A ARTE DE UM GÊNIO
Não importa quantas vezes eu assista 2001: Uma Odisséia No Espaço (1968), não consigo tirar uma conclusão sobre o que Stanley Kubrick quis dizer com essa magnífica obra-prima. E 2001 se mostra um dos maiores filmes já feitos na história do cinema exatamente por essa complexidade e capacidade de mexer com quem o contempla – já que não se assiste 2001, simplesmente. Somos capazes de assisti-lo várias vezes em sequencia (meu recorde é de três revisadas no mesmo dia!) e, mesmo sem conseguirmos alcançar a mensagem do filme (se é que existe alguma ou somente uma) ainda ficarmos maravilhados com tamanha perfeição desta belíssima crônica sobra a evolução humana e a interatividade do homem com o cosmos. 2001 é um filme de questionamentos, e não de respostas.
Kubrick atingiu o máximo da maestria aqui, com um filme que pode ser considerado o maior exemplar do que um filme deve ser. Se o mundo passasse por um apocalipse e toda nossa cultura fosse dizimada, quem tentasse explicar para as futuras gerações o que era o cinema, deveria exibir 2001: Uma Odisséia No Espaço, pois mesmo que quem o contemplasse não entendesse o filme em si, compreenderia o que é a sétima arte em sua essência. A meticulosidade, o perfeito enquadramento e composição de cada plano e tomada, a perfeita noção de profundidade e perspectiva, a exímia harmonia entre imagem e som, a fotografia condizente com a sensação transmitida pela cena, o cuidado em apresentar os cenários, a apoteótica e épica trilha sonora e a subjetividade e subversão de gêneros e conceitos faz com que as quase três horas de filme sejam uma experiência única e inesquecível.
Esteticamente, 2001 é um filme perfeito. O espaço sideral criado por Kubrick, mesmo sem nada da tecnologia disponível, é impressionante. A riqueza de detalhes é incomparável, não só física, mas também conceitualmente, seja na utilização de créditos para a comunicação, seja na atividade do homem na Lua (que só pisou lá pela primeira vez de fato em 1969, um ano após o lançamento do filme). Assistir 2001 é acompanhar um dos maiores espetáculos visuais que o cinema já foi capaz de proporcionar, com os corpos celestes e as estruturas espaciais parecendo dançar com leveza no cosmos ao som da valsa que permeia por longas sequencias.
O esplendoroso uso da trilha sonora, aliás, é outro belo trabalho de arte dentro de uma outra obra de arte, que é o filme como um todo. A maneira exemplar como a trilha se sobrepõe aos à falta de diálogos e funde-se com perfeição às imagens exibidas nos mostra os reais sentido e função da trilha sonora em uma projeção. Como explicar, por exemplo, como um filme é capaz de iniciar com a tela completamente escura, sem qualquer letreiro ou outro tipo de artifício visual, com uma tensa e pesada música clássica tocada apenas em um piano, por mais ou menos cinco ou seis minutos e manter-nos com os olhos grudados na tela e em assustador silêncio até a primeira imagem, se não pelo simples fato de estarmos contemplando uma legítima obra de arte? Eu, particularmente, não sei.
A tensão constante é outro fator marcante em 2001. Não importa a passagem do filme, a sensação de que algo importante está acontecendo, seja onde for, é inevitável. Mesmo com a primeira fala propriamente dita do filme surgindo apenas após 26 minutos de projeção, o trabalho de Kubrick para nos ambientar ao seu filme é de se ovacionar. Na primeira passagem do filme, naquele período pré-histórico, há uma cena que exemplifica tal trabalho: ao anoitecer, acompanhamos os primatas agrupados e recolhidos sob as formações rochosas, em completo silêncio, enquanto o rosnar do leopardo ecoa vale a fora. O felino, convicto de sua superioridade na cadeia alimentar, repousa a mortífera pata de garras afiadas sobre sua presa (uma infeliz zebra), com os aguçados olhos brilhantes em meio à penumbra que logo se transformará em escuridão total. A cena é tão bela e tensa que parece uma pintura em movimento.
Tensão essa que apenas aumenta com o acompanhar do filme. Quando chegamos naquela que é a derradeira passagem (algo como um segundo bloco dentro do segundo ato), que é quando somos apresentados a um dos mais emblemáticos e icônicos personagens de todos os tempos: HAL 9000, o computador perfeito que compõe a tripulação da Discovery. A imagem que temos de HAL nada mais é do que uma câmera oval e sua enigmática luz vermelha no centro de sua lente. Seu sistemático modo de falar apenas salienta a assustadora certeza que HAL tem de sua incapacidade de errar. HAL se vê como um Deus, dada sua suposta perfeição, e como tal atribui toda a possível falha ao erro de sua equipe humana. A cena em que David e Frank conversam dentro de uma cápsula sobre um provável erro de cálculos de HAL, enquanto a máquina apenas os observa a distancia (aparentemente) é uma aula de “tensão muda”, assim dizendo. Pode se dizer que foi a partir de 2001 e seu HAL 9000 que a interação homem-máquina e as questões que envolvem o desenvolvimento de inteligência artificial tornaram-se recorrentes no cinema.
Mas de tudo, o que mais me intrigou em todo o filme foi aquele misterioso monólito de carbono que se faz presente nos três atos do filme, deixando claro que representa algo imprescindível na obra de Kubrick. Algo que eu confesso ter sido incapaz de compreender. A cada aparição da misteriosa estrutura, acompanhada da épica música quase celestial, eu buscava uma explicação dentro do contexto da obra para o significado de tal objeto ou da circunstância na qual se fazia presente. Teria sido aquela enigmática estrutura quem influenciou nossa evolução, sendo que logo depois de sua primeira aparição os primatas demonstraram claros sinais de inteligência até então não vistos antes? Seria ela o fato novo e desconhecido que obriga uma espécie, civilização ou sociedade à evoluir e desenvolver-se? Seria o indicativo ou mesmo prova da existência de inteligência alheia ao nosso conhecimento, mas que vem acompanhando o nosso desenvolvimento ao longo dos séculos? Francamente, acho que só Kubrick sabe.
2001: Uma Odisséia No Espaço é o maior trabalho de um dos maiores gênios que a arte como um todo já conheceu. Levanta inúmeros questionamentos e não se preocupa, nem se propõe, em respondê-los. Pois Kubrick não queria simplesmente nos dizer algo. Queria que pensássemos, que tentássemos compreender a nós mesmos antes de qualquer outra coisa – e o majestoso final deixa isso bem claro. Cabe a nós, meros mortais, apenas nos curvarmos diante de tamanha grandeza deste trabalho e seu autor, pois acredito que jamais alguém desvendará o real significado desta magnífica e quase divina obra-prima.
Afinal, que outro diretor colocaria um intervalo dentro do clímax de seu maior trabalho, fazendo deste um dos momentos mais interessantes do cinema? O cara é mito, mesmo....
Texto muito bom, parabéns! Maravilha de filme.
Muito obrigado, Paulo. Fico contente que tenha gostado.
Nível Cristian de qualidade. Ótimo texto para uma obra-prima grandiosa.
Pô, Chicão. Fico lisongeado, cara. Ainda mais vindo de ti, meu amigo. Abraços!!