(Texo originalmente publicado no blog Domicilio Cinematográfico: http://domiciliocinematografico.blogspot.com.br/2017/01/critica-montanha-dos-sete-abutres-1951.html)
"Sorria! Você está sendo manipulado!"
Em 30 de outubro de 1938, o Estados Unidos presenciou uma das mais aterradoras manobras de informação midiática realizadas por um cineasta. O cineasta em questão se trata nada mais nada menos que Orson Welles, porém, em 1938 Welles era apenas um radialista que adaptava obras da literatura que se relacionava muitas vezes com a ficção cientifica. Entre muitas de suas transmissões radiofônicas, estava a adaptação do livro "Guerra dos Mundos", de Herbert George Wells. Porém, o formato narrativo formulado para a transmissão era de um simplório programa de música, que pouco a pouco era interrompido por um noticiário que relatava uma invasão de extra-terrestres, fazendo com que muitos que caíram que paraquedas no programa, cogitassem que tudo aquilo se tratava não de um simples especial de dia das bruxas, e sim de uma entenebre invasão alienígena. Isso desencadeou histeria coletiva de milhões de pessoas, causando pânico descomunal em diversas cidades norte-americanas. Mesmo que a infame e farsesca invasão alienígena ter conturbado a vida de milhões de cidadãos americanos, foi apenas uma porta de entrada para que Welles entrasse no hall da fama e partisse para a sétima arte, presenteando todos com obras-primas como Cidadão Kane (idem, 1941), e revisitando o real sentido da veracidade e do que é falso em Verdades e Mentiras (F for Fake, 1973). Mas tudo começando em uma aterrorizadora mentira de dia das bruxas, que mais parece ser uma sinopse de um episodio da série televisiva Além da Imaginação (The Twilight Zone, 1959-1964). E isso é apenas um dos primeiros exemplos registrados de como a mídia exerce uma manipulação sobre a mente humana, de como a mesma infringe nos atos do homem, gerando a aurora da perversidade.
A década de 1950 representava um novo tempo, a metade do novo século trazia mudanças na área da cinematografia americana, era o auge dos tempos dourados de Hollywood, onde musicais se apresentavam no auge, e novos ícones surgiam. Marlon Brando. Marilyn Monroe, James Dean, todos representavam não só o cinema, mas um zeitgeist norte-americano, que mesmo após 60 anos, conseguem representar o espirito que foi aquela época. E entre diversos cineastas que aspiravam os anos dourados, um se destacou por sua coragem de denunciar os podres que ocorrem adentro do até então suposto paraíso que se chama Hollywood. Era Billy Wilder, que na década de 1940 foi consagrado por obras como Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944) e se afirmando com um Oscar por Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945). Mas foi em 1950 com Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), que Wilder mostrou seu potencial de ferir meios de entretenimento como o cinema, exibindo a perversidade que acontece dentro da sétima arte, e que a paixão pelo cinema era algo que se tornava ilusório quando a obsessão pela fama corroía pouco a pouco a mente dos envolvidos que compõe a imagem em movimento.
E em 1951, mais de uma década depois da aterradora façanha de Welles, e um ano depois do aclamadíssimo "Crepúsculo dos Deuses", foi com "A Montanha dos Sete Abutres" (Ace in the Hole, 1951) que Wilder confirmaria todo o poder que a mídia exerce sobre a mente do povo. Na trama seguimos Charles Tatum, interpretado por Kirk Douglas, um jornalista que após diversas falhas que compunham sua carreira, e depois de vagar pelo país a procura de um emprego, acaba chegando a cidade de Albuquerque, no Novo México. O trabalho: monótono e letárgico. O desejo de Tatum é utilizar o sensacionalismo para engrandecer as matérias da cidade interiorana, porém, engrandecer fatos desinteressantes é uma missão difícil. Para Tatum, era necessário apenas achar algo que desperte os sentimentos das pessoas, porém, a cada momento a sua busca parece ser um túnel sem fim. Porém, após ser mandado para cobrir uma caçada às cobras, evento tradicional da região, uma luz aparece no fim do túnel da desesperança de Tatum. Ao decorrer de sua viagem, Tatum se depara com uma catástrofe de uma pequena cidade. Leo Minosa, dono de um posto de estrada, fora soterrado adentro de uma mina de carvão conhecida como A Montanha dos Sete Abutres. E é aí que Tatum vislumbra o que ele precisava. Finalmente, uma noticia em que o sensacionalismo poderia ser aplicado para manipular o interesse das pessoas pela monótona região. Tatum decide arquitetar o resgate de Leo, mas sempre com ideais megalomaníacos para mante-lo pelo maior tempo possível.
E com isso, a índole mais perversa domina a tela, e Wilder transforma o jornalismo em um entretenimento, praticamente um circo. Pouco a pouco a missão de resgatar Leo é deixada de lado, e a ganancia domina não só Tatum, mas Lorraine Minosa, esposa de Leo, mostrando uma iniquidade simplesmente maléfica e de mal caráter. Isso tudo só é possível ao fantástico trabalho de composição de egoismo humano feito por Kirk Douglas e Jan Sterling, cujo romance é dos sentimentos mais grotescos, maldoso, porém realistas na realidade perversa que o mundo apresenta.
Os dois acabam se envolvendo cada vez mais no escrúpulo maldoso, criando um espetáculo que sufoca não só Leo, mas Tatum ao tentar ocultar a real maldade que percorre nos bastidores do ambicioso circo que se transformou a vida de dois insignificantes componentes do sensacionalismo humano, que trata o risco de uma vida humana ser perdida como um mero grão de areia na imensidão de um deserto.
Mas o mortuário de Leo despedaça todo o desejo que Tatum tinha para conseguir seu lugar no mundo jornalistico, mesmo que para isso seja necessário reger uma das mais árduas, perversas e espetaculares tragédias vinculadas para a ganancia humana. E é com um discurso aflito e cheio de escarnio, que Tatum desmorona todas as suas fichas de esperança, mostrando a consequência desastrosa gerada pela ambição e obsessão pelo que o ser humano mais produz de fútil na sociedade.
O discurso sensacionalista da obra, mesmo depois de 60 anos, se mantém atual, é algo aterrador saber que o ser humano sempre criara novas "Montanhas dos Sete Abutres", sempre engrandecendo o egoismo, a ganancia e a futilidade de algo simplório, corroendo a maior arma que o homem possui: a mente. Sem a boa utilização dela teremos sempre a mesma repetição do sensacionalismo que predomina as mídias, mesmo que ela seja representada de formas distintas. Seja em uma falsa invasão alienígena, seja em uma ambiciosa tragédia de uma monótona cidade, seja nos noticiários de comunicações corrompidos pelo ideológico. Não se deixe levar pela perversidade tentadora que a manipulação oferece todos os dias de formas distintas. Combata, resista, corrobore alternativas e não se transforme em alguém que procura a mais maléfica forma de exprimir seus desejos que moldam os confins do inferno. Pois foi isso que um jornalista que procura seu lugar tentou fazer em Albuquerque, no Novo México, mas sua obsessão demasiada conseguiu corromper sua própria ânsia.
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