Esse é o segundo filme que vejo de Teshigahara (o outro “A mulher da areia). Ambos adaptados de obras de Abe Kobo, as quais não conheço. O filme é uma obra de cunho universal, ainda que com características nipônicas em certos momentos.
Como em sua obra anterior novamente o que move a obra é o questionamento do lugar do indivíduo dentro da sociedade coeva (e da japonesa pós- guerra em especial). Obra marcada pelo existencialismo em voga naquela época.
O filme se abre sobre tomadas que mostram partes de corpos que ficamos sabendo serem artificiais. Elas estão imersos em líquido e são manuseadas. Posteriormente vêm-se os letreiros, e ao fundo imagens de fotografias de várias pessoas, que tomada depois de tomada, diminuem de tamanho à proporção que se aumentam as quantidades de fotos expostas. Até que se perde qualquer referência. As particularidades se confundem. Vêm-se depois uma massa humana que anda pela noite, sabe-se lá a procura do quê.
O protagonista surge. Não vemos seu rosto. Apenas bandagens que deixam transparecer os olhos e parte dos lábios. Saberemos que ele sofreu um acidente de trabalho e teve o rosto desfigurado. Ele conversa com a esposa. Ela o ama, mas parece que não vê ali o antigo companheiro. Nota-se que ela o rejeita. Ele próprio não mais consegue se sentir como era.
Aqui nessa obra o diretor prima por tornar sua linguagem mais seca e indigesta que a precedente. Os movimentos de câmera são mínimos. A mise em scène privilegia a reflexão. Não é um filme para todos os públicos. Os diálogos(sobretudo entre médico e paciente) mergulham de maneira decidida na filosofia e psicologia. Diálogos estes que mais parecem um monólogo de um ser consigo próprio. O médico que surge em um ambiente surreal pode ser apenas um avatar do próprio protagonista. A história é mais de um homem que mergulhou num pesadelo e não consegue emergir. A perda de identidade não é somente de um indivíduo. Parece que Teshigahara a usa como símbolo de um Japão que não mais se conhece após a perda da Guerra. A história que corre paralela, de uma jovem que teve a face marcada pela queda de uma das bombas atômica americanas, surge da lembrança do próprio personagem, que a cita como lembrança de um filme que viu. Se essa moça é ficcional, não seria ela parte da desfiguração do protagonista? Okuyama sendo um indivíduo sem rosto estaria posto fora do mundo real? O Sr. Okuyama parece ser deslocado para fora da espécie humana. Seria o filme todo como um pesadelo kafkaniano?
Para seu diretor as respostas pouco importam. Importa discutir o ser humano que cada vez mais se encontra perdido no novo mundo que surge. Um mundo onde todos se assemelham a peças de uma engrenagem. A cena final, quando médico e paciente vão de encontro a um grupo de seres sem aparência, poderia sintetizar toda a proposta do filme. Cada vez mais vamos de encontro à desfiguração.
E o desfecho onde o Frankestein é destruído pela criatura é apenas um jogo de símbolos. Pois em minha visão, no filme, Frankestein e criatura são delírios de uma só mente. Não existem formas de o homem conseguir destruir as engrenagens que o asfixiam.
Matou a pau! Kafka foi a primeira coisa que pensei assistindo o filme. Não reparei nesse fato de a história paralela ter surgido da memória do personagem. Bem interessante, vou dar uma revisada nisso.