O prazer de assistir "A hora da estrela" está situado na sapiência de que o texto foi escrito pela eterna Clarice Lispector. Com um humor mais que genial, Lispector mostrou em sua obra-prima, o romance homônimo, a decadência de um ser humano que já nasceu decaído, sem vida. Esse é o retrato de Macabéa, uma mulher sem vaidades, sem destino, sem pretensões. Essa não é uma simples história de uma retirante nordestina que vai à cidade grande "tentar a vida", uma moça ingênua do sertão que é alvo de chacotas por não ter experiências com homens e com a sociedade sem escrúpulos. Essa história é o recorte de nós, seres humanos, pois podemos nos ver em Macabéa. Essa afirmação pode não ser compreendida por qualquer leitor ou espectador, pois para entender a essência de Macabéa, é preciso compreender quem foi sua criadora, Clarice Lispector, uma analista da alma humana. O filme merece ser assistido e aplaudido por mostrar a fragilidade e a efemeridade das coisas mundanas, já que a protagonista dessa história pouco ou nenhum valor dá a essas coisas, a não ser a seu rádio relógio, seu único companheiro. Macabéa é uma mulher que para estar aparentemente viva na sociedade precisa de uma ligação concreta com o mundo, pois sozinha Maca não é ninguém, e assim, parcialmente, somos nós. Maca fora criada por uma tia em Alagoas, essa tia era sua ligação com o mundo, após a morte da tia, a jovem vai ao Rio de Janeiro e arruma um emprego como datilógrafa, mas não agrada muito ao chefe por não saber corretamente reconhecer as palavras e seus significados, além de ser um tanto desastrada no manejo das coisas, em pouco tempo o chefe promete-lhe uma demissão, mas não o faz logo por ter uma certa pena da moça. É chegada a hora de Macabéa, como toda heroína que se preze, se apaixonar. Ela então conhece Olímpico de Jesus, um nordestino assim como ela, mas diferentemente, um homem cheio de ambições e com um passado um tanto perturbador por alguns crimes. Macabéa e olímpico tem um namoro complicado, o moço nunca a pediu em namoro nem nunca a beijou, mas como passearam juntos por diversas vezes fica ai subentendido um namoro, e são nesses passeios dos dois namorados que se protagonizam as mais hilariantes cenas, entretanto com um pouco de reflexão podemos verificar que as palavras proferidas por Olímpico para com a moça não são nada engraçadas. Olímpico agora é sua ligação com o mundo. É quando entra em cena Glória, sua colega de trabalho, que, podemos dizer, com um certo despeito da amiga acaba por roubar-lhe o namorado. Olímpico vê em Glória a possibilidade de ascensão social, a garota é uma "carioca da gema", filha de açougueiro, ou seja, possui um certo "status" na sociedade. É nessa montagem da personagem Glória, que acredito, particularmente, está o pecado da obra cinematográfica em relação ao texto escrito, pois a Glória original em nada se assemelha a caricatura de Tamara Taxman. Após várias desventuras na vida e a perda do seu amor, o consolo de Macabéa está nas previsões de seu futuro descritas pela Madame Carlota, interpretada magnificamente por Fernanda Montenegro. É aqui, após sair da casa da cartomante, a única pessoa em toda a sua vida que lhe tratou com carinho e afeto, que a Maca, que possui o sonho de ser artista de cinema, finalmente consegue a sua tão desejosa hora de estrela.
Críticas
8,0
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