"Sempre acabo procurando o seu sorriso em algum lugar.
No cruzamento de vias, esperando o trem passar.
Mesmo sabendo que você não estará lá.
Se eu pudesse viver a vida novamente eu estaria ao seu lado a todo instante.
E eu não precisaria de nada além de você em minha vida."
Um garoto e uma garota se inclinam e se beijam. O primeiro beijo desse casal. Em voice over, o pensamento do garoto logo nos informa o que sente naquele momento único, dizendo sentir que todas as experiências de vida de cada um até ali foram compartilhadas com o outro naquele instante. Mas ele também faz questão de dizer uma frase de dor imensurável, revelando que naquele doce momento se viu tomado por uma tristeza gigantesca por perceber que não ficariam juntos para sempre. Algo que não o impede de logo esquecer isso e voltar aos lábios daquela que nele despertara o desejo de uma boca de encontra à sua. Esse momento paradoxalmente tão belo e tão triste, ocorrido ao pé de uma árvore morta (em contraste com a cerejeira tomada de flores que marcou a infância em que as duas figuras se conheceram e já deixando claro que aquele momento sepultar-se-ia ali) e em um cenário coberto pela neve que cai, dá o tom melancólico que permeia 5 Centímetros por Segundo, belo trabalho de Makoto Shinkai.
Dividida em três capítulos que representam diferentes estágio de uma mesma história, 5 Centímetros por Segundo nos apresenta aos jovens Takaki e Akari, que se conhecem ainda no ensino primário e desenvolvem uma amizade que será testada pela distância ao longo dos anos. Na primeira parte, “Flor de Cerejeira”, descobrimos o quão próximos os dois se tornam ao dividir os dias da infância na escola e o quanto sentem a separação forçada quando ela precisa se mudar de cidade. Registrando a longa viagem de trem de Takaki para ir encontrar Akari, esse capítulo mostra que a distância se tornará ainda maior com a iminente mudança do garoto. É aqui que há o primeiro e único beijo trocado pelo casal e a amostra do efeito de uma separação na vida de ambos, quando a proximidade estabelecida pelas cartas e telefonemas se desfaz até restar apenas a saudade de momentos vividos e aqueles que não puderam o ser, permanecendo para sempre idealizados nas mentes dos dois.
É a dor da saudade que permeara todo o restante da obra. O desejo de ter aquilo com o qual se sonhara e foi tirado por caminhos que um dia se dispersaram para não mais se encontrar. No segundo capítulo, “Cosmonauta”, Takaki está para encerrar o ensino médio e ingressar na universidade, seguindo seus dias com o olhar distante de alguém que olha para um passado ainda não deixado completamente para trás. Seguidamente escrevendo mensagens nunca enviadas no celular – “não sei quando adquiri essa mania”- ele visivelmente ressente a distância estabelecida entre ele próprio e sua amada, prolongando com seu olhar distante o momento em que a deixou para trás olhando através do vidro de um trem. É nesse ponto da história que somos lembrados que aqueles que nos orbitam não param ao nos prendermos ao passado, amando, sofrendo, vivendo, enfim, cada um a sua maneira. Essa representação está incrustada em Sumida, uma garota que se apaixona por Takaki apenas para se decepcionar ao perceber que ele não está interessado nela - seus olhos estão “além dela”. Se Takaki se frustra com um amor que não pode ser vivido como o desejado, isso não passa longe de Sumida, que sem a coragem para se declarar, precisa conviver todas as noites com um amor sufocado no choro partilhado com o travesseiro.
No último e derradeiro capítulo da história, que divide seu nome com o título da produção, “5 Centímetros por Segundo”, o seguir em frente chega. Takaki, agora um homem adulto, percebe que a dor pela perda de Akari lhe consumiu por dentro, fazendo-o perder tudo de bom que um dia teve e se tornar uma casca vazia que jamais reflete o que fora um dia – Takaki agora é a árvore morta que observara seu primeiro beijo. Desiludido, o rapaz caminha pela rua e de relance vê o amor de sua vida passar, ambos param em dois extremos da rua e ao virar-se, o rapaz é impossibilitado pela passagem de um trem de ver se a amada retribuira o gesto. O trem que um dia o levara para fora da vida daquela garota agora era o sinal que precisava para seguir em frente. A troca de olhares não aconteceu, mas vê-la passar relembra-o que a vida segue. Tem que seguir. E no sorriso, o primeiro após tanto tempo, exibido pelo rosto de um calejado Takaki, vem a compreensão de que sua amada viva e feliz é motivação o suficiente para agora seguir em seu próprio caminho, ainda que o desejo de ser tudo diferente permaneça, representado pelas palavras ditas por uma música que, ao encerrar a narrativa, traz a tona todas as palavras que as cartas interrompidas e mensagens não enviadas deixaram de dizer.
Trazendo em seus créditos finais, além da bela canção “One More Time, One More Chance”, imagens que representam o cotidiano solitário de seus personagens e as representações do estrago proporcionado pela não consumação de um amor idealizado ainda na juventude, 5 Centímetros por Segundo é um filme triste, algo salientado pela bela animação, que aposta em tons gélidos e melancólicos, além de diversas cenas em que os personagens surgem sem rosto, abdicando da expressividade proporcionada pelos olhos com traços de anime, enquanto protagonizam momentos que vão de um beijo a um sonho acordado, evidenciando o sentimento de nulidade que se associa a um indivíduo após uma perda traumática. Crescendo motivados por dores que parecem nunca cessar, talvez o grande equívoco do roteiro seja o distanciamento estabelecido entre aquelas figuras e o espectador, que se vê ligado aos acontecimentos, mas não aos personagens.
A estética apurada do filme, aliada aos belos diálogos escritos por Shinkai realçam o lirismo que permeia a obra, algo que se encaixa como uma luva na animação e nos temas abordados, estabelecendo uma interessante atmosfera de poesia ao que se passa, mas nesse caminho os protagonistas são deixados de lado se tornando meros fantoches enquanto a narrativa brinca com os percalços de suas vidas, não encontrando eco no emocional do espectador, que como já dito, se emociona com as situações ali expostas, não com os personagens vivenciando-as, o que acaba por tornar o filme uma experiência que precisa de uma identificação do espectador com seus temas para funcionar.
Ilustrando o conceito de que o amor é tão lindo que mesmo no sofrimento de perdê-lo pode-se encontrar beleza, 5 Centímetros por Segundo é uma obra que ainda que não encontre toda a emoção que parece desejar despertar, se mostra madura e poética o bastante para refletir a realidade de tantos indivíduos que se vêem dilacerados pela perda, seja ela pela distância que separa dois continentes, dois mundos ou mesmo dois sentimentos.
O Jardim das Palavras é melhor.
Valeu, Chico S2
William, não assisti esse :S
Jardim das Palavras é melhor mesmo! Aliás, o Shinkai só tem filme foda!
Todos os animes do Shinkai são obras-primas!