“A Hora da Estrela” de Suzana Amaral é um dos filmes mais inovadores do cinema brasileiro. Não digo isso seguindo o padrão que muita gente anda caracterizando do cinema nacional, mas sim em toda a sua história e suas pérolas seja no cinema novo ou marginal, de humor ou tradicional. Suzana Amaral completa a obra de Clarice Lispector dando cor a uma personagem que define bem dentre as essências de Clarice essa da simplicidade, por que principalmente A Hora da Estrela(A Hora da Estrela, 1985) é rico.
Macabéa(Marcelia Cartaxo inspirada), a garota protagonista do filme se volta da literatura para o cinema como mulher boba e tonta, como é julgada pela sociedade ou na sua própria visualização: “datilógrafa, virgem e fã de Coca-Cola”. Macabea, sobretudo é um retrato simplório daquilo que em outras vezes, Clarice, argumentava como boba em diversas de suas histórias e como tal sofre as consequências da sociedade que lhe julga quase que sem perceber ou sentir um mínimo desconforto e é dessa mulher o maior fruto, exemplo de seu poema “Das Vantagens de ser Bobo” onde a mesma descreve perfeitamente essa espécie rara.
A Hora da Estrela(A Hora da Estrela, 1985) é antes de mais nada um trágico romance. O fato de seu “namorado” que mal sabe seu nome direito, Olímpico de Jesus se confundir e logicamente irritar-se com a protagonista está totalmente relacionada a essa malandragem que tanto persegue uma linha de raciocínio única incapaz de distinguir essa inocência criativa de Macabéa como também o torna nada mais nada menos que uma pessoa comum. Fator que impossibilita que esse perfil descoberto por Clarice não seja capaz de relacionamento. Da vivência na casa de mulheres e ainda em uma área onde o machismo, malícia são fatores principais da básica vivência em uma sociedade e que estão presentes até hoje.
Cenário perfeito para que o feminismo de Clarice se afogasse em meio dessa magia que os espertos não possuem, e que confundem certamente com a burrice ou ignorância que na verdade apenas estão dentro de si mesmos junto com a protetora hipocrisia. Madame Carlota(Fernanda Montenegro) , a cartomante, muito bem movida por Suzana em meio a linguagem do filme, serve de mensageira a Macabéa de uma forma indireta, acredite em seus sonhos mais reprimidos, nos seus desejos, até mesmo nas curiosidades que ouve na rádio já tão afastados por todos que não se deixam viver. Macabéa é realmente boba, mas é por isso que vive mais intensamente em um metrô do que em um zoológico.
O trabalho que Suzana Amaral implantou, exige cuidado. Embora simples, A Hora da Estrela não pula para nenhum extremo, apenas se aventura, voa mais nas mãos de alguém do que alguém que já tenha voado de avião e é sobre planos que filmam esse interesse de Lispector na magia simplista, pois ainda é válido deixar sobreviver o pingo de emoção retorcida em uma mulher que ainda não sabe o que significa sexo, jazz e literatura.
Se Helen Palmer(falso nome utilizado por Clarice Lispector nos anos 50) em Correio Feminino dava conselhos amorosos e românticos sobre a sedução, em A Hora da Estrela(1985) Macabéa é um símbolo claro desconhecido no mundo, tanto pelos planos sequências muito bem equilibrados, como pela própria personagem ingênua que desconhece o poder da sedução e nem ao menos pode argumentar sobre o mesmo.
Quando em uma estação de trem, Macabéa pergunta sobre Alice no País das Maravilhas para Olímpico(até então “namorado” que iria larga-la por sua colega de trabalho, graças a cartomante) ele nega e se irrita justamente por que sua ignorância sobre tal assunto não lhe permite aprofundar sobre o mesmo e assim desilude o espectador que sente inconformado com a ingenuidade de Macabéa em não tomar alguma posição ou reagir mal diante dessa e outras mentalidades que bloqueiam e aprisionam o seu conhecimento. Macabéa é forte, quer vestir de noiva, quer casar, não sabe bem ao certo de tudo, mas quer. Apenas uma cena, e um sentimento movido estaticamente em fluxo para que enfim a novela de Clarice Lispector se tornasse o Romeu e Julieta dos sonhos.
A complexidade gritante de A Hora da Estrela(A Hora da Estrela, 1985), com a jovem datilógrafa iludida não, mas sonhadora não é apenas um trágico romance, mas sim um mergulho a uma alma perdida na cidade anônima, com medo da desnudez, coma desculpa na boca, com o sonho e a curiosidade sobre o conhecimento na cabeça e a simplicidade no coração, a flor que carrega consigo pode ter sido podada pela sociedade, se essa não deixa viver, a comédia para o destino de Macabéa , os sonhos realizados e um lugar na constelação.
Lindo filme, lindo mesmo. Escreveu bem.
Obrigado Silvia. 🙂