“Dizem que todas as pessoas perdem exatas 21 Gramas no momento de sua morte.”
“Sofrimento”, segundo o dicionário: 1. Efeito de sofrer; ato de padecimento; sentir dores físicas ou morais. 2. Ato de aguentar, suportar, tolerar. 3. Ato de experimentar prejuízos. 4. Ato de aguentar-se, conter-se, reprimir-se. 5. Ato de ter grandes contrariedades.
Pois, se há uma palavra que parece unir os personagens que povoam o universo narrativo de 21 Gramas, sofrimento é essa palavra: todos eles parecem no limite de seus atos de “aguentar, tolerar ou suportar”, a “dor física e moral” experimentada por eles parece beirar o insuportável e, eventualmente, todos eles irão tomar decisões que apenas aumentará esse sentimento que permeia suas vidas.
Dirigido por Alejandro González Iñárritu e roteirizado por Guilhermo Arriaga, 21 Gramas é um filme coral – aquele tipo de obra que divide sua atenção entre diversas tramas e personagens, ligadas umas às outras – assim como seus dois co-irmãos, Amores Brutos e Babel, dos mesmos responsáveis, lançados antes e depois desse longa, respectivamente. E assim como as duas outras obras da dobradinha Iñárritu/Arriaga, o que desencadeia as ações do filme é um acontecimento trágico: o atropelamento de um pai e suas duas filhas.
Cristina Peck (Naomi Watts), é a mulher que acabou de perder o marido e as filhas. Enfrentando uma constante de dor e luto, a mulher inicia um caminho de auto destruição que, iniciado na ingestão de drogas e bebidas alcoólicas, encontra um alvo onde extravasar as dores: a vingança contra o motorista responsável pelo acidente, Jack Jordan (Benicio Del Toro), um ex-presidiário que, tomando um novo rumo em sua vida, tornou-se religioso. Porém, ao não conseguir forças para auxiliar as vítimas do atropelamento, Jack começa a questionar a própria fé e a julgar que a única maneira de aliviar sua consciência é entregando-se para a polícia.
No meio de ambos, encontramos Paul Rivers (Sean Penn), um professor de matemática que após atingir um estado crítico de saúde, acaba de receber um coração novo através de um transplante. Não conseguindo conter a vontade de saber de quem era o órgão que agora pulsa em seu peito, Paul inicia uma busca pela família do doador, o que levará seu caminho a cruzar com o de Cristina, numa relação simbiótica que acaba por trazer ainda mais dor para ambos.
Elogiadíssimo por seu Amores Brutos, longa indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o mexicano Alejandro González Iñárritu, fez aqui sua estreia no cinema hollywoodiano. Exibindo pela segunda vez seu talento em dirigir histórias sobre pessoas que têm suas vidas cruzadas por um trágico acontecimento, Iñárritu consegue com 21 Gramas, aquele que sem dúvidas, é seu melhor filme – considerando-se sua primeira produção e os posteriores Babel e Biutiful. Arrancando atuações estupendas de todo o elenco, Iñárritu cria uma pérola sobre a capacidade do ser humano em infligir dor à si mesmo e ao próximo.
Montado de maneira não-linear, com trechos que representam passado, presente e futuro jogados quase aleatoriamente, 21 Gramas consegue prender o espectador mesmo revelando parte de seu final logo nos primeiros minutos de projeção, o que longe de representar um empecilho, apenas aguça a curiosidade de conhecer os acontecimentos que levaram os personagens àquela posição. Da mesma forma, o domínio narrativo apresentado por Iñárritu e seu montador, Stephen Mirrione, é tão grande que eles se permitem criar suspense ao cortar algumas cenas no momento de ápice dramático, como por exemplo, ao cortar a cena após um tiro ser disparado por Paul Rivers, nos deixando sem saber se a bala atingiu seu alvo.
Claro que a experimentação técnica por si só não garantiria um grande filme, é preciso que nos importemos com aquelas figuras que vamos acompanhar ao longo de duas horas de projeção. Pois aqui, o desenvolvimento proposto pelo excelente roteiro de Arriaga, somado ao talento dos atores que interpretam os personagens principais, conferem à 21 Gramas uma galeria de pessoas complexas e recheadas de sentimentos e dilemas próprios.
Em um ano onde mostrou seu enorme talento em outra produção (Sobre Meninos e Lobos, pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Ator), o espetacular Sean Penn tem aqui mais uma performance genial, surgindo sempre com um olhar desiludido, sofrido e arrependido, como se em suas costas (ou no caso, peito) carregasse todo o peso de uma tragédia da qual nem ao menos participou. Já Benicio Del Toro, que interpreta o personagem mais difícil do filme, que culpado ou não pelo ocorrido, dizimou uma família inteira, consegue a difícil tarefa de ganhar a empatia do espectador, que nunca julga seu personagem. A performance de Del Toro aliás, é calcada em sentimentos intensos, da culpa e remorso por não ter ajudado as pessoas que atropelou aos vislumbres de seu passado violento, passando é claro, pelo choro incontido ao abraçar, após longo tempo, uma pessoa amada.
Mas, é inegável que o grande destaque do elenco, é Naomi Watts. Com um papel dificílimo em mãos, Watts atravessa o filme em uma crescente de dor e sofrimento, indo do luto à raiva, passando por todas as variações de ambos pelo caminho – todos transmitidos com excelência pela atriz. Compondo momentos impactantes e realistas, como sua reação ao ser noticiada da morte do marido e das filhas, Watts alcança o seu ápice em uma cena singela, mas tocante, que sozinha já evidencia todo o talento da atriz: uma pequena mudança em sua expressão ao fim do filme, quando após acompanharmos sua personagem em uma constante de sentimentos pesados e indesejados, uma pequena tranquilidade em seu olhar é o responsável por emocionar.
Contando ainda com mais uma fantástica trilha sonora assinada pelo compositor argentino Gustavo Santaolalla, que em seus dissonantes acordes de violão aumenta ainda mais a pesada atmosfera que permeia a produção, 21 Gramas é um filme brilhante, mas sufocante e emocionalmente pesado. Algo já evidenciado em seu título que, ao contrário do que a medida parece indicar, comporta uma infinidade de sensações e sentimentos.
Baita texto. Esse foi pra minha lista de "Preciso Assistir".
Valeu, caras 😎
Vou assistir aqui, depois leio a crítica e comento melhor, vim só conferir sua nota, eu as uso como refêrencia😁
Opa, massa saber disso, Jéferson, então temos os gostos parecidos :)
Depois diz o que achou desse ;)