Algumas interpretações sobre a vida em sociedade se tornaram tão banais que ganharam status de sentença. Duas dessas são a de que os problemas humanos de maior envergadura estão interligados a fatores globais e a de que vivemos numa era em que o indivíduo estaria de costas para a comunidade, voltado para si. A era do individualismo seria resultado de um tecido urbano cada vez mais disperso e desigual, em que a força moral e integradora da comunidade, onde todos se conhecem, estaria diluída em meio à complexidade das novas relações.
A diretora americana Mimi Leader propõe-se a adentrar nesse contexto a partir da interação sugerida por um professor da 7ª série aos seus alunos, no primeiro dia de aula, baseada num projeto absolutamente utópico a garotos e garotas com um mínimo de autonomia e de uma compreensão do mundo ainda muito primária: cada um deles deve desenvolver e pôr em prática uma ideia relevante para mudar o mundo. Estamos diante de A Corrente do Bem, filme lançado no ano 2000 e de maior sucesso da diretora novaiorquina.
Um dos garotos, Trevor McKinney (Haley Joel Osment), sugere a proposta que dá nome ao filme: fazer um bem substancial a três pessoas e essas três pessoas teriam a responsabilidade de passar à frente a corrente fazendo por mais três pessoas uma ação que realmente lhes seja importante. Basicamente um esquema de pirâmide que proporcionaria, no seu topo, um número impressionantemente alto de ações positivas compartilhadas.
O filme se passa, aparentemente, numa pequena cidade americana e a sala de aula onde a história se desenvolve possui uma janela de vidro que dá acesso a uma paisagem absolutamente penetrante, na qual o céu nublado e resplandecente é compartilhado harmonicamente com o terreno verde e montanhoso. Um cenário que disputa a atenção com o provocativo professor Eugene Simonet (Kevin Spacey), mas em conformidade com ele, que exige da contemplação e da reflexão as medidas adequadas para a ação.
Entre a ideia e a execução, a corrente do bem acaba enfrentando dificuldades previsíveis. Os problemas humanos vão muito além de variáveis materiais e há níveis diferentes de instabilidades que podem afetar o indivíduo, no tempo, de maneira também muito diferente. Para uma perspectiva realista da vida, o que aguardamos é o momento em que a corrente será desfeita. A disposição emotiva do indivíduo em condição de necessidade é muito diferente da mesma disposição do indivíduo que tenha suas demandas supridas. O humor propício para estender a corrente, à altura do sacrifício exigido, vai se perdendo quanto mais o tempo passa. Além disso, entre a oportunidade e a ação para contribuir com o problema de outra pessoa, há um processo de conhecimento que pode não ser tão frutífero quanto se espera. Isso para pinçar problemas mais visíveis a olho nu.
Olhando o enredo de maneira otimista, há uma perspectiva interessante na atitude do professor. Ao propor que os estudantes passem a ser agentes da história, instigando-os à possibilidade de transformar o mundo em que vivem, de serem articuladores e não apáticos em relação ao lugar, ele amplia o raio de relação abstrata da sua classe de alunos com o mundo. Põe-se a refletir sobre o “eu posso” em vez de simplesmente, como é tão habitual na vida escolar e acadêmica, tratar a história como um produto de figuras sobrehumanas, como se as personalidades reconhecidas pela história existissem independente de um contexto que abre ou fecha as possibilidades para a ação transformadora.
Além disso, apesar de a corrente não ter sido bem um sucesso, ela mostrou o impacto positivo que a corrente, apesar dos esforços, possibilitou à vida das pessoas. Uma sociedade que desenvolve relação de confiança, onde uns ajudam os outros e o espírito tolerante e coletivo se expande são atributos estudados por cientistas políticos em todo o mundo. Onde a corrente foi disseminada, resultou em frutos que, se não foram revolucionários, mostraram o potencial de relações num grupo social que consiga reverter o pleno individualismo.
Embora o final seja um clichê absolutamente caricaturesco, o enredo é uma boa demonstração da capacidade positiva que as pessoas podem ter umas sobre as outras quando o intuito é o intrometimento visando o bem genuíno.
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