Um sonho inesquecivel
Sabe-se muito (pouco) sobre o sentido da nossa existência. Desconhecemos muito do tempo que nos precedeu e sabemos verdadeiramente pouco sobre o futuro que nos espera (ou não) para além da vida. A dimensão onírica talvez seja o momento que estamos mais perto de nos aproximar do transcendetal. Nesse intervalo em que estamos, há uma infinidade de perspectivas, possibilidades e interpretações. Christofer Nolan vem com o seu novo filme “A Origem” para suscitar essa temática extensa em complexidade, e por meio do seu blockbuster, oferecer um aporte reflexivo para o público a respeito do tema.
Optando por um inicio claramente introdutório e didático em suas explicações, mas sem com isso judiar da compreensão do espectador, Nolan apresenta ao espectador exemplos e diálogos inspirados a respeito da motivação em invadir os sonhos alheios que instiga o trabalho do grupo encabeçado pelo protagonista Dom Cobb, vivido por DiCaprio.
Neste principio, que pode ser chamado de “primeiro nível do sonho de Nolan”, os personagens que coordenaram a incursão em um sonho do herdeiro de um grande império empresarial (vivido por Cillian Murphy) são de suma importância.
Ariadne (Ellen Page) faz as vezes do espectador, pouco a pouco desvenda, utilizando-se literalmente das perguntas do público, os mistérios e as regras do jogo que envolvem o conceito rico do onirismo que permeia “A Origem”, que mesmo não sendo tema inédito no Cinema, surge com um frescor e uma complexidade essencial para o bom andamento e aceitação da obra, lembrando o maravilhoso “Campo dos Sonhos”, que trabalha em uma perspectiva semelhante.
A Origem traz uma condensação do que há de melhor num filme, sem precisar agregar-se a um gênero apenas. Apesar de seu “pontapé” inicial ser a implementação de uma idéia no subconsiente de Fischer, nem por isso o filme se prende aos conceitos comuns de filmes de assalto, o que torna a tarefa do roteirista e diretor ainda mais complexa e pesada. Peso, que por sinal, muitos diretores não conseguiram manter em obras que tentaram investir em propostas semelhantes. Nolan seguramente faz em “A Origem” aquilo que M. Night Shyamalan fez em “O Sexto Sentido” e até hoje tenta reproduzir, sem sucesso, diga-se. O diretor consegue reunir uma crescente tensão e criar um desfecho inteligível que não estraga o cume do arco dramático dos seus personagens. Vencendo esse grande desafio, Nolan, que já havia mostrado excepcional talento anteriormente em sua obra “O Grande Truque”, mostra que hoje é o cineasta que melhor sabe utilizar os recursos cinematográficos para criar filmes inteligentes e instigantes. James Cameron chega perto na criação, mas diferente dos longas deste cineasta, “A Origem” faz um minucioso trabalho de apuro no roteiro, que inclusive vinha sendo escrito há 10 anos até culminar na realização do longa.
Sobre as atuações, além das citadas, destacam-se duas participações: Joseph Gordon-Levitt e Marion Cotillard. Aquele faz um trabalho excepcional, merecendo seu papel de destaque. Seu perfil sério e compenetrado no trabalho ajuda a criar a essência e a veracidade das possibilidades que “A Origem” propõe para o mundo dos sonhos, contribuindo para que o espectador acredite fortemente nas motivações e na execução da operação de invasão de sonhos. Vale citar também o trabalho de Cotillard, que já havia demonstrado talento apurado em seus trabalhos anteriores (Piaf – Um Hino de Amor), e agora vem retratar com um belo figurino de femmefatale, a mulher confusa (?) de Dom Cobb. A película conta também com participações de Ken Watanabe (O Último Samurai), Michael Caine (Regras da Vida), Tom Berenger (Platoon) e Cillian Murphy (Ventos da Liberdade) que, apesar de menos expressivas, em hipótese alguma soam dispensáveis á trama.
O mundo imaginativo e o olhar sombrio que a fotografia concede as dimensões/níveis de profundidade onírica precisam ser vividos nas duas horas de projeção, com veracidade e profundadiade. Seus dilemas são tão fortes que prescindem de explicações maioes. Nolan cria um filme coeso e profundo como um bom sonho. Exatamente por isso opta por criar uma realidade onírica que possui regras claras e nunca vem exceder-se em simbolismos (acusação que pesa para parte do grande público contra o diretor David Lynch, em “Cidade dos Sonhos”).
Nolan demonstra que acordado ou dormindo, o homem sempre será um sonhador, projetando a sua própria existência na tentativa de entender a si mesmo, na busca por quebrar os limites de sua própria inteligência e também alcançar a sua satisfação interior, a paz. “A Origem” magistralmente usa da inquietude da moral humana para condensar as questões transcendais e oníricas em um único momento, deixando ao público uma inescusável (e jamais desimportante) decisão: o totem parou ou não de girar?
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