O cinema transporta o espectador para um mundo paralelo. Mesmo que por algumas horas apenas, somos conduzidos por um ambiente mágico, repleto de momentos intrigantes, estamos em um universo fascinante e seguro. O chato fica por conta de termos que voltar para nossa realidade, que saco! Mas enfim, A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo), dirigido por Woody Allen e lançado em 1985, aborda justamente sobre a questão da ficção x real. Trata do universo proporcionado por parte do cinema. É um filme extremamente criativo que mexe com o imaginário do público. Por isso, é uma obra para quem ainda se permite sonhar.
Cecília (Mia Farrow) tem uma vida extremamente infeliz. Ela mora na cidade de Nova Jersey no período da Depressão Econômica. Mergulhada em um casamento fracassado, ela busca refúgio nas salas escuras do cinema. Na tentativa de escapar da realidade, mesmo que por alguns momentos, ela mergulha no universo da sétima arte e assim, vive no cinema o sonho de um mundo perfeito. Cecília trabalha como garçonete. Ela sustenta o marido bêbado e desempregado que a trata de forma grosseira e violenta e para fugir desta realidade, ela frenquentemente vai ao cinema da cidade. Porém quando ver pela quinta vez "A Rosa Púrpura do Cairo", o herói da película sai da tela e declara seu amor por ela. Assim, Cecília começa a misturar ficção e realidade de forma romântica e envolvente.
Woody Allen, que também é o roteirista do filme, nos guia por um universo mágico e fascinante. Somos arrebatados por uma história que toca de forma intensa todos os que enxergam o cinema como arte. Cecília representa um grande número de pessoas que fogem de uma realidade triste e amargurada a partir das projeções cinematográficas. Quando estamos diante de uma película, somos transportados de forma arrebatadora, e mesmo por alguns momentos, vivemos uma vida totalmente diferente, somos peça integrante do enredo, e assim, o real e a ficção se misturam de forma instigante e intensa. Sentimos a obra como parte integrante de nós mesmos, a sétima arte é de fato uma arte, e com certeza, a forma como nos prende e fascina explica tal alcunha.
Como Arlindo Machado aborda em seu livro, Pré-cinemas e pós-cinemas, por mais que Freud nunca tenha falado diretamente sobre o cinema, enxergamos de forma fácil algumas relações entre o pai da psicanálise e a sétima arte. Em Die Traumdeutung, Freud sugere que devemos representar o instrumento que executa nossas funções mentais como semelhante a um microscópio composto, a um aparelho fotográfico ou algo desse tipo. E acrescenta que o lugar psíquico corresponde a um ponto do aparelho em que se forma a imagem. Ora do que estava falando o pai da psicanálise? Do olhar, é claro! Porém apesar de tais escritos, Freud sempre negou a importância do olhar na psicanálise. Mas alguns autores como: Stein, Schneider e Mezan, analisaram esta cisão entre fala e olhar existente nas teorias de Freud. Desta forma notaram, em primeiro lugar, que há um traço de fobia na recusa freudiana do olhar, facilmente identificável na análise de seus próprios sonhos, em que quase sempre os olhos adotam um papel central.
As relações entre Freud e o cinema podem ser consideradas interligadas levando como eixo central a ideia de que ao entrar no cinema o espectador passa para um estágio de subconsciência onde se enxerga na vida dos personagens exibidos. Quando Freud explica o sonho – como um cenário composto de imagens - ele está falando de cinema e o espectador concentrado e arrebatado por imagens, que se reconhece na tela-espelho, tem total semelhança com Narciso na água. Sendo assim, Cecília teria se enxergado como parte integrante da vida dos personagens da película. Passou a fazer parte daquela rotina já conhecida por ela, uma vida amável e prazerosa, totalmente diferente de sua realidade. Mas é verdade afirmar que todos os presentes na sala também enxergaram o personagem abandonar a tela, então na verdade, seria um surto coletivo? Claro que não! Estamos nos referindo ao cinema, sendo assim, todos aquelas pessoas se enxergavam como pertencentes, durante a projeção, ao mundo da tela. A mágica cinematográfica consiste justamente neste ponto.
A Rosa Púrpura do Cairo é um filme excelente. A obra aborda sobre questões que envolvem ficção e real. Somos conduzidos por um universo sensível e mágico. Um mundo existente, sem dúvida alguma, na cabeça de cada cinéfilo, afinal, se cada um de nós não acreditássemos na magia do cinema, a sétima arte não seria tão importante em nossas vidas. O filme de Woody Allen é um prato cheio para todos que sonham e se deixam guiar pelos sonhos. A realidade muitas vezes nos fere e machuca, porém ainda podemos sonhar. E enquanto isto for possível, podemos tirar os pés do chão, mesmo sentados numa sala escura. Enfim, o cinema é isso! E quando a sétima arte deixar de ser vista e sentida como uma fuga, como um refúgio, como um mundo mágico, perderá totalmente o sentido. Assim, prefiro acreditar no que diz Raul Seixas: "sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade."
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário