Comecei a pegar gosto pelos filmes de Scorsese após o ótimo Os Infiltrados, logo após, assisti o excelente Os Bons Companheiros, Taxi Driver e Touro Indomável, e se tornou um dos meus cineastas preferidos, e foi aí que assisti seu filme mais polêmico, A Última Tentação de Cristo, um filme que contém um pouco da tradicional violência de seus filmes, mas aqui está mais contido por ser um filme religioso, mas nem por isso ele está fora de forma.
O filme é baseado no romance de Nikos Kazantzakis, ou seja, a história toma total liberdade do que está escrito nos evangelhos, a diferença deste filme com a Bíblia não é os fatos, e sim a interpretação. O roteiro não se preocupa em engrandecer a figura de Jesus (muito pelo contrário), com a imagem de santo, mas com respeito, mostrando que ele tem os poderes divinos e capacidade de sair sábias palavras de sua boca, mas é egoísta, tem medo de morrer e faz cruzes para os romanos quando condenam os judeus rebeldes a crucificação para fazer Deus odiá-lo, algo que ele não consegue, ele quer viver normalmente e não gosta nada da idéia de ser o filho enviado para salvar a humanidade dos pecados, um Jesus humanizado, sendo assim, nós sentimos uma ligação, nos identificamos com ele, assim como todas as outras personagens que o cercam, como a sua amada Maria Madalena e o seu melhor amigo Judas. Outro acerto do roteiro, é que ele não julga os atos, mas apenas mostra para nós interpretarmos e julgá-los nós mesmos.
A direção de Martin Scorsese estava em uma boa época, sempre inspirado e sendo indicado várias vezes ao Oscar (só não ganhou por injustiça), e com este filme, ele ficou sozinho no Oscar sendo apenas ele indicado ao Oscar de melhor direção, foi uma injustiça, pois merecia estar em muitas outras categorias naquele anos como a de melhor roteiro adaptado, melhor ator (Willem Dafoe), melhor ator coadjuvante (Harvey Keitel), melhor fotografia, direção de arte, trilha sonora e principalmente a de melhor filme, mas na verdade não foi culpa da academia, em uma das raras vezes (outro caso que posso considerar é o Era Uma Vez na América, que teve a película para o cinema massacrada pela Warner Bros., tirando qualquer chance do filme ao Oscar), mas por causa do auê dos cristãos conservadores alienados que levam a Bíblia ao pé da letra que protestaram, bateram o pé no chão porque, pelo próprio filme, nem é preciso dizer. Uma pena!
Não entendo das pessoas dizerem que Scorsese só faz filmes de gângsters, já que considero ele bastante versátil em diversos temas, e aqui esqueço do estereótipo que marca o diretor, mostrando muito mais que competência, utilizando todos os recursos para que o filme funcione. O roteiro é muito bem escrito por Paul Schrader (Taxi Driver), que desenvolve de modo lento, mas sem nunca se tornar cansativo, com um texto que pôe cada detalhe para nossa própria interpretação, utilizando metáforas sobre o assunto da religião desde antigamente até os de hoje em dia.
Willem Dafoe está esplêndido, e Harvey Keitel está ótimo, e o resto do elenco, competente. Haverá algumas coisas que incomodará e me incomodou um pouco como o pouco desenvolvimento dos apóstolos e de Maria, mas nada que comprometa a qualidade final.
Aqui vale um destaque para o extraordinário final do filme, belo, poético e filosófico. Quando ele está na cruz, surge um "anjo" dizendo que ele já tinha sofrido o bastante e tinha passado no teste de seu Pai, e sai da cruz invisível da vista dos outros, é levado a um belo lugar, casa com Maria Madalena, que logo morre e tem outra mulher, com quem tem dois filhos, envelhece normalmente e tranquilamente, até que vê Paulo pregando sobre Jesus ter morrido, mandado uma luz forte que o cegou e ter se arrependido de matar os seguidores do Messias e ter se tornado um, o que era uma mentira naquela hora já que ele tava vivo, uma ótima alusão aos erros da Igreja Católica na Idade Média, e quando está em seu leito de morte, Israel está sendo destruída pelos romanos, e seus antigos discípulos o visitam, inclusive seu melhor amigo Judas, que o chama de traidor e o culpa por não ter cumprido seu papel pois Judas entregou ele aos romanos a pedido do próprio Jesus, mas fugiu da cruz, permitindo a destruição de Israel, eis que o peso da consciência torna-se insustentável e suplica ao seu Pai por perdão e pede pra voltar a cruz, de onde não devia ter saído, e morre, perdoando a alma dos pecadores, aproximando o homem de Deus, demonstrando que é através do sacrifício, mostra realmente que a pessoa faria tudo pela causa ou pessoa que ama, no caso de Jesus, a humanidade.
Uma obra-prima de Martin Scorsese, falando do confilto entre homem e Deus, desejos e religião, carne e espírito. Um filme que contém uma mensagem que se mantera atual devido a discussão filosófica e diversas interpretações daqueles que assistirem este belíssimo filme. Para quem é cristão devoto, algumas questões com certeza irão incomodar, mas nem por isso tem direito a atirar a primeira pedra sem uma análise profunda da obra.
Recomendadíssimo!!!!
Adorei sua crítica!
Só pra acrescentar, merecia também uma indicação pra Melhor Maquiagem, belíssimo trabalho.
Eu achei o filme lindo mesmo, e me tocou profundamente a questão da justificação, conseguir demonstrar que Cristo realmente foi como um de nós, e mais que isso, sugerir (aí entra a fé) que o arrependimento leva a redenção. Jesus experimentou a tentação de Satã no filme, se arrependeu, e teve a chance de (que chance de merda) poder consumar seu sacrifício.
ENQUANTO HOUVER MARTIN SCORSESE HAVERÁ PAU DURO NO CINEMA.