Uma coisa que é comum dentro do cinema é a repetição de fórmulas e histórias, não importando se anteriormente deram certo ou não (claro que o sucesso contribui muito mais para isso), e podemos perceber isso com frequência dentro do gênero terror. Isso faz com que exemplares mais recentes sofram simplesmente por não conseguirem tanto impacto, e nisso podemos colocar não só temas, mas também reviravoltas, finais surpresas e tudo que tenha a ver com plot twist.
Por mais que A Hora do Pesadelo não tenha sido o primeiro slasher de sucesso, há dois pontos que podemos destacar: o primeiro deles é a temática do confronto entre sonho x realidade, que durante boa parte do filme confunde o espectador. Outros já fizeram isso antes (Buñuel creio ser o melhor exemplo), mas pela primeira vez surgiu um vilão que usa os sonhos como seu mundo, tornando-os mortais. Dentro deles, Fred (que mais tarde viraria “Freddy”) é o dono do local, ele possui o domínio de tudo, o que significa que ele pode subverter o onírico, transpondo as barreiras até atingir o mundo real, o que culmina na aniquilação de suas vítimas.
Durante o filme, nossas expectativas são deformadas. Numa cena totalmente verossímil, num piscar de olhos tudo ao redor da personagem, locais, objetos, pessoas, não é o que realmente parece, é apenas mais uma artimanha de Krueger. Em outra, juramos que o horror é iminente, mas acaba por não ser.
O segundo ponto é o próprio vilão em si: se Michael Myers e Jason Vorhees eram indestrutíveis, verdadeiras máquinas, sem sinais de humanismo, Freddy já aproxima mais, ainda que sutilmente, a imagem do vilão como pessoa. Sim, ele ainda é um monstro que ataca num mundo irreal, mas ouvimos sua voz, suas feições, etc. E o fato de pouco sabermos sobre ele neste primeiro filme torna-o mais temível. Durante as continuações, sabemos cada vez mais a respeito de sua história, seu passado, e seu poder de assustar ao espectador cai proporcional às explicações. No quesito medo, susto, quanto mais semelhanças os vilões têm de seres humanos comuns, menos assustará quem assiste (ignorando aqui as fitas de terror psicológico, obviamente).
Faça um teste: pegue alguém com pouca experiência em ver filmes de terror e peça para que veja Freddy vs. Jason. Freddy neste filme conversa com uma voz mais comum, narra, zoa, até sua voz difere do filme original. Alguém se assusta com esse filme? O mesmo vale para Chucky, o brinquedo canalha/desbocado/azarado/assassino e até mesmo para Pennywise. Considerando, claro, se você não possuir medo de bonecos ou palhaços.
Não que A Hora do Pesadelo seja um filme necessariamente assustador. Seu mérito está em tanta coisa, como nos cenários, fotografias, jogo de luzes, o retrato da juventude, etc. E em meio a tantos slashers feitos nos anos 80, este primeiro grande sucesso comercial de Craven pode ser classificado como o melhor, mais icônico, importante, influente, ou qualquer outro termo cabível.
E a história não se resume somente ao vilão. Toda a construção do filme é em torno da jovem Nancy, adolescente com problemas típicos como pais divorciados, amigos fofoqueiros, o namorado estranho e mais experiente que não quer apressar nada; vivendo uma vida típica de adolescente, num lugar aparentemente pacato de classe média. Seu pai é tenente de polícia, acostumado a patrulhar e manter a comunidade segura dos perigos. Mas o perigo está onde ninguém poderia imaginar: no subconsciente dos jovens da cidade.
Somos apresentados superficialmente à origem de Krueger, e a razão pela qual ele só vem atacando os mais novos. E o perigo não atinge os adultos, justamente os responsáveis pelo surgimento do mal. Eles não acreditam nas histórias das crianças, eles dormem em paz, como se fechassem os olhos para o crime que cometeram. Agora os filhos é que estão pagando pelo pecado dos pais.
Cabe então à heroína da história perceber o problema e lutar contra ele, mesmo que isso custe sua sanidade. É preciso ficar acordada, ou achar uma maneira de destruir o mal. Pode não ser o melhor dos filmes de terror, mas seu charme, sua criatividade, ou o status de lenda que a principal das criações de Craven alcançou, tudo isso permanece intocável. Um dos representantes de ouro de uma década que gerou tantos trabalhos e autores notáveis, que injustamente é nomeada como ‘década perdida’.
Heeey, anos 80, charrete que perdeu o condutor....
Textão, Italo! E gostei do parágrafo que você fala dos méritos do filme, sempre tentam rebaixar os filmes de horror antigos por seus efeitos ultrapassados e por não causarem mais medo, como se a qualidade de um filme pudesse ser julgada pelo quão crível são seus efeitos, ou como se os medos de ontem fossem os de hoje.
E da última vez que revi percebi uma nuance que não tinha reparado antes, que é o fato da mãe de Nancy ser uma alcoólatra, ou pelo menos parece ser... Senti com bem mais força o peso das responsabilidades e o de "resolver os problemas" deixados pelos pais que Nancy tem que arcar...
valeu, Bruno. :*
Macho a década de 80, pra mim, é a década da ressaca. Ressaca dos anos 70 da guerra do Vietnã. Do inconformismo radical que culminou na continuidade da guerra fria independentemente dos protestos. Os anos oitenta foram o auge do pessimismo. Uma ressaca grande que trouxe o exagero estético a reboque. Num ambiente tão pessimista o choque tinha de ser pelo exagero. Pelo grotesco. Logo, é do grande caralho.