Ao assistir em julho de 2015, no teatro Renascença em Porto Alegre, a peça "Fassbinder - O Pior Tirano é o Amor", uma coisa ficou clara para mim: Fassbinder era um louco. Não um desses loucos quaisquer, mas um gênio louco. Tudo em sua vida pode ser resumido em uma palavra: intenso. Sua vida foi desenfreada, ele parecia acreditar em algo chamado "cortar gorduras", nada que deveria ser, deveria ser por apenas ser. Tudo tinha que ser necessário, o desnecessário, o fútil e o supérfluo não pareciam se encaixar na vida de um homem que fez mais filmes do que aniversários. Sua vida é uma grande história, talvez tão grande quantas as próprias que contava em telas, em roteiros ou em palcos. O irônico de sua existência foi exatamente isso, por sempre levar as coisas intensamente, com um medo gigante de não desperdiçar o tempo (ele parecia saber que o seu seria curto), o que ele mais fez foi jogar a sua própria vida pela janela. Renegando e escravizando os que o amavam de verdade, e amando os que apenas se interessavam por algum dote econômico ou fisionômico.
Em determinado momento de Die Dritte Generation, um homem olha pela janela e diz se lembrar daquela visão pois havia visto-a em um filme russo. Solaris (de Tarkovsky, 1972), responde um empresário que diz ser o melhor filme que já assistiu, pois este o lembrava que o cinema é uma mentira que através dessa mesma mentira poderia contar verdades. Ora, não é isso o que nos está sendo dito? Quando lembramos de Fassbinder, quando os críticos e os cinéfilos lembram dele, dificilmente lembram de um cineasta político. Por ser tão prolífero e tão extenso, isso pode ser dito dele: filmes como Maria Braun ou Berlin Alexanderplatz podem ser romances sobre personagens marcantes, mas por trás deles existe um grande momento político que acontece - assim é A Terceira Geração. O diretor buscava escandalizar, dissecar e ironizar o momento da Alemanha. Não é à toa, que logo no início temos uma citação de um chanceler alemão (mais especificamente Helmut Schmid, chanceler que teve sua passagem marcada por lidar com os atentados terroristas que a Alemanha vivia).
"(um filme)Dedicado aos que amam de verdade
Há ninguém, no caso?"
A Terceira Geração é um filme pessimista: as pessoas são mesquinhas, os terroristas matam conhecidos a sangue frio e sequer sabem o que querem, os políticos não se preocupam com isso e o resto é sempre o resto. No primeiro plano, nos é apresentado através de uma janela (e com letreiros iniciais perspicazes) a igreja Memorial do Príncipe Wilhelm em Berlim, quase totalmente destruída pelos aliados em 1943 e uma das principais memórias da Segunda Guerra Mundial em Berlim. Ao lado dela, uma nova torre octogonal foi construída no início da década de 1960, um grande contraste entre um passado de guerras e um presente de grandes edificações tecnológicas.
Corre solto o boato de que o diretor teve que arcar com recursos limitados (o que era normal em sua carreira), tendo inclusive que trabalhar como o próprio diretor de fotografia. O que acabou por gerar um estranhamento inicial em muitos de seus fãs ao assisti-lo. A Terceira Geração conta com planos mais abertos e centralizados (céus, em alguns momentos parecia Béla Tarr), os tons pastéis foram tomados por azuis claro e escuro. Uma rota alternativa muito interessante de ser analisada.
Seu grande problema talvez seja o roteiro, que nunca nos deixa claro para onde está indo e muito tempo depois, nos damos conta do que está realmente acontecendo. Talvez pela grande produção de filmes do cineasta durante cada ano, talvez pelos já citados recursos escassos; ainda assim, alguns erros aqui apresentados não seriam comuns nessa última fase de Fassbinder como cineasta. Mas certamente, a clara mensagem de que o capitalismo produz o próprio terrorismo para se sustentar as bases desse, é certeira e clara - fortalecendo uma mensagem final que está expressa no sorriso sarcástico do empresário em uma televisão.
Cada integrante do grupo terrorista vai aparecendo aos poucos, começando com a secretária do empresário que o grupo visa sequestrar (interpretada pela quase sempre presente Hanna Schygulla), até os mais coadjuvantes. A grande crítica de Fassbinder é mostrar como esses revolucionários, sejam eles terroristas ou não, são extremamente alienados, e como a polícia, que deveria ser uma inteligência, está sempre atrasada e perseguindo muitas vezes inocentes. Uma professora ao explicar a Revolução de 1848, entra em uma discussão com um aluno em uma das cenas mais interessantes, ela coça a cabeça e não sabe responder o porquê de a burguesia querer uma revolução e depois recuar por ver os seus próprios valores ameaçados. O filme chega a ser irritante em algumas cenas, pois sempre há uma televisão ou um rádio ligado (algumas vezes, em alemão, pouco se ouve o que está sendo dito pela interferência disso), é a velha mídia produzindo cérebros-panquecas que logo estarão soltos pelas ruas, votando ou quem sabe com armas na mão.
Quando o autor desse artigo começa dizendo suas referências da obra de Fassbinder, a peça em POA, já é possível antever o texto legítimo que segue. Ótimo. Por mais que pudesse ter continuado no desenvolvimento do texto, é suficiente: o próprio diretor, nas "vinhetas" que iniciam os capítulos, nos avisa onde foi escrito ou pensado cada episódio, o que o faz aproximar do espectador/leitor.Isso é necessário, é legítimo!
''As vezes penso que o capitalismo inventou o terrorismo pra forçar o Estado a se proteger melhor''.
''As vezes penso que o capitalismo inventou o terrorismo pra forçar o Estado a se proteger melhor''.