Quando decidi assistir ao filme, me interessei pela sua sinopse interessante, que no mínimo se mostrava instigante também, tendo em vista tratar de um evento cultural tão importante do século passado, além claro de ser uma comédia assinada por Ang Lee, o grande diretor de O Segredo de Brockebek Moutain. Mas ao levantar das cortinas, fui acompanhando uma trama totalmente oposta de tudo que eu imaginava que seria. Onde está a comédia? O filme aborda temas como superação dos problemas financeiros e sociais, o rompimento de preconceitos e valores de qualquer espécie, além de ser dramático quando se foca na relação dos pais do protagonista, que sem dúvidas figuram entre os melhores personagens de todo o longa, proporcionando momentos realmente comoventes e tocantes.
Em 1969 o movimento dos Hippies e simpatizantes ao mesmo explodia por todo o país americano, onde jovens se reuniam para ouvir música, fumar maconha e pregar a paz mundial entre os homens, o fim da guerra do Vietnã, a extinção de preconceitos de raça, etnia, sexualismo e outros. O interessante é que Lee não apenas mostra essa linha já conhecida tradicionalmente, chegando mais além ao trabalhar os sentimentos das pessoas que se deslocaram para aquela pequena fazenda (local que seria realizado três dias de show). Seja individual ou analisado um grupo especifico, as lentes de Lee não perdem absolutamente nada e presenteia o público com uma magistral concepção e restituição daqueles três fabulosos dias, que ficaram marcados mundialmente.
A projeção avança bem lentamente, desenvolvendo aos poucos a história, como todo este evento gigantesco e as milhares de pessoas que o prestigiaram chegaram à cidadezinha de Elliot. O telespectador se pega magnetizado com toda a beleza e sutileza de se contar uma história registrado por Lee, que compreende cada quadro como se fosse de grande importância para o andamento da trama e dos personagens. O filme chega a quase meia hora de duração e na verdade pouca coisa realmente ocorreu, mas ao contrário da história, os personagens vão sendo contextualizados, explorados e trabalhados de forma maravilhosa pelo diretor, que não se esquece de climatizar e ambientar todo o processo, levando literalmente o público para o referido ano da década de 60.
A infinidade de personagens maravilhosos que desfilam pela projeção é algo incrível, ainda mais em um filme que se possui milhares de figurantes, altamente caracterizados e estilosos, tal qual aquele período. O grande diferencial de todas essas pessoas que figuram no fundo da tela, colaborando com os astros principais em primeiro plano, é que não são apenas figurantes, mas sim desempenham algo mais dentro da trama. Os diálogos, os figurinos, os trejeitos, as ações, o estilo de falar e agir, tudo remete aos conceitos utilizados pelo jovens daquela época, em um trabalho fabuloso de pesquisa da equipe do filme, que certamente levantou tudo a respeito do movimento de 1965 à 1969, registrando e catalogando tudo, tendências, o que ouviam, o que comiam e falavam, absolutamente tudo.
Ang Lee trabalha e coordena milhares de atores com brilhantismo e talento de sobra, com um perfeccionismo invejável na concepção das cenas. O diretor é atento a todos os detalhes, ritmo das cenas, dos personagens, time de falas, quais figurantes por cena, o que estes estarão conversando, sobre o quê, tudo é maravilhosamente conduzido pelo diretor, trazendo uma inovação genuína na forma como se dirige figurantes, principalmente quando o assunto são milhares deles, levando em consideração que no evento real, cerca de 500 mil pessoas compareceram e outras 500 mil não conseguiram chegar. É fácil se imaginar a bagunça e a histeria que foram aqueles três dias de shows. Todo o sentimentalismo, os ideais, as sensações de todos os tamanhos, todos os detalhes estão aqui neste filme.
Para quem imagina que a trama apenas gire em torno do evento, está enganado. Aqui personagens marcantes aparecem a todo instante, onde alguns destaques se sobressaem como o amigo de Elliot, o rapaz que foi à guerra do Vietnã. Lee trabalha tão sutilmente que é impossível não simpatizar com o personagem logo de cara, nos pequenos detalhes que compõe sua vida e perspectivas dela. Traumatizado por todo o horror que presenciou, o garoto busca agora um sentido para sua existência abalada, algo que justifique todas as coisas, e encontra no Woodstock a libertação que sempre desejou, de ver as pessoas felizes sem preconceitos de espécie alguma, convivendo juntas, e o principal, felizes. A passagem em que ele e Elliot brincam na lama está entre as melhores do filme todo.
O personagem Vilma, brilhantemente interpretado por Liev Schreiber, se mostra um dos grandes achados da trama brilhante montada e conduzida por Lee. Claramente um homem vestido de mulher, provoca a ração contrária em Elliot quando estes se encontram. Vindo de uma família e cidade inteira conservadora, o choque cultural e social que deveria existir naquele encontro não acontece, onde o garoto o contrata como segurança. Se um personagem como Vilma se aceita como é e deixa claro isso para todos ao seu redor, por quê Elliot não pode ser mais flexível e notar e compreender a riqueza de diversidade existente no planeta. O respeito e a compreensão andam lado a lado na produção, e todos estes elementos são facilmente percebidos na relação de Vilma e os demais personagens, em especial o pai de Elliot.
Chegamos talvez no melhor momento do filme, onde Elliot e seu pai desabafam sobre a vida, os limites e as perspectivas que todos possuem para serem felizes, principalmente em uma sociedade fechada e preconceituosa. Com o evento, perceberam juntos que a interação, seja das formas mais estranhas ou simples, funciona, e aproximam o ser humano um dos outros, esquecendo as diferenças e contemplando a mesma felicidade, o mesmo sol. A passagem em que os pais de Elliot dançam debaixo de chuva, alegres e desprendidos de todos os conceitos conservadores que na maioria do tempo lhe privam de serem felizes, é emocionante e de grande impacto dentro da trama, onde notamos o quão se desenvolveram desde o inicio da projeção.
O filme conta com uma equipe extraordinária, que confeccionaram milhares de roupas daquele estilo, além de comporem inteiramente o clima e as características dos personagens por completo, como o jeito de vestir, de falar, de andar e se comportar. Ainda conta com a trilha sempre inspirada de Danny Elfmam, que deixa as passagens mais sentimentais e bem mais impactantes. A edição lenta que contribui para mostrar toda a dimensão que foi o evento, além de desenvolver cada personagem de cada vez, tudo colaborou com o talento de Lee frente às câmeras. Realmente um trabalho magnífico, notado pela sua magnitude e complexidade na criação de tudo, dos planos maiores até os pequenos detalhes, que no fim, fazem total diferença.
Ang Lee merecia ganhar mais um Oscar por tudo que realizou neste filme. Não explorou apenas o evento em si e suas características, mas sim como cada um dos personagens foram sendo influenciados ao longo que conheciam as pessoas, que não paravam de chegar de todos os cantos, onde a diversidade e a interação puderam caminhar juntas, em momentos onde não se existia o preconceito, e tudo era felicidade, paz e amor. Detalhe para a cena em que Elliot ‘viaja’ dentro de uma perua com um casal de jovens, em um belíssimo plano e metalinguagem digno de parabéns e aplausos de pé. A filosofia que estes jovens traziam na ponta da língua, o sentimentalismo para épocas melhores, as características e detalhes próprios, tudo é captado por Lee e entregue de presente aos telespectadores. Daqueles filmes para se emocionar e rever muitas vezes.
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