Por mais que A Pele que Habito (La Piel que Habito, 2011) seja considerado um dos filmes que vem mais chamando atenção do público que acompanha Almodóvar, é um filme que sintetiza bem o seu próprio cinema. Aqui vemos a sua fascinação entrando em um personagem idêntico a sua própria persona, Roberto (Antonio Banderas), brincando com o que ele tanto gosta. É desse jogo, que a narrativa se flui, por que se á todos instantes poderemos nos perder durante o tempo e espaço, sempre iremos poder assegurar que Roberto estará sempre conosco junto com quem nos conduz, seu “alter ego”, seu diretor.
A câmera de Almodóvar se satisfaz brincando com o personagem e o espectador. Estamos sujeitos a ser comparados a eles, como em uma das mais belas cenas, vemos Roberto olhando para a televisão onde grava o ambiente de Norma, que está na mesma pose sugestiva de quem a vê e de quem vê tudo isso (nós). Porém, as reflexões variadas que temos aqui, não se ocupam a um único espaço, caminhos pelo tempo por que, Almodóvar despedaça sua narrativa existencialista para propor temas velhos de sua própria filmografia, como o sexo e mesmo a relação de mãe e filho não se vê ignorada.
É na dúvida que se sustenta todo o espetáculo do diretor, nunca estamos certos de nada, pelo menos quando temos alguma certeza, pulamos de um conto para outro (mas sempre interligados) que revelam o quão ingênuo pode se tornar os olhos diante de uma câmera – algo parecido com o que De Palma realizou em Femme-Fatale(idem, 2002) –. Sem dúvidas, é de Marilia (Marisa Paredes) que se reservam os contos macabros, uma mãe desequilibrada que sustenta o desequilíbrio de seus filhos, que por mais que sua passagem não seja longa, sustenta o suspense e os flashbacks que envolvem o espectador mais adiante da história a qual ele ainda é um intruso, por isso que sua participação é o elemento-chave, a pista.
Talvez os erros que Almodóvar cometa aqui são semelhantes aos que acompanharam sua carreira, o mesmo problema de ritmo, alguns momentos arrastados que não necessitam de uma longa duração para terminarem e dar espaço ao que lhe interessa de fato no filme. Creio que A Pele que Habito será para sempre um filme polêmico, ou no mínimo controverso, por que de lado temos a bizarrice, algo nem sempre levado a serio, que aqui leva outro status de qualidade, por que, principalmente esse, é um filme essencialmente exigente, exige do espectador que esteja aberto para entrar em uma multifacetada viagem sem um destino sólido, algo mais abrangente que Almodóvar vai contando ao longo do filme. A medida que o tempo passa, La Piel que Habito afirma a nossa condição: estamos em um teatro de horrores, temos um doutor vindo de contos macabros, uma mãe ressentida e uma cobaia(experimento, Frankenstein. A única verdadeira diferença é que vemos em uma linguagem atual, que possibilita a mobilidade criativa de Almodóvar.
Almodóvar aqui coloca em prática o seu coração de cinéfilo, temos Noir, temos drama, temos comédia – algo que Almodovár nem sempre se alterna com sucesso -, mas o que provoca, impulsiona a existência de A Pele que Habito é senão seu suspense, sua característica surrealista. Mesmo Brisseau, o gênio da nudez e da ilusão aparece aqui, temos culpa, perdão, morte, vingança e fascínio. Assim, podemos observar a colagem, peles, camadas, a evolução da ciência de Roberto que ultrapassa qualquer ética ou limite. Ele é um verdadeiro sonhador e se propõe a modelar o sonho como bem entende e quer, altera tudo e todos para criar a sua realidade, a única que existe para si próprio. Por isso, temos aqui a cultura de Almodóvar com tudo que segue na carreira de um cinéfilo, transformada em um conto de tudo o que importa neste cinema segundo a visão de quem o criou.
\"pulamos de um conto para outro (mas sempre interligados)\"..Essa é a marca registrada do Almodóvar e é um dos motivos pelo qual virei fã dele, pois acho que tal aspecto valoriza demais suas histórias, por mais simples que sejam. Vou conferir esse filme em breve, com altas expectativas, claro. Assim como preciso ver trabalhos mais antigos dele.
Parabéns, mais uma vez, pelo texto excelente Ricardo.
Obrigado Matheus. Realmente esse é o elemento principal de seu cinema 🙂.