Ajuste final, apenas o terceiro filme dos irmãos Coen, realizado quando ainda separavam os créditos de direção e produção, é um trabalho marcante por si só, mas colocando-o dentro da filmografia dos diretores, ele ganha uma sobrecarga de importância, quando, ao fim do filme, fica claro que muito do cinema deles ganhou concretização aqui. Ajuste final foi a obra que marcou o estado completamente amadurecido dos Coen, mesmo que antes ja tenham tido realizado uma comedia sombria e uma outra mais escrachada que já determinavam as suas capacidades.
Desde Gosto de Sangue (Blood Simple, 1984) já se podia notar a habilidade de se utilizar de uma historia improvável como recurso para a construção da própria narrativa, mas aqui tal característica se evidencia a cada minuto quando vemos que o próprio roteiro é um dos recursos narrativos utilizados pelos irmãos para ritmar seu filme. As reviravoltas, o redemoinho sem fim, a falta de confiança entre os personagens, todos os elementos do roteiro bem organizados para favorecer o controle sobre a narração e suas variáveis. Os irmãos se apropriam do material sem concessões e talham seu filme belamente colocando a história na frente dos demais elementos ou temas. Não a toa esse talvez seja seu melhor roteiro no que se refere ao desencadear natural de acontecimentos improváveis dos quais se tornaram especialistas.
A obra não nega em momento algum ser um filme em prol da historia. O principio de tudo é justamente jogar personagens num mesmo ambiente e fazê-los colidir entre idas e vindas cada vez mais improváveis, pelo simples prazer de manipular uma situação, dai a referencia a todo o cinema dos Coen, que se baseia justamente nesse recurso, antes de tudo eles são exímios criadores e contadores de historias, e no caso deles, quanto mais absurda melhor, se Gosto de Sangue e o ponto de partida do estilo deles e Fargo (Fargo, 1996) o ponto de chegada, Ajuste Final seria o equilíbrio.
O prazer que é o cinema fica evidenciado a cada instante, desde do simples ato da narração ate as inúmeras referencias a este tipo de exercício. O cinema noir é o principal alvo, a trama cheia de artifícios na manga, a mesma gama de personagens bem colocados, suas personalidades naturalmente dissimuladas, atmosfera cheia de ambigüidades, a femme fatale - que na primeira metade é a grande motivação dos fatos discorridos - e toda a parte técnica que apesar de não chegar a se assemelhar completamente como o noir, flerta diretamente com o estilo sem negar, alem de todos os elementos cenográficos que passearam pelo gênero e pelos filmes de máfia desde os anos 30 ate os anos 70 e 80, quando foram esteticamente modificados, mas que os Coen souberam balancear muito precisamente, ultilizando-se de referências sem se afundar num estilo que não lhes pertence, deixando clara, as suas interferências autorais
Ajuste final talvez também seja o maior conjunto de cenas memoráveis da carreira dos diretores. O filme inteiro é composto de sequências de momentos precisamente bem orquestrados, que só não vale a pena citá-las para não tomarem todo restante do texto.
Gabriel Byrne carrega todas as principais movimentações da trama com grande competência, bom ator, mas que aqui se sobressai, podia muito bem ter vivido na década de 40, carrega no seu o olhar a mesma angustia, cinismo e vazio pessoal que grandes personagens de Bogart ou Mitchium possuíam, suas expressões são contidas e extremamente precisas, mas ao contrario dos grandes anti-heróis do gênero noir, que se perdem em meio ao emaranhado de acontecimentos dos seus universos não confiáveis, o personagem de Byrne sabe muito bem o que faz e de quem precisa manipular, quando todos acham uma coisa, ele faz outra, o mundo de aparências do noir se mantém apesar da posição de seu protagonista mudar. Ele possui a autoconfiança semelhante a Bogart em A Beira do Abismo (The Big Slepp, 1946), para fazer referencia a outro expoente do gênero.
Sabia que tu ia gostar desse! Belo texto, meu caro! 😁
Dos melhores filmes da dupla. Só perde para Lebowski e No Country... Ótima crítica man!
Valeu ai meus velhos. Filmaço demais, o melhor dos caras, não sei por que não vi antes.
Revi esses dias. A cena do tiroteio na casa do Leo é uma lindeza só.