O MAL IMPARÁVEL
Boa parte da leva de filmes de ficção-científica madura dos anos 50, responsável por firmar terreno para o gênero se fortalecer nas décadas seguintes, principalmente as de 70 e 80, acabaram ficando mais conhecidos por seus remakes - dignos ou não - do que pela obra original que contribui, em sua maioria, mais com o status do que com seu material propriamente dito. De fato, há mais pessoas hoje que conhecem as refilmagens de títulos como O Dia Em Que A Terra Parou, Guerra dos Mundos e O Enigma do Outro Mundo, do que pessoas que realmente tenham assistido tais obras originais. No mesmo "balaio" está A Bolha, estrelado por Steve McQueen, que só atingiu sua atual notoriedade exatos 30 anos após seu lançamento, graças ao excelente remake A Bolha Assassina (1988), dirigido por Chuck Russell (O Máskara; Queima de Arquivo) e roteirizado pelo excelente Frank Darabont (À Espera de Um Milagre; Um Sonho de Liberdade) que não só se tornou muito maior do que o original e tornou-se um cult do gênero.
Como em todo filme roteirizado por Darabont, A Bolha Assassina possui ramificações em seu roteiro que explanam de variadas formas sobre o gosmento a corrosivo organismo que cai na Terra, devorando tudo em seu caminho. Há quem acredite que tal ser tenha sido enviado por Deus para punir os pecadores, como se no Juízo Final. Há quem suspeite ser obra do governo e quem o veja "simplesmente" como um ser vindo do espaço. E Darabont e Russell colocam essa bolha como um mal em constante evolução e crescimento, que avança em direção à tudo com o único objetivo de consumir aquilo que se puser em seu caminho Um mal que não faz distinção nem concessões, pois para a bolha, tudo pode ser consumido (e este comportamento verticalmente destrutivo da bolha rendeu-me um dos momentos mais impactantes da minha infância por ser este o filme que apresentou-me a primeira morte de uma criança [na verdade, um pré-adolescente, mas pra mim era tudo igual na época] que eu presenciei no cinema) - e será consumido por ela.
Mas quem conhece a filmografia de Darabont e Russell sabe que outro componente importantíssimo em suas obras são as imagens, usadas como o principal elemento capaz de chocar o espectador (o que seria de O Máskara, por exemplo, sem a força de suas imagens? Ou À Espera de Um Milagre sem a cena da cadeira elétrica? Ou a metade final de O Nevoeiro? Apenas pra citar alguns exemplos). Em A Bolha Assassina, as imagens são fortes, sangrentas, pesadas e ao mesmo tempo bonitas e empolgantes. Quando o namorado da mocinha é atacado e estende a mão pedindo socorro, seu braço acaba decepado e fica nas mãos da garota. Um policial é dobrado ao meio pelos pseudópodes do monstro. Um homem é puxado de ponta-a-cabeça pelo cano da pia. A carnificina no cinema. A cabine telefônica sendo consumida com uma mulher dentro. A cena do túnel. O mendigo derretido. O casal no carro. A gigantesca criatura nas ruas da cidade. A chuva de partículas cristalizadas do monstro. O arsenal de cenas memoráveis do filme é vasto e impressionante. E para não enfraquecer estas imagens tão bem elaboradas, nem Darabont, nem Russell colocam personagens em cena simplesmente para morrer. Todos são apresentados, mesmo que minimamente, para que suas mortes sejam mais sentidas. E a força destas imagens só é sentida com tamanha intensidade pela estética displicentemente bela dos anos 80 e a robótica de primeira linha que ainda vigorava em Hollywood. O filme deixa brechas sim, mas não mais do que a maioria dos filmes similares ou mais do que o suficiente para fazer a coisa fluir. O que importa é se tais falhas colaboram com o andamento do filme.
E mesmo não sendo este um filme de atuações, pois nem mesmo para aumentar a tensão elas são a prioridade - mas sim as imagens, como dito antes - a lambida do personagem de Kevin Dillon no rosto do policial foi um bom momento de improviso do filme, e Russell encontra em Jeffrey DeMunn, ator fetiche de Darabont (que atuou aqui e em outros quatro filmes roteirizados ou dirigidos pelo francês), uma certa segurança para o inexperiente elenco, do qual ninguém despontou, mas que compraram a ideia aqui e fazem um bom trabalho.
Ao final, a paz fica de sobre-aviso ao constatar que uma parte daquele mal continua vivo e pior, sob o domínio do mais perigoso dos seres: o homem. Terror genuíno e representante autêntico do que de melhor os anos 80 puderam oferecer, A Bolha Assassina é mais do que uma homenagem ao cinema do gênero dos anos 50, é uma clebração ao mal visto nas telonas que, como aqui, não deveria ser simpático, seletivo ou concessor. Apenas progressivo, como na vida real. A Bolha Assassina está para o terror, como o terror está para nós: mercante e fresco na memória.
Ótima crítica, é um dos filmes pela qual também possuo um carinho enorme. Muito impacto visual, apesar de parecer meio tosco às vezes.
Valeu Rafael. Clássico do SBT. E a tosqueira é típica dos 80....