Escrevo esse comentário (ou meras observações) e o dedico ao colega Luca Dourado. Graças a ele tive contato com essa obra.
O filme é um magnífico mergulho vertiginoso e angustiante que nos faz refletir sobre o homem e o seu lugar no Universo. Muito do que veremos parece diretamente inspirado em O Mito de Sisifo de Camus.
Pesadelo niilista/kafkaniano já que desde o início pouco nos é revelado de forma clara. Um homem vaga por imensas dunas até chegar ao mar. O diretor foca o indivíduo, mas tal só ocorre depois dele mostrar o ambiente. A areia que o cerca nos foi mostrada de maneira reduzida primeiramente (grãos que se diferem entre si). Em seguida essa individualidade dá lugar a várias massas vastas que compõem o deserto. Os grãos acabam por perder suas especificidades nessa imensidade. Estaria o homem também perdido dentro da sociedade? Pode ele realmente fazer diferença frente ao mundo em que está imerso? O professor apaixonado pela entomologia partiu para aquele ignaro local a fim de se isolar, de sair daquela massa que o anula e de encontrar uma forma de se sobressair (Quer encontrar um determinado inseto ainda não catalogado a fim de ter seu nome conhecido). Os insetos mergulhados naquela imensidão de areia fazem refletir sobre a existência humana. Frágeis criaturas presas num meio hostil (o deserto). Apesar disso carecem de aceitar essas condições, se adaptar ao meio, sem a menor expectativa de fuga frente ao destino que coroa o fim da existência.
O barco que jaz preso a areia é como uma miragem. Ao mesmo tempo representa uma fuga, mas ele próprio terminou seu destino preso no meio do deserto. Ao se estender nele o homem imagina uma liberdade fictícia. Surpreendido pela noite ele perde as referências. Crê-se salvo pela proposta do pescador. Falsa esperança que o mergulhará em um buraco sem perspectiva de fuga. Ao aceitar passar a noite naquela casa no fundo de um buraco ele mergulhara definitivamente em um pesadelo sem volta. No dia seguinte a escada que permitiria que ele saisse desaparece. Ele está condenado a permanecer acompanhado de uma mulher, em uma faina sem sentido. Retirar a areia que despenca infinitamente naquele local. Notemos que no filme não existem nomes próprios. Mesmo as referências ao seu ofício aos poucos vão se perdendo. O professor num certo sentido se anula na faina noturna que é obrigado a cumprir. Trabalho inútil e ilógico. Não existe razão para se fazer aquilo que o casal faz, nem para que o fruto do esforço do casal seja recolhido. A questão que se propõe provavelmente o cineasta é nos colocar dentro da seguinte indagação: Existe algum sentido na existência que vivemos? Estaremos em realidade apenas matando o tempo, antes que ele nos mate?
O sexo é visto como uma fuga em tal obra. Ou como queiram alguns, um consolo metafísico. O que poderia diferenciar o homem do meio que o cerca? Ele dotar de um sentido distinto o que é só visto como necessidade física. Transformar seu cotidiano em algo dotado de razão. Razão ainda que limitada. Quando os aldeões propõem que ele poderá sair do buraco mediante a condição que faça amor diante de todos, ele cede. É um clímax. A cena mais forte de todo o filme. As pessoas surgem mascaradas, assustadoras, escondidas na escuridão. Existe percussão e dança. Um circo foi armado. Cabe ao homem decidir-se. A mulher recusa-se a cooperar. Cabe ao homem abandonar seus desejos egoístas e aceitar a liberdade da sua companheira. O homem se queda aos sentimentos mais vis e tomba miseravelmente. Estirado ao solo, ele foi nocauteado por si próprio.
O que mais encanta, no entanto em seu filme é como Teshigahara transforma o deserto no mais importante personagem. Ele é um ser vivo. A precisão como é filmada a areia, o grão, o vento em seu trabalho, a secura, a umidade, a água, mesclando-as aos personagens humanos é pura poesia. A fotografia em preto e branco junge de contrastes. Ora tudo é escuridão, ora parece que ficamos enceguecidos com a luminosidade que eclode sobre as dunas. A areia ora é amiga (protege os insetos), ora é inimiga (pois tudo penetra, causando desconforto). Compreendida, porém pode ser aliada (através da umidificação pode proporcionar a água). Outra coisa interessante é como em certos momentos vemos a areia refletir a imagem do homem (contornos de bundas, pernas e rostos formam-se no deserto).
O filme é um maravilhoso exercício de linguagem. Obra que encantará e surpreenderá o cinéfilo que se propor a conhecê-la. E com certeza tudo o que for escrito sobre ela jamais será a palavra definitiva. A areia magistralmente filmada ainda está a esculpir o sentido exato de tal obra. Imperdível.
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