Certas franquias por si só se estabelecem como um gênero à parte na sétima arte. Exemplo de Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, que consolidaram o tema do "assassino-que-mata-sem-parar-e-não-morre-nunca". O caso mais exemplar é a franquia do agente do MI6, James Bond. 007 se tornou um estilo próprio dentro do cinema de ação. A fórmula é simples: um vilão que quer destruir ou dominar o mundo; correria em todo o planeta; belas mulheres; muito estilo; cenas de ação de alta qualidade; efeitos especiais inovadores. Em 2002, Um Novo Dia para Morrer foi a gota d'água na franquia. O filme de Lee Tamahori repetiu muito do que já havia sido realizado nos Bonds anteriores e o ineditismo foi por ralo abaixo. Foi então que em 2006, o mundo recebeu o poderoso Cassino Royale, reinvenção do agente britânico, que mostrava Bond ainda incipiente no serviço e como sua personalidade ia se moldando. O filme foi um grande sucesso e mostrou que com um bom roteiro e força de vontade, pode-se sim dar novo gás a gêneros que pareciam acabados. Dois anos depois, Quantum of Solace não apenas mantém a tendência, como subverte totalmente o gênero 007.
Em uma estratégia ousada, criou-se a primeira continuação "oficial" de um filme de James Bond. Durante os vinte filmes, nenhum seguiu uma ordem cronológica. Aqui, a ação (literalmente) começa poucos minutos depois de Bond balear o sr. White na Itália (na sequência que fechara a produção anterior). Depois de uma alucinante perseguição automobilística (primeiros ventos de Jason Bourne na franquia?), Bond vê-se às voltas com uma organização que derruba e coloca ditadores no poder, a Quantum, que se esconde atrás da empresa Greene Planet, do megaempresário Dominic Greene (Mathieu Amalric). Buscando vingar a morte de Vesper Lynd, James acaba tendo que derrubar os planos da Quantum (que irá colocar um ditador no poder da Bolívia, em troca do fornecimento de água, que ficará à cargo da Quantum), e ainda tem o caminho cruzado com Camille (Olga Kurylenko), que também busca vingança.
O roteiro é incrivelmente ousado, já que não se trata de um puro Bond. As referências à franquia clássica estão lá, mas por trás de tudo isso, existe o catalisador da vingança. Bond ainda está transtornado pela morte da mulher que amava e não mede esforços para destruir aqueles que causaram sua morte - mesmo que para isso atire antes de perguntar (ou nem pergunte) - e acabe se atritando com M (Judi Dench) e os superiores do MI6.
É um Bond totalmente subvertido. É uma história estranha ao público acostumado com o estilo charmoso do agente, com seus carrões e belas bondgirls. Quem imaginaria James Bond agindo como um legítimo brucutu, fugindo num fusca (!) ou pegando apenas uma mulher (que nem é uma aventura em tese, é uma mera funcionária do Consulado Britânico)? A catarse já começa no fabuloso clipe dos créditos iniciais, embalado pela música Another Way to Die, composta e interpretada por Jack White (do White Stripes) e com participação de Alicia Keys. O fato de ter uma música de White na trilha já é sinal de que algo mudou. Poucos imprimem um tom melancólico e algo profundo na música como Jack White. E é esse tom que salta aos olhos em Quantum of Solace. Em busca de vingança, Bond sai atrás de sua "zona de conforto" (que é o significado da expressão quantum of solace).
Um fator que ajudou para imprimir maior tom dramático à história foi a volta de Paul Haggis (Menina de Ouro, Crash) ao roteiro, que assina com Robert Wade e Neal Purvis. É um excelente texto, que cadencia perfeitamente a ação e a emoção, o drama e a luta física. Tão essencial foi também que assinou a direção, no caso Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca), que foca tanto nos conflitos internos de Bond como nas cenas mais movimentadas, em que tem total controle).
Quantum of Solace é, de certa forma, a segunda da parte da "trilogia" que reinventa o personagem (já que será essencial ter um próximo filme). Nesse ponto, guarda semelhanças com Batman - O Cavaleiro das Trevas, que igualmente tinha uma carga dramática altíssima e ação sem parar, e que acabou por subverter o gênero de super-herói. Este Bond tem grandes cenas de ação, aproveita muito bem as locações, tem ótimos efeitos especiais e volta com ótimo trabalho de Craig com o agente secreto. Amalric, como a nêmesis de Bond, está muito bem, compondo um tipo comum, mas ainda assim ameaçador.
O 22º filme de James Bond foi recebido de maneira amarga por parte do público e da crítica. Mas além de ser um filme "pós-Bourne", é também o primeiro 007 com perfeito equilíbrio entre ação e emoção. Esse é o caminho a ser seguido. Para ser bom, um filme de ação não deve ter apenas cérebro e músculos. Tem que ter coração. E Quantum of Solace é perfeito nesse quesito.
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