"O ódio é um ônus, a vida é muito curta para se estar sempre com raiva. Não vale a pena."
O Nazismo, movimento idealizado por Adolf Hitler, responsável por atrocidades inimagináveis durante a 2° Guerra Mundial é, ainda hoje, quase 70 anos depois de seu surgimento, algo ainda presente em nossas vidas, onde, mesmo sabendo as consequências trágicas que o movimento trouxe para muitas pessoas, diversos jovens continuam seguindo suas ideias e, ignorando nossa natureza humana que nos une, semeiam o ódio e a intolerância contra todos aqueles que consideram indignos de habitar o mesmo mundo que eles - mesmo que a única coisa que os diferencie seja a cor da pele. O protagonista de A outra história americana, dirigido pelo, então estreante, Tony Kaye, é um desses jovens.
Derek Vinyard (Edward Norton, que ganhou 15 kg de massa muscular para o papel), é o filho mais velho de uma família de classe média. Ao ter o pai, bombeiro, assassinado ao prestar serviços em um bairro negro, Derek solta todo seu ódio contra todos aqueles que, segundo ele, são os causadores de todos os males da sociedade – e, consequentemente, da morte de seu pai - incluindo-se aí, judeus, latinos, asiáticos, e principalmente, os negros. Derek, então, se filia a um grupo neonazista e, graças ao seu carisma e fidelidade aos princípios que segue, assume a posição de um dos líderes do grupo, atrás apenas do fundador da organização (interpretado por Stacy Keach).
Aterrorizando todas as “minorias” de sua região – a diversão do grupo de Derek é, por exemplo, invadir o mercado de uma família asiática, destruir tudo e humilhá-los – em sua jornada pela “limpeza” de todo o lixo social que os cerca, o protagonista de A outra história americana, ironicamente, é preso em frente à própria casa. Ao matar dois negros (de uma forma extremamente violenta) que tentavam roubar seu carro.
Mas, ao ser solto após três anos, para a surpresa de sua família e de seus antigos amigos, Derek sai com sua mentalidade completamente mudada graças às experiências vividas atrás das celas da prisão. Agora, além de ajeitar sua vida, Derek precisa ajudar seu irmão mais novo, Danny (Edward Furlong), que trilha o mesmo caminho de ódio e preconceito que ele seguira.
Naquele que é o melhor desempenho de sua carreira (o que, convenhamos, não é pouca coisa), Edward Norton transforma Derek Vinyard em um personagem crível, retratando através de sutis mudanças físicas - como o olhar, por exemplo - a diferença entre a personalidade antiga e a atual do protagonista, indo do olhar raivoso e postura agressiva para uma postura cansada e um olhar compreensivo e acolhedor, conforme a exigência do personagem
Mas, o momento onde a espetacular atuação de Norton atinge seu ápice é naquele que, sem dúvidas, é o mais belo plano do filme, quando, ao sair do banho, Derek encara-se em frente ao espelho e, ao fitar a suástica tatuada em sue peito, encobre-a com a mão - num gesto que, se em seu passado representaria um juramento aos ideais nazistas, atualmente, representa um esforço do protagonista em tentar, ao menos por aquele curto espaço de tempo, esquecer seu passado e os atos que ficaram marcados em sua trajetória tal qual aquela tatuagem. E, sem ao menos uma palavra, o olhar de Norton evidencia o compreendimento de Derek de que, aquele seu esforço já nasce inútil, já que, por mais que uma vida nova se anuncie em seu futuro, o que aconteceu não poderá mais ser apagado.
E, se Norton se mostra genial em cena, elogios também podem ser feitos ao jovem Edward Furlong que, contracenando com um grande ator em um momento inspiradíssimo, não deixa a peteca cair e faz com que seu talento seja notado ao encarnar Danny como um jovem que admira seu irmão e que, mesmo nos momentos onde parece ressentir as mudanças por ele experimentadas e age com raiva, não deixa de exibir no olhar o brilho da admiração que nutre pelo irmão mais velho.
Da mesma forma, Tony Kaye se mostra um diretor seguro e com domínio total de sua narrativa, criando planos memoráveis, como o já citado momento em que o personagem de Norton se encara arrependido em frente ao espelho e, na inesperada beleza que consegue arrancar de um estupro, ao fazer-se valer da beleza da fotografia em preto-e-branco e dos acordes da trilha sonora para em câmera lenta e, abusando de closes no rosto de Norton, imprimir um tom quase lírico à um ato de crueldade e violência.
E, já que mencionei a trilha sonora e a fotografia, vale dizer que a primeira, composta por Anne Dualley, é extremamente eficiente e tocante, ao passo que, a segunda, assinada pelo próprio diretor, se mostra um show à parte:
Ao optar por filmar os flashbacks da história em preto-e-branco, Kaye, foge da armadilha que poderia acometer muitos profissionais experientes e vai além do mero recurso estético ao imprimir um sentido narrativo nos belos quadros compostos pelos tons monocromáticos. Ao filmar os flashes do passado de Derek em preto-e-branco, Kaye, nos faz ver o mundo da mesma maneira que o protagonista o via à época: um mundo onde duas simples cores são as responsáveis por diferenciar aquilo que se deve respeitar e aquilo pelo que se deve sentir nojo.
E, nesse caso, o próprio conceito de preto-e-branco contribui para dar ainda mais peso a escolha de Kaye, afinal, essa própria nomenclatura opta por ignorar toda uma infinidade de tons de cinza que compõe os quadros para restringir-se às suas duas cores bases.
Contando com um final surpreendentemente trágico, A outra história americana, ainda assim consegue passar sua mensagem: a vida é curta demais para desperdiçar com o ódio e preconceito, há tantos sentimentos melhores, por que não aproveitá-los?
E por mais que esse último parágrafo possa soar piegas, é sempre bom ver uma mensagem dessas na tela. Ainda mais, em um filme tão belo quanto A outra história americana.
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