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Ranking: Os filmes de Edgar Wright

Às vésperas de lançar seu novo longa, Em Ritmo de Fuga (Baby Driver), carregado de estrelas como Kevin Spacey, Jamie Foxx, Lily James e Jon Hamm, e após as confusões nos bastidores de Homem-Formiga (2015), que o levaram a abandonar o cargo de diretor do filme, Edgar Wright é um dos principais destaques da Inglaterra dos anos 2000 para cá, partindo de uma jovem promessa para um dos diretores em atividade que traduziram com marca autoral os anseios da nova geração. São filmes baseados principalmente em construção intertextual, sempre tendo como referências norteadoras gêneros consagrados do cinema. Destaca-se, também, por retomar e refinar uma comédia visual estilizada que parecia relegada a segundo plano em tempos de comédias excessivamente dialogadas. 

Então, sem perder mais tempo, vejamos as produções que catapultaram o “indie espertinho” dos anos 90 ao posto de diretor relevante.


4. Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010)

A adaptação da série de quadrinhos canadense de Brian Lee O’Malley é uma luva para o estilo de Edgar Wright. A história do preguiçoso jovem adulto Scott Pilgrim e sua luta para derrotar A Liga dos Sete Ex-Namorados Malvados para ficar com sua paixão Ramona Flowers cruza elementos da comédia romântica adolescente com a linguagem de quadrinhos e videogames, com personagens lutando, subindo de nível e produzindo onomatopéias coloridas e esdrúxulas para seus golpes. O timing cômico de Wright é o timing do século vinte e um, promovendo através dos cortes uma frequente e explícita falsa continuidade, pulando de sequência em sequência antes que percebamos, utilizando com inteligência os movimentos de câmera, os efeitos de pós-produção, a técnica de tela dividida, onde na vidinha sem graça de subúrbio canadense qualquer crush vira um evento de proporções épicas. Como na própria adolescência, onde o mundo é regido basicamente por nossos hormônios e nada mais importa além de namorar, jogar videogame e tirar um som com os amigos. Scott Pilgrim contra o mundo é um filme do século XXI por excelência.


3. Heróis de Ressaca (2013)

É um buddy movie sobre um grupo de homens adultos onde um deles, sem conseguir amadurecer, capitaneia os bem-sucedidos porém frustrados companheiros em uma maratona de bares que não conseguiram realizar adolescentes. O problema nisso tudo? É que também é um filme de ficção científica com andróides tomando o lugar de humanos e alienígenas com planos bizarros para a nossa civilização. Os filmes de Wright só existem porque existiram outros antes, e ele não tem vergonha de admitir isso. E vai mais além, com os enquadramentos, transições e gags visuais que servem tanto à história quanto os diálogos e performances; as simetrias, ângulos e a utilização de música entrelaçam as abordagens temáticas de Wright: a vida adulta quer humanos perfeitos e que não demonstrem emoções ou espontaneidade publicamente… assim como os alienígenas. Tanto a cumplicidade dos buddy movies quanto o protagonismo das histórias absurdas de invasão alienígena são excelentes ferramentas para combater essa padronização que tanto tememos. Que herói melhor então que um trintão idiotizado cujo maior objetivo na vida é beber até cair pra trás?


2. Todo Mundo Quase Morto (2004)

Recém-chegado da televisão, Wright iniciou sua jornada nos longa-metragens tirando um sarro dos filmes de zumbi, tendo os filmes de George A. Romero (diretor de A Noite dos Mortos-Vivos e Despertar dos Mortos) como referência maior, onde o alienado vendedor de hipermercado Shaun vira sem querer o líder de um grupo de sobreviventes quando um vírus que transforma pessoas em mortos-vivos canibais toma a Inglaterra. O comentário social de Wright é hilário aqui: nós estamos zumbificados antes mesmo do primeiro zumbi aparecer, e demora muito até notaram que os infectados sejam identificados como algo além do típico cidadão urbano, alheio a tudo, cambaleando pelas ruas durante a manhã. A farpa enfiada na apatia londrina rende uma pérola atrás da outra: Shaun troca de canais distraído, sem perceber o que todos os telejornais falam; Simon Pegg e Nick Frost arremessam discos de vinil nos monstros enquanto discutem qual LP quebrar e qual não; o grupo de sobreviventes espanca alegremente um morto-vivo enquanto a jukebox toca “Don’t Stop Me Now” do Queen a todo volume. Aqui, o exagero e estilização do humor fazem um belo comentário sobre os slackers, jovens adultos e adolescentes da virada do milênio perdidos entre tédio, subemprego e calamidades midiáticas; a homenagem ao gênero respeita a tradição de Romero, dos mortos serem nada mais nada menos que sínteses dos nossos piores aspectos. Um legítimo cult movie da geração millennial. 


1. Chumbo Grosso (2007)

O maior sucesso da trilogia Os Três Sabores do Cornetto, que engloba também Todo Mundo Quase Morto e Heróis de Ressaca, Chumbo Grosso é a adoração de Wright pelos filmes policiais fanfarrões dos anos 80/90, como Bad Boys e Caçadores de Emoção. Quando o exemplar policial Nicholas Angel é transferido para o interior da Inglaterra e posto para trabalhar com um parceiro idealista e pouco esperto, logo percebe que a única solução para impedir uma série de estranhas ocorrências fatais é abandonar os métodos tradicionais e ir chutar uns traseiros com marra cinematográfica. Wright estava especialmente inspirado ao reciclar o velho conto da pacífica cidade interiorana que esconde mais do que os olhos veem (que a gente já viu em O Prisioneiro, Twin Peaks, As Esposas de Stepford e tantos outros) apresentando como resolução o abandono de pretensos “princípios sociais” e a adoção do individualismo, de pensar por conta própria quando os modelos sociais estabelecidos se mostram ineficientes ou, pior ainda, corruptos. Acompanhe os planos detalhe construindo a partir de micro-informações a rotina opressiva do policial rebaixado e a emulação dos velhos clichês de empoderando: enquanto o heroísmo é motivo de piada e a piada vira instrumento de combate, Wright sabe conciliar riso e tensão, suspense e paródia. É tão misterioso e violento quanto inconsequente e hilário, mostrando uma compreensão profunda de dispositivos narrativos e sensibilidade criativa para explodir tudo a que já estamos habituados com seu senso de humor anárquico


HORS CONCOURS: Spaced (1999-2001)

É importante salientar que nenhum dos filmes comentados acima estariam sendo escritos não fosse pela carismática série do Channel 4 Spaced. A sitcom desenvolvida pelos atores e roteiristas Jessica Stevenson e Simon Pegg sobre os dois amigos e companheiros de apartamento Daisy e Tim ganhou seu maestro perfeito quando a dupla resolveu chamar Wright, que levou além os diálogos de humor negro repletos de referência pop, assumidamente utilizando elementos visuais que a comédia tipicamente não usa justamente para fazer graça, gerando momentos hilários que só a linguagem visual pode proporcionar: um tiroteio de mentirinha onde um aponta o dedo para o outro ganha câmera lenta e sons de tiro; um diálogo sobre Star Wars termina em close e música de suspense; um freeze frame durante um tombo de skate dá origem a uma citação aleatória à clássica abertura de os Bons Companheiros; e por aí vai. É o estado bruto de tudo que seria feito na Trilogia do Cornetto, Scott Pilgrim e Em Ritmo de Fuga; a compreensão da linguagem e o deslocamento da mesma como agente do riso. A empatia pela sua geração e a próxima, tão malhadas pelas anteriores, além da legítima herança de figuras deslocadas, rebeldes e underground da cultura pop fez de Spaced uma história inventiva sobre amizade e laços afetivos, sobre ritos de maturidade, sobre a sensação de não pertencer e encontrar seu lugar em um mundo com nenhum sentido e todos os sentidos ao mesmo tempo, arrebanhando um culto sempre em expansão de fãs maravilhados pelo senso de humor singular e originalíssimo de Wright, Pegg e cia.

VEJA TAMBÉM os vídeos Edgar Wright - How to Do Visual Comedy do canal Every Frame a Painting e Scott Pilgrim: Make Your Transitions Count do canal Nerd Writer, ambos com legendas em português.

Comentários (2)

Lucas Moreira | quarta-feira, 12 de Julho de 2017 - 19:31

Tao ajudando o rapaz escolher o filme, depois quero uma moleza dessas também. 😏

Araquem da Rocha | domingo, 16 de Julho de 2017 - 04:10

Ele ia dirigir Homem-Formiga pra Marvel,e a DC estava de olho nele.
Acho que um filme de super-herói na mão dele ficaria bacana.

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