"Eu penso os pensamentos de Lily, sonho os seus sonhos. Ela sempre esteve lá."
A Garota Dinamarquesa é um filme bastante importante para nosso momento atual. Não da maneira que os envolvidos na obra gostariam, mas, ainda assim, importante. Ainda que não seja necessariamente uma obrigação da arte discutir temas relevantes socialmente, é inegável que diversos artistas souberam utilizar muito bem suas obras para exercer essa função ao mesmo tempo em que entregaram algo relevante dentro da arte em si, não mera panfletagem. Pegando o cinema atual - o hollywoodiano, principalmente - no entanto, fica claro que para muitos cineastas esse "fazer um filme artisticamente relevante" perdeu lugar para abraçar um tema relevante, daí filmes como esse de Tom Hooper que, além de ruim, acabam promovendo um desserviço para a causa que tenta abraçar.
O filme narra a história de Lili Elbe (o oscarizado Eddie Redmayne), que nascida Einar Wegener, se tornou a primeira pessoa no mundo a realizar uma cirurgia de mudança de sexo. Ou seja, em uma sociedade em que a identidade de gênero ainda é razão para espancamentos e assassinatos, a função social do filme é bem clara. No entanto, se um grande filme como O Segredo de Brokeback Mountain se mostrava uma obra capaz de fazer as pessoas perceberem o quão errado pode ser enxergar como diferente uma pessoa que assim como qualquer outra ama e sofre justamente ao contar com talento uma história de amor universal, aqui Hooper e seu protagonista ao encararem tudo como um grande clichê em forma de filme, sem sutileza ou preocupação alguma com a arte em si, acabam a) afastando as pessoas que não simpatizam com seu tema, que ao não se identificarem com a obra não buscarem se informar mais sobre ou buscar referências sobre a história real ali retratada e etc. e b) ofender aqueles que deveriam ali se ver retratados, já que eles sabem que suas histórias vão muito além de um amontoado de apelações - e os protestos de transsexuais contra o filme confirma isso.
No meio disso tudo impressiona como Tom Hooper não sabe filmar, seu filme apesar de bem feito em termos de figurino, direção de arte e etc. é horrível de assistir, tudo é motivo para ele desfilar pela tela closes e planos detalhes cada vez mais incômodos. Impressiona também como Lucinda Coxon não sabe escrever, já que seu roteiro não parece jamais evoluir, os personagens e a história são o que são, não avançam, não mudam, não parece jamais haver algum elemento de catarse ou algo similar ali e os dilemas só entram quando o filme parece perceber que não havia conflito e tudo é resolvido na base das frases prontas - certos diálogos aqui constrangem demais. E sobre Eddie Redmyne seria melhor não comentar, mas sua performance é das coisas mais horríveis que já vi, aí fica difícil, são tantos trejeitos forçados, tanta lágrima nos olhos que parecem querer arrancar o choro do espectador a força, tanta coisa fora do lugar que... É, era melhor nem comentar mesmo. Mas há Alicia Vikander ao menos e sua escalação é o único alívio ali. Se não é uma grande atuação - ate porque a personagem nem permitiria isso - ao menos a bela atriz mostra talento e seu olhar é o mais perto da compreensividade que poderíamos esperar encontrar. A vontade é que sua Gerda, esposa de Lily/Einar, não saia da tela.
É bastante importante que um cineasta tente abraçar esses temas mais complexos e promover discussões e visibilidade para causas importantes, porém, mais fundamental ainda é, primeiramente, se preocupar em fazer um filme bom para seu público. Do contrário, marcar seu nome na história da sétima arte seria barbada, só lançar o maior número de filmes "relevantes" possível e pronto, esqueça-se a qualidade da obra. Quando seu filme for esquecido daqui no máximo um ano, Tom Hooper talvez aprenda essa lição. Para o nosso bem, espero que ele aprenda.
grande texto Pepe, li e reli pelo menos umas 4 vezes
Então fizemos as pazes pelo do Deadpool?
Belo texto, acabei de ver o filme e ainda não consigo acreditar o quanto é ruim...