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Um apelo nostálgico, saudoso e pessoal à animação - parte IV

Parte IV - O Luto

Se, no final dos anos 1960, o cinema de animação da Disney demonstrava sinais de cansaço, ele já não chega nada bem aos anos 1970. A linguagem simplista e anticinematográfica da animação televisiva era então hegemônica. As mais sofisticadas produções da Hanna-Barbera (que também produziam mais) questionavam sem dificuldades o lugar de especial respeitabilidade que a Disney ocupava. O momento também é marcado pela transição dos animadores tradicionais do estúdio (incluindo alguns dos nove homens velhos) para uma nova e mais jovem equipe, que transformou os anos 1990 no renascimento da animação Disney e contribui para os projetos do estúdio até hoje.

Neste momento acho importante ressaltar o perigo dessas delineações clássicas e midiáticas de qualquer historiografia cultural, que tenho abraçado até agora sem questionamentos — como se vê pela própria escolha de divisão temporal entre os textos. Quero evitar agora determinismos — ou pelo menos remediar um tanto dos que já passei adiante aqui — ao trazer alguns dos nomes por trás dos já demais usados termos “estúdio”, “Disney” e “produção”. Conhecer esses nomes é essencial para que se entenda o maior momento de transição da história que está sendo contada aqui.

Em primeiro lugar: quem são os nove homens velhos e o que eles faziam no momento determinante da morte de Walt Disney? Então ainda contribuíam com a produção de longa-metragens do estúdio Ollie Johnston, Milt Kahl, Eric Larson, John Lounsbery, Wolfgang Reitherman e Frank Thomas. Alguns dirigiam, outros eram animadores de personagens, nenhum deles continuaria ativo ao final dos anos 1980.

Wolfgang Reitherman foi quem conduziu a Disney pela nova estética de animação que o estúdio começou a experimentar, e depois consolidar, a partir de Os 101 Dálmatas. Ele é responsável pela baleia Monstro, de Pinóquio, e pelo sombrio rato de A Dama e o Vagabundo, duas peças espetaculares do cinema animado. E, apesar das minhas críticas à estética televisiva, eu não destaco esses dois fatos em paralelo como uma contradição. Os 101 Dálmatas, no seu momento, era talvez tão revolucionário quanto Monstro foi em 1940. No luto, ele tinha a dianteira. E não começou mal. Apesar de não ser exatamente espetacular, o primeiro filme do período, Aristogatas, tem um charme comparável ao de seu adorado antecessor, Mogli, o Menino Lobo.

Tendo Os 101 Dálmatas como exceção, Reitherman manteve a produção do estúdio no padrão do convencionalismo. E, enquanto os casos mencionados funcionavam, pois se debruçavam sobre histórias mais simples, bem escritas e desenvolvidas, acompanhadas por uma trilha sonora memorável e ambientadas em lugares encantadores — a Nova York dos dálmatas, a selva de Mogli e a Paris de Aristogatas —, Robin Hood, uma estranha e desconfortável infantilização de um personagem sério, destaca-se negativamente. Colocar roupas em animais nunca funcionou muito para a Disney fora dos cartoons do Mickey e cia. Robin Hood, The Wind in the Willows e As Peripécias de um Ratinho Detetive são tentativas lamentáveis de infantilizar os clássicos. De Oliver e sua Turma em diante, a adaptação dos clássicos é repensada. Às vezes colocando animais para serem animais e explorando o possível da obra original sem transformar o universo dos personagens, às vezes indo direto ao ponto da obra (como O Corcunda de Notre-Dame, Pocahontas e Mulan).


O fundo do poço do período, no entanto, em termos de técnica de animação e de narrativa, é As Aventuras do Ursinho Pooh, uma coletânea de histórias com os mesmos desinteressantes personagens. Imagino que o fato de eles serem bichos de pelúcia seja usado para defender os rostos pouco expressivos, mas não justifica o traço à Discovery Kids e as narrativas preguiçosas. Felizmente, Reitherman teve a chance de se redimir com Bernardo e Bianca: bons personagens, bom desenho, cenários fabulosos. Uma despedida de classe para um grande animador e o início do fim da Disney como era até então.

A partir de O Cão e a Raposa, os nove homens velhos ainda ativos, encabeçados por Eric Larson, estariam presentes apenas para treinar uma nova equipe, que deveria estar pronta para tomar as rédeas da produção animada do estúdio. O filme é um belo símbolo da transição, casando o universo visual dos clássicos da Era de Ouro com a habilidade narrativa crua e cheia de verdade da nova geração. Dos filmes humildes do estúdio, O Cão e a Raposa é uma obra-prima.

A nova equipe, no entanto, levou um tempo para levantar um bom voo solo. Patinou por projetos fracos, problemáticos desde sua concepção, como O Caldeirão Mágico e As Peripécias de um Ratinho Detetive (o primeiro que colocou personagens 2-D em um ambiente tridimensional criado no computador, para o clímax do filme). O problema desses dois filmes é o mesmo: história sofisticada demais para personagens lineares e simplesmente chatos. Oliver e Sua Turma consegue reverter esse problema simplificando a história (mais um clássico adaptado), olhando para os personagens e estabelecendo um ritmo. Esse ritmo certeiro define muito bem os filmes que seguiriam e a música, que teria um papel forte, estabelecendo quase uma marcação para ótimos personagens. Nos anos 1990 renasce não só a Disney, mas um interesse particular na animação como arte e como mercado.

Leia os artigos anteriores:

Parte I: Os Pioneiros
Parte II: O Hiato
Parte III: O Ouro 

Comentários (6)

Daniel Vilas Boas | domingo, 19 de Outubro de 2014 - 17:08

Sempre tive um carinho muito grande por O Cão e a Raposa.

Lucas Nunes | segunda-feira, 20 de Outubro de 2014 - 11:59

Se não fosse os musicais irritantes e desnecessários, Mulan seria uma obra-prima!

Adriano Augusto dos Santos | terça-feira, 21 de Outubro de 2014 - 11:04

Gosto bastante do Ratinho Detetive.Leva o mundo do Sherlock às animações,tem um vilão legal de Vincent Price,uma correria legal no fim.

David Nascimento | quarta-feira, 22 de Outubro de 2014 - 05:20

Nem Que a Vaca Tussa e A Nova Onda do Imperador eu considero as últimas animações divertidas da Disney. Mas os clássicos (tipo O Rei Leão) são história. Não voltarão a fazer mais.

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