez em Napoleão (Napoléon, 1927) é o que hoje seria considerado uma extravagância impossível e inviável para o cinema comercial: o épico em sua essência, como extensão do próprio fazer cinema. Em 1927, com recursos muito mais limitados que os atuais e com o cinema ainda visto como uma criança, fazer um filme de mais de três horas sobre a biografia completa de um dos maiores nomes da história era uma tarefa tão hercúlea que se sobressai ao filme os seus próprios mecanismos e engrenagens, sua própria ambição é ali escancarada frame a frame. Abel Gance, diretor parisiense de poucos títulos no currículo, porém muito amado pela comunidade cinéfila, não se destaca aqui apenas pela ousadia e delírio de grandeza: Napoleão é, em suas inacreditáveis 05h30 de duração, um primor do início ao fim. 
Pela primeira vez no Brasil o filme está sendo lançado em sua versão integral e em qualidade de imagem e som restaurados, acompanhado de extras de mais de quase duas horas. A Obras-Primas do Cinema prova através desse impressionante lançamento em DVD duplo que o mercado de home vídeo brasileiro pode comportar títulos mais complexos e difíceis como esse, já que o cinema comercia atual jamais conceberia algo remotamente parecido. É na qualidade restaurada e digna dos lançamentos em DVD ou blu-ray que o público tem sua única chance de apreciar obras desse calibre da forma como merecem. 
A beleza do filme de Gance é o cuidado meticuloso com o contexto histórico que favoreceu a ascensão de Napoleão Bonaparte, o olhando dentro de um quadro muito mais amplo e complexo do que o recorte mais intimista e ensimesmado que a maioria das cinebiografias costumam apresentar. Isso requer tempo, e o que não falta ao diretor aqui é tempo. Não somente tempo para se contar uma longa história, mas também imprimir sua visão de artista e imaginar a história de acordo com sua perspectiva tanto do homem como da lenda. Por isso, Napoleão abriga em si diversos gêneros e diversos filmes, como somente um épico triunfante poderia fazer. 
Napoleão segue a ideia de obras que contém em si a questão da dificuldade de produção assimilada como parte da grandeza do filme, como aconteceu também em obras-primas como Fitzcarraldo (idem, 1982), de Werner Herzog; Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), de Cecil B. DeMille; Berlin Alexanderplatz (idem, 1980), de Rainer Werner Fassbinder; O Portal do Paraíso (Heaven’s Gate, 1980), de Michael Cimino; ou Apocalypse Now (idem, 1979), de Francis Ford Coppola. Esses filmes revelam em comum, e antes de mais nada, o ato de fazer cinema como uma expressão de pura loucura e amor, uma atividade que requer a paixão e a dedicação que somente um homem obstinado e verdadeiramente apaixonado poderia oferecer. No caso de Napoleão, é um reflexo da própria figura histórica retratada pelo filme em si. Para Gance, exprimir a grandeza de Napoleão exigia um trabalho à altura do homem que ele foi, caso contrário seria um esforço no máximo medíocre. 
Para quem ainda não conhece ou teme a ideia de um filme de mais de cinco horas, vale lembrar que além de tudo Napoleão é coroado por um senso de ritmo impressionante, jamais perdendo o interesse, graças ao apurado senso estético de Gance, que faz de cada singular frame um quadro barroco de encher os olhos. Certamente há filmes de menos de duas horas que poderiam parecer durar bem mais que este. Vale então vencer o preconceito, dar uma chance a um dos maiores filmes de todos os tempos e aproveitar esse grande lançamento em home vídeo, pois não é sempre que uma obra desse naipe é disponibilizada para se ter em casa. 

Comentários (1)

Adriano Augusto dos Santos | domingo, 25 de Novembro de 2018 - 11:54

Que beleza. Ficou bem bonitão!

É grande demais e muito interessante, principalmente a 1º parte.
Vale bem em ver, não é dificil como parece.

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