"Se você pudesse ver toda sua vida a sua frente, você mudaria algo?"
O presente às vezes parece tão insignificante. Dura uma fração do tempo de um piscar de olhos e logo se torna passado. Um segundo antes de acontecer, é futuro. E mesmo assim, é nele que definimos tudo: o passado possível a seguirmos e o futuro que carregaremos ao longo da existência. Somos o que somos, mas só o somos pela combinação dos desejos do passado que está por vir e das memórias do futuro que pas... Sim, parece que as palavras foram embaralhadas njas frases anteriores, mas, acredite, em algum momento de A Chegada embaralhar o tempo começa não só a fazer sentido, como a se revelar a intenção de Denis Villeneuve em seu mais novo filme em Hollywood.
Se diferentes autores ao longo da história experimentaram com a montagem cinematográfica em filmes-ensaio importantíssimos, Villeneuve é do grupo que brinca de cinema e com a cara do espectador em um filme de orçamento alto, mostrando como um plot twist pode ser construído apenas em cima da nossa percepção, mesmo que inconsciente, da linguagem cinematográfica. Aí quando a última carta é virada e posta na mesa, nós, espectadores, que corramos atrás de organizar as ideias e redimensionar o filme na cabeça, porque a narrativa continua. "O tempo não pára", diria Cazuza. "Ele vai, volta, volta mais, vai de novo, volta...", completaria Villeneuve em seu novo filme.
A história gira em torno da especialista em linguagem Louise Banks (Amy Adams) que, quando doze naves alienígenas pousam na Terra, é encarregada pelo governo dos Estados Unidos de se comunicar com a que está estacionada no quintal do Tio Sam. Ao seu lado, decifrando a cada vez mais complexa linguagem dos aliens, o matemático Ian Donnelly (Jeremy Renner), que logo descobriremos, ao lado de Louise, que é mais importante no quebra-cabeças do que poderíamos imaginar. E quando digo "ao seu lado", não é força de expressão, já que o filme nos força a assumir o ponto de vista da personagem de Adams ao longo de sua duração - muitas vezes por meio da câmera subjetiva que assume sua visão e até mesmo do som subjetivo. Assim, só descobrimos a virada do roteiro quando a personagem nos dá a pista derradeira; só vislumbramos a forma real dos seres "invasores" quando ela o faz; os flashbacks (?) na tela são representações da sua mente; e assim por diante.
Mas o protagonista é mesmo o tempo. O que torna irônico ser esse o grande problema de A Chegada, assim como era em Os Suspeitos, talvez o grande filme de Villeneuve antes desse, representado pela pressa com que tudo é tratado após a grande revelação do filme - incluindo aquela batida corrida contra o cronômetro. E é uma pena que Villeneuve pareça ter uma dificuldade em lidar com clímax e com o excesso de informação que reserva para eles, já que é um cineasta maduro, que aparenta bem mais do que seus seis filmes. A maneira inteligente como utiliza elipses e raccords na edição de cenas como o prólogo (?) do filme ou aquela que traz o movimento de Louise deitando ao lado da filha adormecida em um plano, sendo completado por ela deitando ao lado do cadáver da menina no seguinte, não me deixam mentir. A mão pesa na fotografia excessivamente escura, que parece até mesmo deslocada em certos pontos da narrativa, como se quisesse forçar uma melancolia que não está ali no momento, mas é um deslize pequeno, ainda mais quando percebemos o talento do realizador em arrancar mais duas atuações complexas na carreira de Adams e Renner. Duas figuras que se completam, Louise e Ian são, paradoxalmente, indivíduos extraordinários e comuns. Capazes de decifrar o código de comunicação de uma forma de vida muito mais avançada, mas ainda suscetíveis àquele olhar deslumbrado de quem está embarcando em uma jornada rumo ao desconhecido - e não estamos todos?
E se conhecêssemos o final dessa jornada? A faríamos da mesma forma? Cada escolha que fazemos, cada pessoa que amamos, cada tempo pelo qual passamos, não está destinado ao algo que já conhecemos e sabemos inadiável? O tempo é implacável, e mesmo seres tão mais avançados que nós e que parecem desconhecê-lo, sabem disso. Dito isso, A Chegada se inicia com o que parece ser um filme de ficção científica que esconde um estudo de personagem intimista, sobre uma mulher forte superando seu passado traumático, mas no fim se revela uma história de todos nós, que superamos nosso futuro tempo após tempo.
Lindo texto. Tem muito do que achei do filme nele.
Valeu, Juvena