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Livro 'Fernando Meirelles – Biografia Prematura'

Nos últimos anos o mercado editorial vem acenando com a publicação de relevante material relacionado às artes e à comunicação. Refiro-me a edições que apresentam trabalhos de pesquisa sempre em acabamento cuidadoso.

Atendendo ao interesse por obras que tratam de temas diretamente ligados à sétima arte, a Fundação Padre Anchieta, em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, publica a Coleção Aplauso Cinema Brasil. Trata-se de uma série de livros de bolso que documentam uma parte importante da recente história cultural brasileira, registrando “depoimentos de testemunhas, análises e teses, biografias e significativos roteiros da nossa produção artística”.

Entre os vários títulos já publicados há biografias de atores e cineastas, como “Fernando Meirelles – Biografia Prematura”, escrita pela jornalista Maria do Rosário Caetano e publicada em 2005. Mais do que contar a vida de uma celebridade (termo que me desagrada profundamente devido a sua banalização), Caetano, especialista em cinema, preocupou-se em mostrar a formação de um profissional cuja história se confunde com o próprio desenvolvimento da publicidade, da televisão e da atual fase do cinema brasileiro. 

Em texto introdutório a autora nos fala sobre sua pesquisa, realizada em meio à repercussão obtida por Cidade de Deus, o filme que projetou internacionalmente a carreira do cineasta. Caetano conseguiu de Meirelles uma longa entrevista, realizada na sede da produtora O2, ao longo de dois dias, e que resultou em cerca de oito horas de gravação. Não satisfeita, a jornalista ainda realizou pesquisa bibliográfica, utilizando-se dos registros da revista Cine-Olho, Sinopse e Cinemais, além de elaborar fichas técnicas dos trabalhos realizados por Meirelles. Para finalizar, o próprio cineasta revisou o texto. O resultado é um livro escrito em primeira pessoa, no qual, embora se ressalte a pouca disposição do biografado em falar sobre sua vida pessoal, não se percebe lacunas. 

Meirelles nasceu em 1955, na cidade de São Paulo. Antes de ingressar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, em 1974, já havia rodado o mundo e vivido na Califórnia por um período, em fins da década de 60, durante o movimento hippie. A visão privilegiada do mundo e uma formação cultural sólida forjaram a capacidade criativa de um profissional que nunca deixou de aprender e de encarar novos desafios, frequentemente em ritmo vertiginoso. Seu interesse pelas possibilidades do vídeo, iniciado ainda durante os anos do curso de arquitetura, acabou por levá-lo a uma carreira que se construiu de forma espontânea. 

O texto de Caetano não deixa fronteira perceptível entre as aventuras de um adolescente curioso e as ousadias típicas de um jovem empreendedor. “Creio que desde o início, o trabalho sempre esteve associado ao prazer. Poucas vezes na vida trabalhei em função de um cachê ou pensando numa carreira. Desde a faculdade, comecei a me envolver com as coisas de que gostava e um dia, quando vi, havia gente me remunerando para fazer aquilo. Minha diversão tinha virado minha profissão e, sem perceber, eu estava me sustentando por conta própria”. Foi neste embalo que nasceu a Olhar Eletrônico, a empresa constituída por Meirelles e os amigos/fundadores Agilson Araújo, Dario Vizeu, Déo Teixeira, Flávio de Carvalho, Marcelo Tas, Maria Helena Meirelles, Renato Barbieri, Sandra Conti e Toniko Melo. A Olhar foi uma das primeiras produtoras independentes do Brasil e o embrião da atual O2, tida como uma das maiores produtoras nacionais.

Passando pelas primeiras experiências com vídeo, programas de TV e publicidade, Caetano chega ao cinema, dos curtas aos primeiros longas (Domésticas e Menino Maluquinho 2 – A Aventura) do início da  produção de Cidade de Deus até a conclusão de O Jardineiro Fiel e o retorno à TV com Cidade dos Homens

O mais emocionante é mesmo o relato sobre a produção de Cidade de Deus, especialmente quando se percebe que o projeto passou a rumar ao inicialmente imprevisto. Qualquer trabalho desenvolvido por um grupo tende a sair de controle e se tornar ao que não se imaginou inicialmente que se tornaria. Está aí boa parte da graça em se desenvolver trabalhos para mídia: o resultado imprevisto do trabalho em equipe, como um presente da vida. De qualquer forma, um roteiro inicial que teve treze versões posteriores e resultou em uma obra internacionalmente reconhecida atesta, antes de mais nada, as qualidades de Meirelles como um mestre na arte de liderar profissionais competentes.  

Se Walter Salles é tido como um realizados talentoso e um gentleman, Meirelles parece não ficar atrás, o que faz lembrar que o cinema nacional anda muito bem representado por uma turma de alto nível em todos os sentidos. Vale muito a pena ler a biografia escrito por Caetano e ficar antenado no que está acontecendo, na atuação dos profissionais de destaque (como o fotógrafo César Charlone, o montador Daniel Rezende, o roteirista Bráulio Mantovani, por exemplo), pois há uma nova realidade em construção através de um indústria cinematográfica nacional em franco desenvolvimento. Caetano dá dicas preciosas não apenas sobre a vida de um cineasta, mas também sobre a importância do ambiente e contexto em que ela se move.

Livro: Fernando Meirelles – Biografia Prematura
Autora: Maria do Rosário Caetano
Editora: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Ano: 2005. 

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