“Qual é o seu filme favorito?”. Essa é a pergunta básica que um cinéfilo ouve quando um outro descobre essa sua paixão, mesmo que este não tenha a mesma admiração pela sétima arte. E, sempre quando o cinéfilo vai justificar o seu apreço por aquele filme, ele pensa muito no que falar antes, para tentar dar a melhor impressão da película para aquela pessoa. Bom, não sei se com os leitores é assim, mas isso sempre acontece comigo. É muito difícil escrever ou falar sobre o meu filme favorito. Isto porque a minha estima pela obra é tanta que, não importa o que eu escreva, o seu comentário nunca vai me satisfazer plenamente. Mas aqui estou eu, falando sobre minha obra favorita: “2001: Uma Odisseia no Espaço”.
Já se nota que esta não é uma obra como outra qualquer na abertura, com uma estonteante imagem da Terra se alinhando com o Sol e a Lua. E, para a coisa ficar ainda mais grandiosa, a música que está tocando nesse momento é “Also Sprach Zarathustra” de Richard Strauss, sinfonia inspirada em uma obra filosófica do mesmo nome escrita por Friedrich Nietzsche, que aborda como a humanidade pode se livrar do velho maniqueísmo zoroastra e conseguir evoluir. É exatamente essa a ideia do filme, abordar a evolução do ser humano em três “etapas”, tal qual estão os três astros alinhados ao som da música do romântico compositor alemão. Vale ressaltar que o filme não trata da evolução do homem como um animal, mas sim do ser humano como um ser diferenciado dos outros.
Eis que, em seguida, aparece o primeiro ato do filme chamado “A Aurora da Humanidade”. Apesar do título pomposo desse ato, o início de “A Aurora da Humanidade” não tem nada de grandioso. O retrato do grupo de primatas não poderia ser mais pessimista. Eles estão a beira da extinção. Como se já não bastasse os ataques de outros animais, muitos deles também morrem devido à brigas entre eles mesmos. O que estava causando o seu fim não era o meio hostil, mas as suas próprias limitações como um animal de caça. Em um momento, o grupo de primatas é atacado por um leopardo, que acaba matando um de seus membros. No anoitecer daquele dia, os sobreviventes desse ataque estão em uma cova, como se estivessem esperando algo: a extinção. Em uma cena espetacular, o Sol se põe na savana sobre eles, e uma pequena Lua crescente aparece, como um sinal do surgimento do ser humano. Na manhã seguinte, um estranho objeto aparece, deixando todos do bando espantados. Logo em seguida, ocorre o primeiro passo da humanidade, quando um dos primatas que teve contato com o estranho objeto consegue usar um osso como arma (e nesse momento, para reforçar que aquele era um passo para a evolução do ser humano, a “Also Sprach Zarathustra” toca mais uma vez). Esse passo é a sua capacidade criativa, para transformar o meio em que vive em algo mais cômodo para a sua sobrevivência. E, através da clássica cena em que o osso se transforma em uma nave, Kubrick demonstra que somente foi possível para a humanidade criar naves espaciais e outros objetos ultra-sofisticados a partir daquele “osso-porrete”.
Depois desse corte, começa a tocar “O Danúbio Azul” de Johannes Strauss, enquanto algumas naves espaciais graciosamente deslizam na órbita terrestre, quase no mesmo ritmo da bela valsa do compositor austríaco. É curioso notar aqui que a Lua está mais cheia que na cena dos primatas, isso mostra como a humanidade progrediu. Entretanto, a Lua ainda não está completamente cheia, ou seja, ainda faltam passos a serem dados. Uma outra alegoria para demonstrar que a evolução no ser humano, mesmo com esses avanços, ainda não está conclusa está no fato da estação espacial que aparece ainda não estar completa. Vale observar uma mensagem meio que subliminar interessante nessa sequência: quando o Dr. Floyd tira um cochilo na nave, a sua caneta , devido à ausência de gravidade, sai de seu bolso sem que ele perceba: o ser humano está tão desatento com sua busca cega pelo avanço que não notou que está perdendo o controle sobre suas próprias criações. Isso vai fazer mais sentido mais na frente do filme...
Quando o Dr. Floyd chega na Lua, ele encontra um objeto (idêntico àquele que os primatas primitivos encontraram). Pelo objeto em si, nem ele nem os seu cientistas conseguiram tirar conclusão nenhuma. Somente que o mesmo emitiu, para algum lugar na órbita de Júpiter, uma espécie de frequência de rádio, como que avisando para alguém que finalmente fora descoberto. Depois de conseguir manipular o seu meio para seu favor, o ser humano dá outro passo, representado, tal qual o primeiro, por aquele estranho objeto: consegue sair do seu meio e se instalar em outro com sucesso. Chegou a hora do último passo. Uma nave, com cinco passageiros parte em direção ao maior planeta do Sistema Solar com o objetivo de descobrir que recebeu tal sinal. É interessante notar que entre os passageiros temos um que se chama Bowman e outro que se chama Kaminsky. A julgar por esses nomes, deduz-se que um é norte-americano e o outro é russo. E nos anos 1960, auge da Guerra Fria. Kubrick aqui mostra um dos sinais do derradeiro passo para a evolução da humanidade, quando esta estaria deixando os conflitos internos, que a acompanham desde os tempos de primatas primitivos, para a união dos seres humanos em prol de um bem maior. Existe ainda um sexto passageiro, o computar inteligente HAL-9000, que um momento crucial se volta contra a tripulação, justificando que ele deveria concluir a missão a qualquer custo, mesmo que para isso deveria passar por cima de todos os outros. Então aparece uma sequência de cenas incríveis: Bowman indo buscar o seu colega no espaço (aqui vale falar da sensibilidade do diretor em usar a respiração ofegante do astronauta como trilha sonora), enquanto HAL-9000 mata os tripulantes que estão hibernando; quando Bowman tenta entrar pela porta de emergência da nave; e, obviamente, o fim de HAL, quando Bowman, ao desligá-lo, descobre finalmente o verdadeiro objetivo dessa missão.
Quando finalmente a nave Discovery chega em Júpiter, com apenas Dave Bowman como tripulante, ela encontra um objeto idêntico àquele encontrado na Lua. E então, a nave é enviada em uma viajem quase psicodélica entre o tempo e o espaço, atravessando as galáxias. Então, de repente, Bowman de vê em uma espécie de luxuosa suíte de hotel, onde ele rapidamente envelhece e, quando está aparentemente na beira da morte, o estranho objeto aparece na sua frente e ele se transforma em um bebê-estrela. O ser humano atingiu o seu ápice evolutivo. Ao contemplar a Terra, o bebê-estrela aparenta ter o seu tamanho, talvez até maior. Nesse momento, a música de Richard Strauus toca pela última vez no filme.
Obrigado Kubrick.
Bela homenagem!