Filme pouco reconhecido no território nacional, "A Lula e a Baleia", produção independente dirigida e escrita por Noah Baumbach, narra uma história de conflitos. Esses conflitos são a tônica da história, pois eles entrecruzam-se tanto no nível familiar dos personagens, como no pessoal - em especial na vida dos dois garotos, figuras centrais do drama.
Estrelado por Jeff Daniels e Laura Linney (ambos em atuações primorosas) o filme narra a desagregação de uma família um tanto excêntrica e soturna, que na ruptura dessa separação, desperta para a tentativa de encontrar um sentido plausível para suas vidas. Por esse caminho, encontramos os personagens confrontando-se, tanto uns com os outros, como apenas consigo mesmos. Trata-se de um drama delicado sobre as relações familiares, e de como elas implicam na maneira como refletimos sobre nós mesmos. Graças a esse contexto realista, os personagens em "A Lula e a Baleia" carregam uma imensa carga psicológica, e são compostos perfeitamente pela típica fragilidade humana.
Bernard Berkman (Jeff Daniels) é o patriarca da família, um professor e escritor que há anos não consegue publicar um livro por de falta de interesse das editoras. Prepotente e arrogante, ele se esconde atrás de sua intelectualidade e disfarça sua auto-frustração na sombra de seu único livro, publicado há muitos anos. Está sempre alheio às opiniões adversas, culpando seu insucesso à falta de um devido reconhecimento por parte dos outros, inferiores, segundo suas convicções ressentimentas.
Joan (Laura Linney) é a esposa de Bernard, uma mulher que decide acabar com o casamento falido que arrastou por 17 anos. Infiel e enigmática, o constante egocentrismo do marido foi o estopim para ela romper as relações com ele. E como agravante à frustração de Bernard, ela se encontra em plena ascensão da carreira como escritora, publicando contos em revistas literárias e chamando a atenção das editoras.
Walt (Jesse Eisenberg) é o filho mais velho do casal. Convencido e inebriado pela intelectualidade do pai, é um adolescente prepotente, crente de que as pessoas devem ser consideradas pela sua erudição em livros e filmes. No entanto, Walt é um pseudo-intelectual que gosta de se gabar ao falar de obras e autores, que na realidade ele nunca leu. É um jovem indeciso e retraído, escondido na sombra do pai e perdido no rumo a qual sua vida deve tomar.
Por fim temos Frank (Owen Kline), o caçula. Disposto sempre a agradar a todos, em especial a mãe, o menino é quem mais sofre com a separação dos pais. O peso do divórcio recai sobre ele, fazendo com que Frank desenvolva um comportamento reprovável para os padrões: masturba-se em locais públicos, age com rebeldia e agressividade com o pai e começa a desenvolver um alcoolismo precoce.
Pois é no foco de Walt e de Frank, que temos a movimentação do enredo. Notamos as funções de roteirista e diretor de Noam Baumbach bem condensadas, pois o filme parece ser narrado por uma 3ª pessoa, invisível e inexistente, porém sempre presente. Os tormentos dos garotos, confusos pela recente separação dos pais, tornam-se o prato principal da trama. Na divisão de posições gerada pelo divórcio, Walt inclina-se para o lado do pai, e Frank para o da mãe, apesar de estarem sob a situação de custódia divida. Bernard, desorientado pelo divórcio, aluga uma casa antiga e decadente, de mobília rota, na qual força os filhos a também chamarem de lar. A formação da personalidade de Walt e Frank passa por diversas transformações, pois eles começam a ver os pais e o mundo no qual vivem sobre um prisma diferente. Enquanto Walt condena a mãe precipitadamente pela relações extra-conjugais, dizendo que ela "transformou sua casa em um bordel", Frank parece entender as atitudes maternas. Tanto é que lhe agrada o amante de Joan, Ivan, seu professor de tênis (interpretado pelo irregular William Baldwin). Segundo Bernard, Ivan é um filisteu, alguém que não se interessa por livros e filmes. Em nome de uma rebeldia contra o pai (que inclusive descarrega suas frustrações nele em partidas de tênis de mesa), Frank também quer ser um filisteu.
Nesse redescobrimento de conceitos, tanto Walt como Frank sentem o estranhamento a qual estão submetidos e tentam extravasar seus inconscientes da maneira que podem, ou seja, de forma desordenada. Walt, à procura de um reconhecimento intelectual, plagia uma música do Pink Floyd e canta em um festival da escola como se fosse de sua autoria. Frank sente-se isolado do mundo. Suas atitudes mostram o quanto está perdido sem a atenção dos pais, que não percebem a fase difícil em que vive. Frank é dono das cenas mais fortes e expressivas do filme. Na maioria de suas cenas, ele está nu, bebendo cerveja e se masturbando, quase sempre na frente de um espelho. Parece encarar seu rosto refletido, à procura de uma identidade que não lembre seu pai. Desviado e sem orientação, Frank também protagoniza as cenas mais escatológicas e explícitas de "A Lula e a Baleia", como o momento em que vomita sua bílis na própria mão, ou então a cena em que espalha seu sêmen nos armários da escola. O diretor foi bem provocativo em colocar no foco de sua lente os excrementos do menino, como um meio do espectador sentir-se incomodado com sua a silenciosa agonia de não saber a quem pertence no mundo.
Ainda nessa questão escatológica, temos no filme toda uma relevância da sexualidade em voga, pois ela participa do processo de transição da vida dos personagens. Assim como Frank, que na entrada da puberdade extravia seu sofrimento na masturbação, Walt crê que na entrada da vida sexual ele seja reconhecido e adulado. Com ele temos cenas até cômicas ligadas a sua inexperiência sexual, como o momento em que tem ejacula precocemente em plena preliminares com sua namorada. Fomentado pelo pai, cuja opinião é ele só deva transar com belas garotas, Walt dispensa a namorada Sophie, que não é tão bela assim, para tentar se aproximar de Lili (Anna Paquin), um aluna de seu Bernard que escreve contos eróticos. Lili vai morar com eles, após ser despejada. Ela logo se torna amante de Bernard, mais incita o desejo de Walt. E é na situação de pai e filho desejantes da mesma mulher que temos o começo de ruptura da relação entre os dois. Walt perde a imagem positiva que havia montado do pai ao flagrá-lo assediando Lili. Até então, Walt nunca havia se abalado pelo individualismo do pai, que inclusive se mostra um sovina egoísta em várias partes do filme.
Porém, ele perde totalmente os conceitos que havia edificado ao pai, quando descobre que o mesmo, só havia aceitado a questão da custódia compartilhada por que lhe custaria menos dinheiro em pensão. Fragilizado, percebe que a mãe tinha suas razões para não suportar o pai, e repensa seus sentimentos por ela. Comove-se ao lembrar de um passeio que fizeram juntos no Museu de História Natural, quando ele era criança, e tinha medo de olhar para a luta de uma lula com uma baleia. As inseguranças de Walt, assim como seus conflitos familiares, são metaforizados por essa imagem do embate dos dois animais, que no final do filme surpreende o público ao surgir realmente diante de nossos olhos, como uma personificação viva de todo o drama dos personagens.
“A Lula e a Baleia” é um filme sutil e de forte impacto. Desde a trilha sonora até a fotografia, do desempenho dos atores à visão do diretor, tudo corrobora na sua proposta de apresentar as relações humanas mais tênues e delicadas do que parecem.
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