“Hey, Pam, lembra quando eu disse que o carro era à prova de morte? Bem, não foi mentira. Este carro é 100% à prova de morte. Mas para ser beneficiada com isso, meu bem, você realmente precisa estar no meu assento.”
Pode um filme cheio de falhas na imagem, com cortes bruscos que vão de uma cena para outra deixando diálogos/ações sem conclusão, com uma montagem que por vezes beira o amador colando trechos de conversas sem se preocupar em repetir as mesmas frases entre um plano e outro, entre outros “probleminhas” de produção – até a cor é perdida em determinada cena e recuperada sem mais nem menos -, ser uma obra sensacional? Você respondeu não? Então já passou da hora de conhecer Quentin Tarantino, um dos grandes cineastas do cinema nos últimos vinte e poucos anos e aquele que é talvez o seu filme mais autoral, esse À Prova de Morte.
À Prova de Morte é uma das metades do projeto Grindhouse, criado por Tarantino e seu amigo Robert Rodriguez - que fez a outra metade, Planeta Terror - para homenagear as sessões duplas de filmes exploitation que marcaram os anos 70 e foram uma das grandes influências do cineasta quando ainda era um garoto que apenas sonhava em fazer seus filmes futuramente. A ideia acabou não colando muito bem para o público, o projeto não fez sucesso lá fora e cada filme foi lançado em separado posteriormente com uma metragem mais esticada. Aqui no Brasil a estreia, aliás, se tornou uma piada, com o filme de 2007 saindo por aqui quase três anos depois, pegando embalo no sucesso de Bastardos Inglórios, que Tarantino lançou fez em 2009. Aí se reclama dos downloads internet afora, mas na hora de ajudar... Mas, divago, o assunto aqui é o filmão do Tarantino e não a distribuição dele.
E que filmão, cara. Que Tarantino se divertiu fazendo o filme é óbvio e bastam alguns minutos para constatar isso, mas logo no começo ele pega o espectador e parece dizer “chega aí e se diverte também”. Aí é aquela coisa que todo filme do diretor/roteirista e aqui responsável também pela fotografia sempre traz: uma profusão de diálogos deliciosos que vão do banal sobre a personalidade dos personagens à cultura pop passando por pérolas do humor negro que só mesmo a mente de Tarantino podia escrever – a fala do Dublê Mike interpretado por Kurt Russell que abre esse texto é só uma delas. E os personagens deliciosos que os recitam (e aqui não me refiro sexualmente às personagens femininas, apesar de que se o fizesse, só estaria embarcando no tom do filme, que não se preocupa em realizar fetiches do espectador – a lap dance da personagem de Vanessa Ferlito ou os constantes planos-detalhes de traseiros femininos em movimento - e de seu diretor – mais planos-detalhes, dessa vez do fetiche-mor do diretor: os pés femininos), das garotas representantes do girl power (Rosario Dawson, Zoe Bell e Tracie Thoms – e é uma pena que a gatíssima Mary Elizabeth Winstead, vestida em um sexy uniforme de cheerleader, seja jogada de escanteio quando a ação começa) ao dublê insano e seu carro ameaçador – quase um veículo de vida própria -, passando é claro pelas belas garotas em perigo da primeira (e melhor) parte do filme.
A divisão do filme em duas partes bem demarcadas, aliás, é um dos poucos problemas da produção de Tarantino já que a qualidade da primeira metade é bem maior do que a da segunda. Por mais que a ação vista perto do fim seja de nos fazer apertar o braço da poltrona e empolgue, é inegável que o que de mais delicioso existe em À Prova de Morte está mesmo concentrado em todo o desenrolar da ação no bar de beira de estrada administrado pelo personagem do próprio diretor, e as consequências dessa longa cena, que resulta em um assassinato no trânsito espetacular, que o diretor registra em uma montagem sob vários ângulos, nos permitindo ver a carnificina em todos os seus detalhes. A segunda metade, no entanto, parece sofrer de um excesso de gordura. Alguns minutos a menos fariam bem para o desenrolar da trama.
Mas nada que tire as qualidades do filme. Afinal, quantas vezes você vai ter a chance de ver um grupo de belas mulheres enchendo o vilão do filme de porrada? Um freeze frame de uma delas acertando um chutaço no marmanjo encerrando o filme? É o cinema de catarse de Tarantino. Aquele mesmo cinema que nos fez vibrar com A Noiva decepando membros em sua cruzada de vingança. Que posteriormente reescreveria a história - no campo ficcional, é óbvio, mas é uma reescrita - trazendo uma judia orquestrando a morte de Hitler e dos principais nomes do partido nazista ou um escravo negro chicoteando um dos tantos capatazes brancos algozes de sua raça. É moralmente certo aplaudir a lei do “olho por olho, dente por dente”? Claro que não. Mas, porra, tente não fazê-lo em meio a toda empolgação de um filme tarantinesco.
Belo texto, Pedrito. hahahahaha ficou foda mesmo, Taranta merece textos assim. 😁
Valeu, Chico, ainda bem que você achou digno do Taranta :)
Taranta é foda... Esse é sem duvidas melhor que "Planeta Terror"...