David Lowery volta a trabalhar com Rooney Mara e Casey Affleck em um filme com pretensões grandiosas, mas com uma abordagem bastante simples: um jovem morre e a sua namorada tende a seguir em frente. Ok, enquanto ele vira um fantasma coberto por um pano, sim, mas é simples. É simples porque não há nada mirabolante em A Ghost Story, o filme certamente possui uma produção tecnológica inferior a Ghost: Do Outro lado da Vida (Ghost, 1990), que também retrata do luto após a morte de um amante. Isso demonstra que o foco da produção é outro: contar uma boa e bonita estória - e consegue.
A produção em um todo deve possuir cerca de 15 atores/atrizes, demonstrando ser bastante indie. É completamente gravado no "estilo clássico", quer dizer, na proporção de tela 1:33.1, como nos filmes mudos e da década de 1950. O que se demonstra uma escolha muito acertada, e como de costumeiro nos filmes do diretor, nenhum enquadramento soa feio ou desnecessário em cena, tudo é milimetricamente gravado, cada luz, cada aparição. E é evidente como Lowery bebe da fonte dos grandes clássicos mudos, desde uma paleta de cores que se modifica nas cenas de dia e de noite, como nas cenas externas e internas. Caso alguém resolve-se trocar as falas dos personagens por letras colocadas em tela, certamente não haveria uma grande diferenciação do resultado final original, e são poucos os filmes, principalmente nos distantes anos de 2017 em que isso é feito de forma louvável. Aqui, certamente, de forma bastante poderosa.
Mas é A Ghost Story um filme do gênero horror? Não, ele dá sustos se a concentração for grande em uma noite chuvosa, mas não há uma edição brusca que tende a tentar assustar o telespectador, aqueles sustinhos típicos que ocorrem (principalmente nos pós-2000) no cinema de terror não são elementos presentes. O que também leva uma certa carga subjetiva, para alguns, os olhos negros e sem fundo de um fantasma de pano, com viradas fortes de cabeça, extremamente melancólico e contemplativo, pode ser assustador. E não é para menos. Mas não se trata de um medo pueril ou momentâneo, é exatamente o oposto disso. A película (e este aqui merece ser chamado assim, sua paleta de cores e textura da tela é quase palatável) busca assustar por outros meios, como a quebra de uma relação duradoura, a morte de alguém muito próximo, o luto e obviamente, a finitude e fragilidade da vida.
Mas é o tal fantasma o personagem principal aqui? Não, e isso não pode passar despercebido, é o tempo. Aqui é o tempo quem dita o que vai ou não acontecer. Como na brilhante cena de uma garotinha assassinada junto a família, ainda quando os Estados Unidos da América começavam a povoar as regiões que hoje são médias e pequenas cidades, provavelmente ali pelo século XVII-XVIII. O cadáver apodrece de uma forma tão rápida que o fantasma de pano, certamente com Casey por baixo, nem consegue esboçar uma ação. Porque ele é controlado pelo tempo, seu relógio cronológico não é o mesmo de um ser humano comum, leia-se: vivo. Ele só parece estar ali contemplando, vendo o futuro passar tão rápido quanto a sua vida de fato foi.
Essa melancolia proposta pela passagem do tempo é o núcleo de tudo, porque aqui tudo se encaixa perfeitamente, desde um espectro colorido subindo pela parede ao teto até ruídos estranhos pela noite na nova casa de um jovem casal. Tudo se completa, e o complemento de diversos mistérios evidencia um roteiro bem pensado. E logo no primeiro filme lançado no ano posterior a ganhar um Oscar de melhor ator principal, Casey Affleck acaba aparecendo em tela menos de 10 minutos, mostrando-se um projeto bastante ousado, Rooney Mara por exemplo, completou a sua primeira torta na vida para fazer a sufocante cena da tentativa de apagar o luto. Entretanto, mesmo com poucas palavras e mesmo sem poder demonstrar expressões faciais, Casey Affleck parece explodir em sentimentos por baixo dos panos (o que em outro contexto ficaria extremamente estranho).
No todo, essa pequena fábula contemporânea, que acaba deixando um gosto agridoce na boca, ambientada de forma incrível pelo cinematógrafo Andrew Doz Palermo, em seu provável primeiro grande projeto e pela trilha-sonora imersiva de Daniel Hart tem um Q de contemporâneo, por vezes parece uma balada indie caminhando rumo a sua implosão, por vezes parece um clipe lançado semana passada sobre algum tema muito profundo. Mas não dá para se enganar, trata-se de cinema dos bons, onde a simplicidade para se contar um drama profundo (estelar, filosófico, palpável) supera as grandiosas captações de dinheiro para mostrar redundâncias. Trata-se de um trabalho honesto, que não tem como pretensão enganar quem assiste; muito pelo contrário, é engraçado refletir que qualquer criança pode fazer um filme semelhante a este, tendo em vista os recursos utilizados, a diferença é que de inocente aqui não tem nada.
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