"Encontre-os. Até o último deles."
A Série Divergente: Insurgente (que bela porcaria fizeram com esse título, hein?!) não é um filme ruim. A qualidade técnica da produção e o elenco (ou boa parte dele) esforçado por si só já impediriam essa classificação. Mas falta timing ao roteiro de Brian Duffield e Akiva Goldsman, adaptado do segundo livro da série escrita por Veronica Roth. A trama é inflada ao máximo e isso afeta o ritmo da história que em um ponto parece começar a se repetir sem parar, fazendo os dramas logo se tornarem cansativos e prejudicando até a ação em dado momento. O timing de seu lançamento também não foi dos mais felizes: a série Jogos Vorazes está fresca na memória e possui semelhanças suficientes com essa aqui para uma inevitável e desfavorável comparação. A sorte da narrativa comandada por Robert Schwentke é que o final, bem resolvido por si só e que consegue despertar o gosto pela continuação da série, é bastante interessante (ainda que não muito original ou difícil de antecipar) e reposiciona totalmente as peças no jogo daquele universo.
Insurgente parte do ponto em que Divergente parou: Tris (Shailene Woodley), Quatro (Theo James), Caleb (Ansel Elgort) e Peter (Miles Teller) são agora fugitivos que precisam encontrar uma maneira de confrontar a tirânica Jeanine (Kate Winslet), que se aproveitou da divisão da sociedade distópica em cinco facções responsáveis por uma função específica na sociedade para praticamente assumir o controle de um mundo que agora trata os divergentes (pessoas com traços de todas as facções, entre os quais a protagonista se encontra, claro) como inimigos mortais. Essa trama nos é apresentada logo nos primeiros minutos de projeção através de um pronunciamento oficial da personagem de Winslet, que apesar de expositivo, é eficiente por se inserir de maneira orgânica à narrativa, além de ser um bem-vindo "flashback" da aventura anterior (da qual, admito, não lembrava muita coisa) e deixar claro o tom que o filme assumirá a partir dali. O que vemos a partir daí é o grupo de protagonistas lidando com seus traumas como grupo (as divergências de opinião entre eles parece sempre prestes a separar aquelas pessoas, o que não demora para acontecer) e indivíduos (Tris se sente culpada pelas mortes que causou direta e indiretamente no filme original) enquanto se preparam para um inevitável confronto com Jeanine, que poderá forçá-los a se unir com os "sem facção" liderados por Evelyn (Naomi Watts), mãe de Quatro.
O dilema sobre se unir ou não com o grupo liderado pela personagem de Watts, aliás, rende um dos diálogos mais inspirados da produção, quando a personagem é confrontada pelo filho sobre suas motivações para enfrentar Jeanine e com o fato de que ela, possivelmente, apenas será uma nova versão da inimiga (algo que se comprovará ao final da projeção). Com exceção dessa cena, poucos são os diálogos que conseguem ser eficientes em estabelecer as motivações e dilemas dos personagens (e para um filme de ação calcado quase que exclusivamente nos diálogos, isso se torna um problema e tanto), algo sentido, principalmente, quando descobrimos que Caleb mudou de lado sem razão aparente, já que tudo soa como uma imposição do roteiro. Muito melhor o texto se sai ao trabalhar com Peter (e contribui muito pra isso o fato de Teller ser um ator extremamente talentoso e carismático), um daqueles personagens fáceis de "amar odiar" ou "odiar amar", guiado por um instinto de sobrevivência que o faz transitar entre os lado da batalha sempre com um calculismo impressionante - um personagem muito mais interessante que o apático Quatro, que numa “escala de bonitões inexpressivos” quase faz James rivalizar com Taylor Lautner.
Apática também é a participação de Ansel Elgort na produção, jamais lembrando sua bela performance no ótimo A Culpa é das Estrelas e mesmo no terrível Homens, Mulheres e Filhos. Muito melhor se sai a gigante Kate Winslet que mesmo apostando em uma composição caricata ao extremo ainda consegue fazer sua Jeanine soar ameaçadora. Já Naomi Watts, que merecia maior destaque ao longo da projeção, se sai bem ao sugerir a dualidade de sua personagem. E se já fiz questão de mencionar Miles Teller - que futuramente ainda será alçado ao posto de grandes atores (podem me cobrar) - nesse texto, vale novamente citar o ator, que é o destaque máximo da produção com seu personagem divertidamente canalha. E chegamos à protagonista da produção, a talentosíssima Shailene Woodley que, infelizmente, não consegue explorar completamente suas qualidades por conta de uma personagem que parece sempre pronta para render um “algo a mais” que jamais vem. A atriz segura bem tanto as cenas de ação como aquelas que exigem mais dramaticidade, como os embates com sua própria consciência, mas parece sempre habitar a sombra de protagonistas mais bem resolvidas em franquias recentes – e aí é inevitável Jennifer Lawrence e Jogos Vorazes virem a mente novamente.
Mesmo a capacidade de Tris como não só uma divergente, mas, aparentemente, a mais “pura” de todas, não fica bem estabelecida pelo roteiro: o que torna Tris tão especial? Sim, as seguidas cenas da personagem lutando contra si mesma (metafórica e literalmente) em simulações criadas por Jeanine para usá-la para abrir uma caixa que contém uma mensagem dos ancestrais que criaram a sociedade baseada em facções parecem torná-la alguém com capacidade física e mental muito distantes daqueles que não são divergentes, mas o mesmo não pode ser dito sobre sua atuação no mundo real, onde a garota parece apenas mais uma, não se distanciando, por exemplo, do que Quatro ou Peter podem fazer. As cenas de simulação, aliás, são algumas das melhores do filme, visualmente interessantes e bem realizadas, como aquela que mostra Tris percebendo que o Quatro que encontra em dado momento é apenas fruto de seu subconsciente.
Ainda que o final faça seu papel e desperte o interesse do espectador em continuar acompanhando a jornada de seus protagonistas com a promessa de explorar mais profundamente seus conceitos, Insurgente por si só nunca consegue se distanciar muito daquela linha que o torna apenas um filme bacana e esquecível.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário