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Resenha de 'Como a Geração Sexo, Drogas e Rock...'

Em meados dos anos oitenta, em uma reunião de críticos norte-americanos, Pauline Kael, talvez a mais respeitada e influente profissional do ramo que já se teve notícia, falou para um colega: “Não tem mais graça”. Surpreso com o comentário de Kael, ele perguntou o que ela queria dizer com aquilo. Ouviu a seguinte resposta: “Você se lembra dos anos 60 e 70, quando os filmes eram emocionantes, quando nós éramos emocionantes? Os filmes pareciam ter importância”.

Esta é uma das últimas histórias contadas pelo jornalista Peter Biskind em seu livro Como a Geração Sexo, Drogas e Rock ‘n’ Roll Salvou Hollywod (Easy Riders, Raging Bulls). Publicada pela primeira vez em 1998, a obra chega agora ao Brasil com tradução de Ana Maria Bahiana, contando a história do cinema norte-americano durante o final dos anos 60 e a década de 70, quando um grupo de jovens cineastas se insurgiu contra o poder dos produtores e praticamente assumiu o timão do barco da terra dos sonhos – timão que eles mesmos jogaram fora tempos depois.

E é exatamente este o foco de Biskind. Seu relato tem início durante os primeiros passos da produção de Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas, tido por ele como o primeiro filme da chamada Nova Hollywood. A Nova Hollywood seria um novo modo de a indústria fazer filmes. Nada mais de executivos unicamente preocupados com lucros e com o orçamento dos filmes. A garotada que chegava para dar esse golpe de estado – Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Martin Scorsese, George Lucas, Brian De Palma, Steven Spielberg e outros – tinham a arte como objetivo único e exclusivo. Queriam apenas fazer filmes, de preferência, melhores que os de seus colegas. E, para isso, o antigo sistema não poderia mais permanecer em vigor.

Pouco a pouco, eles foram conquistando espaço. Warren Beatty usou toda a sua influência para realizar Bonnie e Clyde, Dennis Hopper amedrontou os executivos com sua insanidade e tornou realidade o libelo Sem Destino, Coppola suportou a pressão e suas próprias dúvidas para fazer de O Poderoso Chefão um imenso sucesso – e até hoje um dos maiores filmes da história. O desejo em comum de fazer mais e melhores filmes e o desprezo pela Velha Hollywood formou praticamente uma comunidade em Los Angeles e seus arredores: todos estes cineastas ávidos e iniciantes, uma incrível fonte de talento, ajudavam-se mutuamente, municiados por suas câmeras em sua guerra em prl da arte.

Até hoje, essa época é tomada por muitos como o último grande período de ouro de Hollywood. Difícil negar essa afirmação. Talvez estes pouco mais de dez anos foram o grande auge criativo do cinema norte-americano em toda a sua história. Provavelmente nunca os diretores tiveram tanta liberdade e poder para expor suas visões em celulóide, resultando em obras ainda hoje inigualáveis, como O ExorcistaOperação França, Tubarão, Taxi DriverGuerra nas Estrelas, Apocalypse Now, Touro Indomável e muitas outras. Uma lista inegavelmente fantástica, representativa e difícil de ser superada.

Tudo isso está presente no livro de Biskind de forma exemplar e detalhada. O grande diferencial da obra é o fato de contar com entrevistas e depoimentos dos próprios protagonistas e de quem esteve por perto deles durante aquele tempo. Ainda que, ao que parece, muitos neguem as declarações ou afirmem não se lembrar, elas estão presentes nas páginas de Como a Geração Sexo, Drogas e Ro ‘n’ Roll Salvou Hollywood, proporcionando um detalhado insight de todos os acontecimentos e, principalmente, permitindo ao leitor a possibilidade de conhecer mais a fundo as personalidades, as manias e os podres de alguns dos maiores nomes da história do cinema.

Francis Ford Coppola, por exemplo, é retratado como um egocêntrico, um megalômano, que tinha planos de se tornar o grande revolucionário da arte. De fato, a sua autoconfiança e poderosa eloqüência abriram espaço para ele, que ainda trouxe junto outros jovens cineastas. Por outro lado, George Lucas era extremamente tímido, pouco sociável e não acreditava possuir talento. Já Dennis Hopper surge como um quase psicopata, capaz de qualquer atitude, enquanto Steven Spielberg despertava certa repulsa dos colegas por jogar de acordo com o sistema que eles combatiam.

Segundo Biskind, praticamente todos eles sucumbiram aos excessos da fama, da fortuna e das drogas. Em certo momento, Martin Scorsese ficou com a saúde tão precária que achou que iria morrer. Alguns, como Hal Ashby, não sobreviveram. Estes exageros, hoje claros a todos eles, não eram percebidos na época. Ricos, famosos, louvados por muitos, estes diretores se consideravam deuses intocáveis e qualquer opinião contrária a eles não era ouvida. Pior ainda, era vista como uma afronta e falta de respeito. Assim, a arrogância e a falta de limites fizeram com que eles perdessem, aos poucos, o espaço que haviam conquistado, devolvendo, nos anos oitenta, o poder da indústria aos produtores e estúdios.

As décadas de 60 e 70 foram as primeiras – e talvez as únicas – nas quais o chamado “cinema de autor”, nomenclatura cunhada pelos franceses da Cahiérs Du Cinema, teve espaço no cinema norte-americano. Obviamente, como o próprio Biskind lembra, alguns cineastas conseguem ainda hoje produzir obras pessoais, como Woody Allen, os irmãos Coen e Quentin Tarantino. Nunca mais, porém, com a mesa força, poder e alcance que tiveram Coppola, Scorsese, Friedkin e outros durante aquelas décadas.

Por isso, e de forma extremamente adequada, Peter Biskind diz que as palavras dos motoqueiros ao final de Sem Destino são perfeitas para traduzir o que aconteceu com este grupo de “touros indomáveis”: “Jogamos tudo fora”.

Leiam Como a Geração Sexo, Drogas e Rock ‘n’ Roll Salvou Hollywood. Mais do que obrigatório, um livro essencial a qualquer cinéfilo.

 

Livro: Como a Geração Sexo, Drogas e Rock 'n' Roll Salvou Hollywood
Autor: Peter Biskind
Tradução: Ana Maria Bahiana 
Editora: Intrínseca
Ano: 2009

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