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Ranking: Os filmes de Bong Joon-Ho

A crítica e o público mundial ainda se esforçam para recuperar do arraso provocado pelos sul-coreanos na década de 2000. O fato é que, amparado por políticas governamentais de incentivo à cultura, uma nova geração de formandos do país causaram barulho quando ficaram em segundo lugar em Cannes com o filme Oldboy, que contava uma história de vingança com abordagem inédita, abusando da plasticidade, referências e tratamento de temas pesados, como isolamento, perversão e loucura.
 
E por vários anos, é seguro dizer que só deu Coréia do Sul - o filme de Chan-Wook Park catapultou sua carreira e a de outros em um levante de diretores que ainda hoje surpreendem pelo fôlego e ineditismo, abordando mazelas sociais do país com obras travestidas de filmes de gênero. Não demorou para que Park e vários conterrâneos recebessem convites para produções internacionais.
 
Às vésperas de estrear Okja, sua segunda produção fora do país e a primeira pelo serviço de streaming Netflix, Bong Joon-Ho firmou seu nome como um dos mais consistentes saídos daquele levante, com filmes que mesclam de maneira ao mesmo tempo estranha e humana características repulsivas e simpáticas de seus indivíduos. 
 
Para cultivar a expectativa da produção, revisitamos sua carreira falando brevemente de seus filmes, em ordem de preferência do editor. 

 
5. Cão que Ladra Não Morde (2000) 
Nota: 8.0
 
Já em seu debut, Joon-ho consegue mesclar a neurose urbana típica das produções da época (vistas em Clube da Luta e Psicopata Americano) com um toque de comédia absurda. Em um grande complexo de apartamentos, um professor desempregado e sustentado pela esposa grávida passa a extravasar a sua necessidade por paz interior caçando e exterminando os barulhentos cães dos vizinhos e passa a ser perseguido por uma jovem funcionária de escritório que testemunha um de seus crimes. Abordando questões delicadas da Coréia do Sul como superpopulação, subempregos, frustração profissional, falta de garantias e grande incerteza econômica, Joon-ho cria personagens que ao mesmo tempo conseguem ser facilmente odiáveis - o protagonista mata cachorros em busca do silêncio, a protagonista quer praticar boas ações em busca de visibilidade midiática - e ao mesmo tempo relacionáveis, pois são todos falhos, dignos de pena, em busca de uma vida melhor, expiando em pequenos gestos todas as suas vontades e atos indizíveis. Mesmo com cenas desnecessárias que quebram o ritmo, é um prato cheio para os admiradores do cineasta, com gags que extraem o riso nervoso jogadas dentro de uma narrativa entre o patético e o melancólico e que mais do que frequentemente possuem desenlaces dramáticos que tornam suas obras de gênero ainda mais farsesca, revelando seu interesse principal acima de todos: seus personagens.
 

  
4. O Expresso do Amanhã (2013)
Nota: 8.0
 
Primeira produção de Bong fora da Coréia do Sul e falada quase que inteiramente em inglês, a adaptação de Bong da graphic novel francesa Le Transperceneige, de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette, traz um elenco internacional de peso. A história é situada em um cenário pós-apocalíptico, onde uma era glacial que extinguiu quase toda a vida. O que restou da humanidade vive a bordo do gigantesco Snowpiercer, que cruza as quilométricas ferrovias sem previsão de parada e tem seu microcosmo social organizado de maneira distópica - a população pobre mora no final do colossal veículo em vagões sujos e insalubres e é constantemente brutalizada pelas autoridades que garantem o bem estar dos habitantes dos luxuosos vagões da frente. O miserável protagonista Curtis Everett lidera uma revolução que progride vagão a vagão até chegar à ponta, onde o criador do trem Ministro Wilford governa os últimos humanos com mão de ferro. Bong aproveita o cenário para desfiar críticas como a educação alienante e dogmática recebida pelas crianças de classe alta, ou na figura da Ministra Mason, onde Tilda Swinton faz uma mescla de líderes fascistas para compor uma figura tão patética quanto enervante. Sem a dramaturgia esquisita cheio de momentos pateticamente ternos ou comicamente grotescos praticada na Coréia do Sul, o filme tem o fôlego do fino do cinema narrativo, equilibrando violência, suspense e um arsenal de imagens aterrorizantes, sabendo extrair mesmo dos momentos mais mundanos um potencial reflexivo em sua fábula sobre castas e poder. Um Metrópolis sobre rodas.
 
 
3. Mother - A Busca Pela Verdade (2009) 
Nota: 8.5
 
A última produção de Bong na Coréia do Sul até então, é uma história dolorida, para dizer o mínimo. Toca em questões universais mas que falam de problemas tão íntimos do país - o bullying sofrido por Do-joon, jovem adulto com deficiência mental, e a luta diária de sua mãe, uma viúva de meia-idade, em sustentar e criar o filho. Do-joon, que parte para a briga sempre que sua condição é ridicularizada, passa a ser o principal suspeito do assassinato de uma garota nas proximidades. A missão da mãe passa a ser por toda a narrativa do filme provar a inocência do filho custe o que custar. Mais fragmentado em episódios do que construindo uma narrativa linear, a abordagem de Joon-ho é grotesca, com a protagonista sofrendo todo tipo de intempérie, do ridículo ao perigoso, sem jamais arrefecer em sua resolução. Joon-ho carrega certas cenas de uma dramaturgia exagerada e inesperada, ao nível do constrangimento, enquanto estende sequências de suspense muito mais do que estamos acostumados. O diretor sabe apresentar seus personagens como ninguém (vide os personagens sendo apresentados de costas em Cão Que Ladra Não Morde), e aqui o caso não é diferente, com a protagonista sendo apresentada dançando desajeitada e abatida em um campo de centeio. Uma imagem recheada de nonsense que em certo nível sintetiza a incansável jornada dos personagens que lutam desesperadamente para viver, mesmo que não saibam como. 
 
 
 
2. Memórias de um Assassino (2003)
Nota: 9.0
 
Partindo de um crime real, Bong Joon-ho realiza em seu segundo filme, pelo escracho e pelo revisionismo, uma verdadeira desconstrução do filme policial típico. Transcende portanto a pecha de ser o Seven - Os 7 Crimes Capitais coreano, pois vai além do clima sensacionalista e perverso do filme de Fincher e baseia seu filme em um crime real principalmente para explorar as personalidades dos detetives que envolvem-se na busca por um assassino em série que estupra e mata mulheres no interior sul-coreano. Joon-ho pode até se compadecer de seus personagens, mas não sente misericórdia dos mesmos. A inépcia com que lidam com o caso, intimidando testemunhas e suspeitos, contaminando cenas do crime, deixando as emoções darem vazão à medida que a frustração aumenta é um objeto de interesse para Joon-ho, que disseca o estado psicológico, os rostos e as expressões de seus personagens tanto quanto a brutalidade dos crimes em si. Enquanto escracha promovendo cenas anárquicas, também arranca um riso nervoso ao adentrar sutil e progressivamente no terreno dramático, pois como observador social que é Joon-ho sabe que cedo ou tarde frágeis máscaras de civilização caem, e o que chega às raias do cômico em seu exagero mais tarde pode provocar contextos de suspense limítrofe. O primeiro grande filme do diretor, com a impressão digital de um narrador de histórias visuais, onde medo, ira e melancolia são as tônicas de um conto obsessivo que transforma todos os protagonistas de maneira irreversível.
 
 

1. O Hospedeiro (2006)
Nota: 9.0
 
O terceiro filme de Joon-ho é um filme único; pode até enganar ao parecer que esse filme de monstro não seja uma cópia genérica e recauchutada de um Godzilla, mas é ao exibir as entranhas da Coréia que ele vai tão além: Gang-du é um homem invisível, desmotivado e facilmente ignorável, que só se torna protagonista por ter a filha sequestrada pelo monstro, um ser anfíbio que recebeu um banho de química e alcançou proporções e apetite desmedidos. O pânico que o monstro espalha entre a população é tão aterrorizante que chega a ser idiota - quando uma epidemia de gripe passa a ser associada à criatura, infectados passam a serem mantidos em quarentena, pessoas entram em histeria cada vez que um carro faz uma poça d’água espirrar, e tudo que resta à turma de perdedores que o diretor elenca como protagonistas é procurar uma agulha no palheiro, onde todos os que fracassaram - o homem que vive de subempregos, a irmã que é arqueira olímpica mas que nunca ganha medalha por fracassar nas finais, o ativista social viciado em bebida - veem-se progressivamente isolados por um governo que exerce autoridade sem dar explicações, onde em plena era da informação ninguém entende o que está acontecendo e buscam na caçada pela menina e pela destruição do monstro uma redenção para suas vidinhas desprezíveis e apagadas. Não sucedendo como indivíduos, o que os resta é a união; decepcionados com seus representantes, o que os resta é a rebelião. De um gênero famigerado, Sang-soo extrai a angústia da alienação e insatisfação dos sintomas da era moderna, onde o sistema proposto não serve como resposta e é preciso perseguir uma. A fabulação que o horizonte de expectativas cria é uma oportunidade para o diretor olhar o seu meio e descobrir as pessoas quebradas e cheias de vontade, que desprezamos nos primeiros minutos e torcemos lealmente nos últimos. Na ficção científica, no thriller policial, na farsa urbana - onde quer que situe seus filmes, o interesse do diretor é antes de tudo o elemento humano, em sua ambígua glória e desgraça. 

E para você, qual o melhor filme de Bong Joon-ho até o momento? Deixe sua opinião! 

Comentários (5)

Ravel Macedo | quinta-feira, 22 de Junho de 2017 - 20:32

Belo artigo!! Só bons filmes, também deixo O Hospedeiro na ponta. Bong é tranquilo um dos mais importantes hoje.

Chcot Daeiou | sábado, 24 de Junho de 2017 - 23:52

Sou louco para ver esse O Hospedeiro.

katz | domingo, 25 de Junho de 2017 - 14:50

Para colocar Memórias de um Assassino em segundo, só em um ranking com todos os filmes sul-coreanos deste século. Eu trocaria as últimas posições também: O Expresso do Amanhã é o pior dele. Aliás, todas as produções hollywoodianas dos diretores sul-coreanos são seus piores filmes.

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