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Um escudo pintado com as cores da igualdade

O mundo sabe que não sou aficcionado por quadrinhos, graphic novels ou cultura nerd/pop em geral. Lógico que não sou louco, e sei reconhecer o talento quando exposto a ele, então não me faltam elogios a coisas como Matrix (The Matrix, 1999), o Superman do Richard Donner, a saga Senhor dos Anéis, e mesmo a mitologia que a Marvel tenta amarrar através de The Avengers - Os Vingadores (The Avengers, 2012), produzindo filmes bacanas e com um fio bacana que une tantas ideias de roteiristas, diretores e concepções diversas. Confesso não ter paciência para a "eloquência" de Thor (idem, 2011) mas como todos no mundo fui fisgado pelo carisma nota 1000 de Robert Downey Jr. na sua caracterização do Tony "Homem de Ferro" Stark; tenho curiosidade com o que um ator como Mark Ruffalo possa fazer com seu Hulk; e fui apresentado ao Steve Rogers de Chris Evans ali, no primeiro Os Vingadores. Não fazia ideia do que me aguardava essa semana.

Meu contato de infância com o soldado que o ex-Tocha Humana hoje vive era mínimo, porque também nunca fui uma criança ligada a super-heróis. O homem com um escudo e as cores da América do Norte no uniforme; assim era minha visão limitada. Hoje o cara me interessa, cada vez mais. Nascido no miolo da Segunda Guerra Mundial, Steve Rogers foi inicialmente uma criação da dupla Joe Simon e Jack Kirby com fins agregadores, de mostrar um super-herói americano combatendo os nazistas e vencendo ao final. Com o mundo imerso na escuridão daqueles tempos, o gibi inicial bateu muitos recordes de vendas. Já lá, no gibi #1, temos a primeira encarnação não somente de Rogers como também de seu companheiro Buck, o responsável pelo "serviço sujo" da guerra, como empunhar armas e disparar contra os inimigos (Rogers sempre foi mocinho até o talo, empunhando o escudo, e apenas ele, para se defender apenas). Com a reformulação que o genial Stan Lee engrenou décadas depois, o Capitão viria a se tornar um dos Vingadores, o líder deles, e toda a mitificação em torno do seu congelamento mostrado no primeiro filme foi então criada. Pronto, foi amarrada as bases da serie que hoje conhecemos nos cinemas.

No ato do lançamento do primeiro longa, tive vontade insuspeita de conferir a produção por tudo que o trailer me mostrava: uma aventura à moda antiga, como dos clássicos da Sessão da Tarde, na qual eu via muito do Rocketeer da Disney que o mesmo Joe Johnston dirigira 20 anos antes. Desencontros e desprogramacões me fizeram adiar meu encontro particular com Steve pro início desse mês, na febre do lançamento da segunda muitíssimo bem-sucedida aventura do Capitão América: O Primeiro Vingador (Captain America: The First Avenger, 2011) nas telonas, com arrecadação espetacular e críticas idem. E se o cara tinha ficado apagado (pra mim) em suas aparições no igualmente bem sucedido Vingadores, caí da cadeira e de amores pela estreia do Capitão. Bem roteirizado e dirigido, o filme é um avanço em 90% do que é feito hoje em dia no gênero, se permitindo ser inteiro um filme de apresentação de um personagem. Entrando no personagem somente com 40 minutos de projeção, Chris Evans esbanja carisma e delicadeza no personagem humano que se redescobre poderoso, mas sem perder o coração e a humanidade (como diz Stanley Tucci numa passagem). Ao final da aventura, meu susto ao perceber que o filme inteiro estava mostrando com riquezas de nuanças a chegada do personagem aos nossos dias, já que também o filme começa durante a Segunda Guerra. Essa ousadia, seu final assumidamente melancólico, e seu clima de aventura pra toda família me ganharam definitivamente.

Fui, então, animado conferir esse novo momento do personagem, com diretores novos e finalmente integrado (ou quase) ao nosso tempo. Com artigos e críticas que colocaram o filme no topo das produções baseadas em HQ's, comecei a sentir um zunzunzum muito esquisito antes de conferir, quase tardiamente. E de fato os produtores da divisão Marvel de cinema tem nas mãos um grande personagem entregue ao ator certo: Chris Evans nos conquista na primeira cena, e seu reencontro para reaver "a dança que ele nunca tinha conseguido ter" é de emocionar qualquer um. A trama do filme, com tintas políticas jamais disfarçadas, também é um achado e mostra com pouca sutileza os meandros da justiça e da proteção unidos ao caráter maléfico como há tanto sabemos, reproduzindo um quadro conhecido e infelizmente muito real. Mas tem um personagem-chave no filme que demora a surgir, o tal Soldado Invernal do subtítulo. É a partir da revelação da identidade desse super vilão que o filme claramente se metamorfoseou de frente aos meus olhos.

(A partir daqui, SPOILERS sobre a trama e a identidade do Soldado serão revelados, para que enfim meu texto possa fazer sentido. Favor, voltar a ler na saída da sessão de vocês.)

Lógico que, explicitamente, a Marvel não aprovaria nada parecido, mas talvez eles tenham mais uma vez ousado com um personagem que, a partir de agora, é meu super-herói favorito, pela forma como seus filmes têm liberdade única de chegar às telas com visões tão críveis e bem articuladas, dentro do próprio cinema e dentro da sociedade atual. Os irmãos Anthony e Joe Russo (que estavam por trás de séries celebradas como Arrasted Development e Community) praticamente debutam no cinema com um hit gigantesco e com a bem-vinda ousadia de mostrar um herói apaixonado por outro homem pela primeira vez. (E, nesse momento, os fãs xiitas nerds começam a jogar meu nome na boca de todos os sapos, zombar de mim e me espinafrar inclusive aqui no fórum)

Independente do que venham a dizer, pra mim está muito claro, desde a primeira cena da nova produção, o quanto Steve e Buck são apaixonados um pelo outro, como a tela literalmente pega fogo no primeiro reencontro entre eles. Explica-se: o amigo fiel de Steve tinha sido dado como morto no primeiro capitulo da série, mas aqui vemos que ele passou por um processo parecido com o de Steve, mas perpetrado pelos russos, além de ter sofrido uma espécie de lavagem cerebral. Hoje, Buck é o Soldado Invernal, máquina de matar inimiga com capacidade máxima de força, como o Capitão. Quando Steve arranca a máscara que cobre o rosto do vilão e reconhece Buck, o filme literalmente para. A partir dessa cena, o filme todo passa a ser (re)construído, como a grande história de amor que na verdade é.

Nesse momento, me lembrei inclusive de O Sexto Sentido (The Sixty Sense, 1999) quando, no final, ao vermos Bruce Willis se descobrindo morto, e todo um mini flashback passa de novo na tela. Pois é o que acontece aqui; tudo o que aconteceu passa a se ressignificar, ganhando ressonância e forma antes desconhecida. Das recusas de Steve para com as garotas que Natasha insiste em apresentar a ele, ao carinho complacente que ele tem com Sharon quando a reencontra décadas à frente, estamos diante de um homem apaixonado. E que declara seu amor! "Eu não vou te bater mais" e "Vou com você até o fim" devem ser as duas frases mais carinhosas ditas entre dois homens no cinema americano em 2014. A Buck cabe a metáfora da descoberta: tendo sua mente limpa de qualquer lembrança, esse homem está aberto para o que vier a acontecer com ele, ou seja, é agora heterossexual. E em atitudes típicas de um hetero recém flagrado em seus desejos secretos, quer matar o objeto do desejo. E a si. Aos poucos suas defesas vão caindo por terra... até ressurgir, como uma mão. E no final, após os créditos, tentando também ele se redescobrir e estar preparado para o futuro. Afinal, eles vão se reencontrar um dia - eles precisam.

Não cabe divagações sobre o que acontecerá a esse respeito no próximo episódio. Buck pode não voltar (quase impossível), ou apenas esse viés desaparecer simplesmente. O que fica de positivo foi a porteira aberta por esse Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, 2014), como filme de aventura com cenas de ação eletrizantes e como mensagem de aceitação das diferenças, apenas. Os céticos irão fazer troça, os fãs irão chiar, os zoeiras dirão que também existe amor entre amigos... Ok, não espero companhia na minha opinião. Espero o que todos de mente aberta esperam e a que Hollywood, mesmo que inocentemente, deu o aval: as diferenças existem e precisam ser normalizadas, e isso, obviamente, não tem como ser feito por meio de cenas de sexo ou beijos transgressores; a sutileza pode ser repleta de poesia. Enfim, ninguém é igual a ninguém - e, se eu não posso ter super poderes, porque o Capitão América não pode se gay?

Comentários (22)

Lucas Souza | segunda-feira, 28 de Abril de 2014 - 09:07

Peraê o Carbone é gay?

Caio Henrique | segunda-feira, 28 de Abril de 2014 - 09:33

Não estou dizendo que o cara não pode expor sua interpretação da obra. Só achei meio apelativo o cara expor uma leitura dessas sem muito embasamento, baseado apenas em subjetivismo e gerar polêmica com isso. Acho que quando o cara vem com um texto desses ele deve expor alguns fatos relevantes para comprovar seu argumento e não ficar só no \"achismo\".

Gabriel Zanchin | segunda-feira, 28 de Abril de 2014 - 20:01

Gente, tem uma cena após a primeira cena dos c´reditos, a ordem é essa: filme > créditos > cena extra > + créditos aí voces esperam mais uns minutos > cena secreta nessa cena tem beijinho do capitão américa e do seu amigo e ele é gay, abs a tds continuem debatendo

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