É bastante curioso - diga-se bem diretamente - assistir a um filme sobre o conflito soviético no Afeganistão, que sempre foi incompreensível para mim a (pouca) quantidade de obras que tratam do assunto (poucas, ainda mais diretamente), mesmo os Estados Unidos, com um cinema bem mais difundido internacionalmente (quem nunca viu um filme norte-americano no globo?) do que o russo, não explorou 5% das capacidades do assunto. Porque até a invasão norte-americana no Iraque, assim como o 11 de setembro de 2001, quer queira, quer não, estão ligadas diretamente ou indiretamente a Guerra do Afeganistão, que nesta película já encontrava-se nos seus últimos 3 ou 2 anos. Mesmo a atual Federação Russa, ao que me parece, não retratou nas artes o conflito. Seria por ele ser recente? Acho bastante improvável, visto que obras-primas sobre a Guerra do Vietnã, por exemplo, já estavam sendo lançadas mesmo antes do conflito terminar, ou apenas um pouco depois. O fato é que nem a Guerra Fria teve uma análise profunda, e questões como a Coréia do Norte ou a Alemanha Oriental (e seu término) ainda seguem com um "?" no mundo artístico, e às vezes até no mundo acadêmico.
Ainda que não se trate de um filme unicamente russo (há legendas em alemão, produção finlandesa, pelo visto até mesmo um pouco dos EUA) 9 Rota (2005) é falado na língua nativa da então União Soviética, e está longe de ser uma produção atrasada ou tecnicamente fraca. Cenas de batalha, o velho sangue espirrado para lá ou para cá, bem como cabeças perfuradas por balas que nem se é possível enxergar, claramente são muito bem filmadas e em nenhum momento se poderia achar que trata-se de um filme russo, e norte-americano pela influência destes na cultura do mundo, a não ser é claro, pela linguagem falada durante a trama, mas o público em geral que provavelmente assistiria numa versão dublada poderia cair nessa questão - mesmo com os símbolos típicos da URSS, como moedas, bandeiras, símbolos etc.
Não há heróis em 9º pelotão (a maioria dos combatentes morre violentamente), isso quer dizer que não há espaço para heroísmo, logo, o sujeito que sai dizimando um exército inteiro apenas com um fósforo não existe, não é encontrado nas quentes elevações geográficas do mapa afegão. Inclusive um combatente soviético se envolve em uma situação bem complicada por precisar exatamente de alguns fósforos, nada de usar a luz solar para fazer uma rede de computadores no meio do deserto. Ou seja, é um filme que pretende-se bastante realista, e na maioria das vezes é, seja no drama pessoal de cada soldado, seja pelo realismo "físico" das cenas - algumas em particular muito bem filmadas, como em um momento de um tanque explodindo.
A preparação para as cenas de batalha não se dá prematuramente, e muitas vezes o Afeganistão parece uma realidade simplesmente distinta da russa (ainda que o país seja mais perto para os russos do que.. próprias cidades russas!), o que faz lembrar Nascido para Matar (Full Metal Jacket, 1987), com todo o treinamento enlouquecedor e o patriotismo típico desses momentos conflitantes. E mesmo a única mulher da trama (única? Possivelmente), apelidada de Neve Branca pela cor de seus cabelos e também pela pele, acaba sendo um arco dramático muito interessante. Interpretada brilhantemente por Irina Rakhmanova, tal personagem feminina possui, completamente nua e suada, uma das cenas mais tocantes do filme e em determinados momentos, Neve Branca está presente na cabeça dos personagens, já distantes no Afeganistão, como uma possível última (boa) memória de sua terra natal - caso morram, obviamente não muito improvável.
Pontos positivos: por não possuir um heroísmo barato, como já mencionado, não há aquele personagem que tudo vence, e que temos que insistentemente acompanhar nas batalhas, sabendo que mesmo que tudo de ruim aconteça, que ele sobreviverá; nem mesmo o treinador do pelotão, com uma marcante cicatriz no rosto (com uma maquiagem um pouco duvidosa às vezes) é provido de maniqueísmo, se em determinado momento ele possa parecer simplesmente cruel, logo descobrimos suas fraquezas e dúvidas. Pontos negativos: de gênero, a questão política exterior é detalhada somente nos minutos finais, já ao final do conflito, e uma trama tão bem narrada, que demora a engrenar, termina de forma um pouco bruta. Um ponto bastante curioso de analisar, é como a Rússia de agora trata a antiga URSS, se a análise for feita por esta película, o resultado pode ser um tanto inócuo, visto que referências diretas ao regime comunista nunca parecem claras em posições políticas.
Criticada pelos veteranos que participaram do confronto, com um gasto surpreendente de quase 10 milhões de dólares, 9º Batalhão foi um sucesso na Rússia, seu tom muitas vezes ágil certamente contribuíra para este sucesso. E a própria produção, bastante detalhista na questão cenográfica, brilha aos olhos de quem vê. E principalmente: ainda que com poucos minutos em cena, os mujahidin não são tratados de forma arrogante, burra ou demasiado simplificada - sendo sempre um êxito louvável em filmes do tipo. E ao encerrar com uma frase como "acabamos lutando por uma pátria que logo não existiria", é de fazer uma reflexão bastante profunda sobre os deveres de uma guerra.
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