Já na cena de abertura a câmera vem do céu, se aproximando aos poucos da praça onde transeuntes passeiam e conversam. É horário de almoço e todos estão entretidos conversando. Um ambiente distraído, onde é impossível, através dessa câmera que cai lentamente como uma bomba, não sentir a ameaça iminente sobre aqueles desatentos civis.
Diluído entre os maiores sucessos de Francis Ford Coppola, A Conversação (The Conversation, 1974) é um de seus trabalhos mais densos e psicológicos. Suspense carregado, hoje pode ser visto até como uma mistura de Roman Polanski e Brian De Palma. Motivo: A trama lenta, marca do francês, condensada com o ar de thriller psicológico tão visto nos filmes de De Palma. Com suas carreiras se consolidando ao mesmo tempo, é mais fácil que a influência daquilo que os cercava à época seja mais forte do que os trabalhos entre si.
A paranoia de seus personagens liga esses três diretores. Guerra do Vietnã, a explosão da liberdade através do rock and roll e das drogas, a briga entre comunismo e capitalismo sempre presente, e finalmente o caso de Watergate. Todos esses temas que predominavam durante os anos 1970 construíram uma sociedade lutando contra seus próprios receios. Apesar de guerras entre nações, era aqui que o conflito psicológico atingia seu ápice.
É nesse ambiente tenso por si só que Coppola apresenta seu protagonista. Harry Caul (Gene Hackman) é um especialista em escutas que ganha a vida gravando a conversa dos outros e as vendendo a quem possa estar interessado. Uma espécie de espião, ele executa com engenhosidade seu trabalho sem se envolver muito com os clientes. Do mesmo modo Caul parece não conseguir se envolver nem com seus amigos. Mora em um apartamento solitário, onde passa o tempo livre tocando saxofone. Pode-se dizer que o mais próximo que ele tem de diversão é quando encontra sua amante, uma mulher que vive num minúsculo apartamento e que não sabe nada sobre ele, e quando se encontra com outros especialistas em escutas em convenções sobre o tema.
O espectador também não consegue se envolver com Caul. Não que isso seja ruim, muito pelo contrário, é o que mais desperta o interesse no enredo simples. É um personagem obscuro que não revela muito de si nem quando está sozinho. É necessário adentrar em um sonho seu para saber um pouco sobre sua infância. Mas mesmo assim seu passado é uma quase que uma incógnita por boa parte do filme e mesmo em seu final se sabe mais sobre seu psicológico do que sobre sua história.
Se a paranoia já vem desde os primeiros minutos, no final do filme a crise em que Caul adentra o engole de vez. Após ser contratado por um poderoso executivo para espionar sua esposa que o trai com um funcionário, Caul desconfia que o homem planeja matar a cônjuge e o amante. Além disso, um trauma de seu passado o faz ficar indeciso sobre se meter ou não na história de seus clientes. Inicia-se então uma investigação cheia de reviravoltas, onde o protagonista parece cada vez mais incerto sobre o que realmente acontece a sua volta.
Com um final apoteótico, A Conversação ganha destaque na filmografia de Coppola, hoje não tão chamativa quanto era na década de 1970. Se aqui o diretor já trabalhava com a vertigem psicótica de seu protagonista, em Apocalypse Now (idem, 1979) é que ele chutaria o balde de vez e faria uma obra-prima que serviria para reunir toda a paranoia daquela década. A conclusão do trabalho que ele começou aqui.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
Sendo fã de Coppola e Hackman, nem preciso dizer que adoro esse filme.
Parabéns pela lembrança e pelo texto, meu velho!!!
Curioso é a genialidade de Coppola que no mesmo ano entregou duas obras-primas, esta e "O Poderoso Chefão - Parte II"...