René Clair não abdicava de um título que lhe foi concedido, que em sua opinião, mais do que justamente, de um artista vanguardista. Sabia ele, é claro, de sua importância, sendo um dos primeiros representantes do dadaísmo no cinema, adquirindo um respeito imenso com isso na década de 20, no período subseqüente dedicam-se a uma mistura de gêneros e experimentos cinematográficos que deveriam ser mais louvados entre a geração a qual ele pertenceu, das primeiras obras de maior reconhecimento que realizou na passagem das décadas, A Nós a Liberdade pode exemplificar um pouco do que Clair realizou num glorioso momento de sua inventiva carreira.
Um apanhado de conceitos permeia a obra, que começa numa prisão onde presidiários são dispostos a realizar um trabalho nos moldes da linha de montagem fordista, aos poucos se revelam números musicais (!), jogos de câmeras, que ao longo do filme vão se multiplicando comedidamente, sequência intensas de comedia por conseqüências, onde os seus personagens são indivíduos errantes, porém com viés humorístico, um conto de amizade fiel e melancólica, além da própria crítica social configurada de mais de uma maneira durante a obra, seja no momento em que um dos personagens adquire um pouco de consciência ao devolver uma carteira quando justamente se livra da coleira social e tem a vida nas próprias mãos (sai da condição de empregado e cria o próprio negocio) ou num momento em que um casamento é arranjado por interesses.
Munido de idéias novas e habilidade prezando sempre, pela simplicidade como forma de arte, Clair, prefere abstrair a essência da historia à transformá-la num rodeio de exageros visuais e narrativos. Seus truques de câmera renovados fascinam pelo pouco, são momentos únicos na obra que não se espalham demasiadamente, queremos ver mais daquilo, mas abemos que a restrição que o diretor nos submete é o que o torna tão delirante. A mesma perícia se encontra no corte e no salto da historia, durante a ascensão de um dos personagens no ramo radiofônico, Clair não quer discutir essa escalada, então rapidamente seu personagem sai da condição de foragido da justiça à dono de um império, por mais que deixe claro que em sua sociedade é totalmente possível o alpinismo social, obviamente, mas o essencial é se desviar desta discussão.
Durante todo desencadeamento frenético de fatos, há um vigor chapliniano que dá graça às seqüências intensas, gerando uma atmosfera genuinamente humorística, das mais naturais do cinema. Onde até em meio a uma perseguição policial há aquela áurea de comédia instalada assim como nas seqüências incansáveis de Chaplin, tudo maximizado pelo sentimento de renovação que Clair impõe. Renovação esta que inclui o tratamento que o diretor concede à transição do cinema mudo para o falado, preservando elementos narrativos que foram marcas da mais antiga maneira de fazer filmes. A maneira como as sequencias são desenvolvidas, com personagens esbarrando-se, sendo confundidos, o ritmo alucinado daquele início, tudo remete às comedias mais tradicionais feitas até ali. Porém, apesar de toda situação, não julgar A Nós a Liberdade como uma obra inocente, tudo é uma cortina imaginaria, já que em contraponto há a representação do terror alienante do estado.
Em meio a toda união de assuntos e técnicas, o grande alvo de Clair é falar, através da visão do operário que virou patrão, do modo de produção industrial, onde o trabalho é baseado numa rotina repetitiva e exarcebante para o indivíduo. Sabiamente Clair encerra seu filme deixando clara a passagem do tempo e seus efeitos, onde com o desenvolvimento, a maquina substitui os trabalhadores, que se tornam seus reféns, mais uma vez. Se antes da própria jornada de trabalho, agora das maquinas de fato, já que os humanos eram constantemente robotizados, numa falsa liberdade imposta como algo a ser alcançado.
Anos mais tarde o proprio Chaplin realizou Tempos Modernos (Modern Times, 1936), obra que discute temas semelhantes aos de A Nós a Liberdade. Na época gerou desentendimentos, mas é visível que o filme de Clair foi mais uma inspiração. Gênio que foi, o Frances preferiu enxergar assim também, até por que fez uma obra significativa dentro de um movimento lembrado hoje como ao qual pertenceu gente como Jean Renoir ou Marcel Carné.
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