''A ferida que não cicatriza. A dor que nunca passa. A culpa compartilhada. O amor salvando uma alma da completa escuridão.''
É muito difícil encontrar nos dias atuais, trabalhos como este aqui da diretora Isabel Coixet. Um drama que não apela para o sentimentalismo barato, com personagens que realmente tem transtornos físicos e psicológicos reais. A diretora o tempo todo parece nos querer mostrar que existem pessoas de verdade dentro de sua obra, seres humanos, com seus traumas, seus medos, suas angústias, tudo é mostrado à nós de uma maneira muito eficaz. Coixet consegue alcançar seu grande objetivo, que é tornar personagens pessoas reais de fato. O filme trabalha com dois protagonistas, um é Josef (Tim Robbins), que trabalha numa plataforma de petróleo que fica no mar. A outra protagonista chama-se Hanna (Sarah Polley), ela é uma introvertida mulher de 30 anos que trabalha numa indústria têxtil na qual não mantêm contato próximo com nenhuma funcionária por opção própria.
Ao sair de férias (férias forçadas aliás, por sua patroa) Hanna decide ir passar um tempo num pequeno povoado costeiro muito pacato, que fica em frente a plataforma petrolífera na qual coincidentemente trabalha Josef. Um acidente faz com que Hanna decida ficar um certo tempo na plataforma cuidando de Josef voluntariamente (ela teve certa experiência como enfermeira), pois ele sofreu uma série de queimaduras ao tentar salvar um amigo num suposto acidente, e também está cego temporariamente. Na plataforma também trabalham outros homens, fazendo com que Hanna passe a conviver diariamente com eles enquanto cuida de Josef. As paisagens parecem sempre tristes, extremamente silenciosas assim como Hanna, que é quase totalmente surda. O som do mar reina durante muito tempo, e parece ser somente isso que ela deseja ouvir.
Josef é um homem extremamente reservado, porém nas suas atuais condições ele passa a precisar de ajuda diária de outra pessoa, pois seu estado físico não permite que ele se locomova, coma, ou tome banho por conta própria. Então ele fica aos cuidados de Hanna, e passa a tentar diariamente desvendar os mistérios dessa enigmática mulher que não revela à ele nem ao menos a cor de seu cabelo, despertando ainda mais a curiosidade de Josef sobre sua personalidade. Hanna por sua vez, é uma mulher triste. Ela não faz questão de conversar com ninguém sobre os fatos de seu dia, ou de sua vida, não mantém relações com ninguém de maneira afetiva, e tem uma rotina monótona, na qual não há espaço para relacionamentos, e muito menos diversão e festas. Más ao ingressar em tal plataforma, ela descobre que há um mundo exterior do qual ela desconhecia (pois fazia questão de desconhecer), e percebe que pessoas podem sim, ser boas companhias, que não há mal algum em se ter uma conversa comum com outra pessoa. Hanna também descobre que há ainda muitos sabores à serem experimentados na vida (não apenas arroz, frango e maças, como ela comia diariamente por vários anos). E isso graças à Simon (Javiar Cámara), um exímio ''chef'' que é o cozinheiro oficial da plataforma, e está sempre tentando atrair a simpatia de Hanna com pratos deliciosos, más Hanna (e seu escudo), permitem apenas que as conversas fiquem nesse sentido, impedindo então qualquer envolvimento amoroso entre os dois. Porém, com pouco tempo dentro da plataforma, a moça parece estar mais aberta aos diálogos com outras pessoas, e até tem algumas conversas com os homens de tal lugar (um deles até mostra à ela uma foto de sua família, o que claramente deixa Hanna tocada de certa forma).
Josef, necessitando de contato humano de alguma forma (pois sofreu um grande trauma com a morte de seu amigo), passa a contar algumas histórias de sua vida para Hanna, com o objetivo de ela contar algo sobre si mesma. Hanna passa a ficar comovida com algumas de suas histórias, pois percebe que Josef, vulnerável, parece não ter pudor algum em contar algo que denigra sua própria imagem, sendo absolutamente sincero em tudo que diz à ela. Os dois então passam a ter uma relação muito mais próxima, da qual distribuem sorrisos entre si quase que diariamente, entre conversas e histórias, e sempre apreciando a companhia um do outro. Hanna, enfim, parece ficar livre das ''amarras'' perante Josef, pois percebe que ele não lhe fará mal algum, apenas gosta dela como pessoa, isso sem que ao menos tenha visto seu rosto, e esse é um dos motivos de ele cativá-la. O silêncio de Hanna e sua expressão sempre infeliz, agora dão lugar a uma convivência de constantes conversas entre ela e Josef, que depois de reconhecerem um pouco do outro em si, parecem confiar suas angústias e segredos, um ao outro quando percebem que ficarão separados em pouco tempo, pois Josef será transferido para um hospital.
A diretora cria uma carga emocional extrema naquela que parecia ser a última conversa entre os dois. Eles se abrem, mostram suas feridas mais profundas um ao outro, e choram sem pudor algum. E é ali, que Hannah finalmente mostra o porque de sua personalidade ser tão reservada, nos revelando as atrocidades das quais foi submetida no passado. Ela finalmente se abre perante um homem que está ali, vulnerável à ela de todas as formas. Nesse momento que finalmente entendemos o que se passa na cabeça de Hanna, seus traumas, sua culpa. E sim, ela fala de si mesma (como fica claro na linda imagem final), enquanto Josef apenas chora e à consola em seu peito. É sob o peito de Josef, que Hanna diz a frase mais emblemática do filme : ''não posso mais ficar perto de voce, pois vou chorar tanto que inundarei um rio de lágrimas''. Josef apenas diz : ''eu não me importo, pois aprenderei a nadar.'' O diálogo, sublime, tem clara alusão à um fato que Josef contou para Hanna, que acontecera com ele e seu pai. É simplismente impossível uma cena feita com tamanha excelência não emocionar à quem assiste. E tudo é encaixado perfeitamente no contexto por Isabel Coixet (como foi citado também na ótima análise de Patrick Corrêa). A cena é emocionante, te toca profundamente, pois os personagens finalmente se entregam aos sentimentos, as emoções, tudo muito verdadeiro. O final com um teor esperançoso para aquelas pessoas que pareciam ter as vidas encerradas após seus traumas, não soa piegas em momento algum. O sol reaparece (de todas as formas) na linda cena final, e o barulho do mar já não é o som reinante para aqueles que acima de tudo, são seres humanos.
Uma obra que carrega em si uma força descomunal em tocar profundamente aquele que à vê. Uma direção segura, livre de truques baratos para emocionar o espectador, as reações de quem assiste perante as ações dos personagens, são naturais. O elenco contribui para o filme com ótimas atuações. Sarah Polley compõe uma personagem machucada por dentro e por fora, com cicatrizes tão profundas que jamais serão esquecidas. É uma mulher extremamente só, que não busca fazer amizades com outras pessoas, pois acredita que se sua dor for compartilhada só a tornará ainda maior. O que Hanna quer é não ser incomodada ou tentar ao máximo não se importar ao fundo com a vida das pessoas que à cercam, mesmo com a surdez provavelmente recebida na guerra, é mais silêncio que ela deseja. Más ao conhecer Josef, ela percebe que a dor pode sim ser compartilhada com o próximo à fim de ser diminuída, ao ponto de a pessoa conseguir se identificar com a dor da outra, e assim se completar. Sara Polley está excelente em tela, sua dor é passada à nós de uma forma lenta, minuciosa, tudo que afeta à ela dói em nós. Tim Robbins também está ótimo, seu personagem é também um homem muito introspectivo, porém, está numa cama extremamente vulnerável e precisando de ajuda médica. Então, ele se entrega de todas as formas para sua enfermeira, contando à ela todo e qualquer fato que antes guardava para si. Ele parece não ter necessidade de guardar segredo algum pra ela, e espera reciprocidade mesmo que em menor escala por parte de Hanna, más ela, comovida, também lhe conta sobre seus traumas. De início ele apenas quer saber a cor de seu cabelo, depois tudo vai se aprofundando de uma forma sem igual. Robbins da uma aula de atuação nas cenas com teor mais dramático, grande atuação também. Os coadjuvantes não desapontam, quando chamados correspondem. Javier Cámara vive Simon, o homem que foi capaz de colocar um ''outro sabor '' na vida de Hannah, com ele, ela se dá conta que no mundo existe muita coisa além de arroz, frango e maças (no final é mostrado Hanna comendo chocolate, uma referência ao que fez o personagem de Cámara à ela). Julie Christie que atua apenas em uma cena, chama a atenção para si num diálogo muito bem desenvolvido. Um drama sólido, maduro, uma prova de que não precisa cair em sentimentalismos baratos para aproximar o público. Emocionante, angustiante e reflexivo.
''Sobreviver az vezes é tão doloroso quando a alma não suporta mais a lembrança dos horrores passados. É algo assustador, e o amor é o único remédio, ele salva pessoas de tornarem-se apenas sombras do que já foram um dia, sem presente e sem futuro. Apenas o amor''.
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