Após o começo do estrondoso sucesso de um dos maiores estúdio de animações da história, lançando filmes prestigiados como “Cinderela” e “Branca de Neve”, eis que a Disney resolveu produzir um filme mais ousado do que a maioria que tinha sido feito até a época, adaptando um famoso conto de Lewis Carroll para as telas de cinema. Foi então que surgiu “Alice no país das maravilhas”, lançado em 1951 e no posto de décima terceira animação da empresa, que até hoje é vista como um desenho clássico encantador, mesmo que não tenha o mesmo nível de qualidade das outras também clássicas.
Essa viajem bizarra começa quando Alice, a típica menina ideal americana, loirinha de olhos azuis, branca e de uma ingenuidade notável, acaba entrando no buraco de um coelho segurando um relógio e caindo num mundo de maravilhas cheio de personagens esquisitos e misteriosos. No decorrer de suas inúmeras desventuras naquele lugar estranho, ela acaba conhecendo o Gato Risonho, que desempenha o papel de uma espécie de consciência da protagonista, que a leva até o reino da Rainha de Copas, uma terrível mulher que manda cortar a cabeça de todos que a desagradarem. Entre muitas confusões, Alice vai ter que achar um jeito de escapar daquele lugar, antes que fique tão maluca quanto os outros habitantes do lugar.
Se fosse um filme para o público adulto, o título seria “Alice no país da perdição”. Com lições de moral pesadas, mas em sua maioria implícitas naquele universo confuso de cores e histórias, algumas interpretações são cabíveis no contexto todo do conto de Carroll. Alice parece primeiramente cair num mundo sombrio e desconhecido, onde nem ela e muito menos quem está assistindo tem certeza do que irá acontecer a seguir. Logo no começo de sua viajem, ela come um biscoito que a faz sentir menor e caber na portinha, mas como ela esqueceu a chave, ela come um outro biscoito que a faz sentir um ser enorme, poderoso. Depois, ela fica sabendo do conto das ostras que foram comidas vivas por não darem atenção a mãe ostra e serem facilmente influenciadas por estranhos, uma história aparentemente leve mostrada no contexto do filme, mas cruel quando se reflete sobre ela.
Com relação aos prazeres instantâneos as quais muitas pessoas se entregam, seja a maconha ou outra planta que sirva de droga, jogatinas e apostas, e outras coisas que levam a perdição na vida são retratadas de forma infantil e muito estranha. Em suas diversas aventuras, ela acaba se deparando com plantas, que ante se mostram agradáveis, depois se revelam seres perigosos e por vezes maléficos. Depois, ela encontra o chapeleiro maluco e o coelho marrom que o acompanha, que parecem usuários de drogas, sempre desarrumados, rindo loucamente da vida e esquecendo-se do que vão falar ou se perdendo em seus pensamentos. Ela se encontra mais tarde no inusitado paraíso dos baralhos, onde cartas convivem e os “naipes” definem a importância delas naquele local, mas principalmente, onde as pessoas literalmente perdem a cabeça. A rainha vermelha revela a armadilha que muitas pessoas caem em jogatinas que dependem muito da sorte, sendo cruel e injusta em seu reinado. É importante notar também que ela passa grande parte do filme correndo atrás do coelho branco, que fica dizendo a todo momento “é tarde, é tarde, é tarde”, significando a passagem do tempo que alarma a vida da protagonista. Alice fica correndo atrás do coelho como se corresse contra o tempo, tentando frustradamente recuperar o tempo perdido. Logo após a cena em que o coelho perde o relógio, Alice começa a “cair na real” e chora por pensar que não há mais solução, então todos os personagens começam a desaparecer gradativamente, como se na hora que ela mais precisasse, estaria sozinha.
Talvez seja esse clima sombrio e levianamente misterioso que o filme acabe se perdendo, não sendo tão divertido assim como as outras animações do estúdio, perdendo parte daquela típica magia tão comum neles. Além disso, não há tantas cenas engraçadas as quais aquele clima excessivamente misterioso construído se amenize, tornando a obra um pouco monótona. As músicas também são menos inspiradas que as outras criadas para os outros desenhos clássicos, que mesmo tendo sua beleza na ópera cantada pelos personagens e solos desafinados, não sai do lugar comum. O que não chega a ser um grande defeito mas facilmente podia ser contido é o grande numero de personagens que Alice conhece, nem dando tempo de um aprofundamento ou um carisma maior para que sejam realmente agradáveis. Naquela confusão inteira, fica até difícil perceber qual o objetivo do filme ou pra onde ele realmente está caminhando.
Não que a surrealidade sombria do filme seja um defeito, mas podia ser mais bem trabalhada. Nem porque a obra seja um filme mais sombrio, com ambientações escuras, temas sérios implícitos e personagens bizarros, que precisa ser monótona e sem muita lógica entre os acontecimentos. Ao mesmo tempo em que acerta em muitas coisas, como a caracterização do ambiente e alguns (poucos) personagens muito carismáticos, escorrega em outros, mesmo que não seja uma grande queda, como por exemplo vários números musicais belos mas que não empolgam e em seu final cair na mesma coisa de sempre, ou seja, um filme limitadamente encantador e envolvente.
A qualidade da animação também é boa, é claro que depois de sessenta anos já está um pouco ultrapassada comparando às obras atuais, porém mantém seu encanto original depois de tanto anos, tendo um pouco daquela “magia” que só os filmes antigos do estúdio possuem, com traços simples mas que ainda são caprichados, os cenários aos quais os personagens passam são bem detalhados e estilosos, muitas vezes valorizando sombras e cores fortes, dando um toque a mais nas ambientações. As orquestras e a ópera que compõem as faixas da trilha sonora apresentam aquele mesmo problema citado anteriormente, mas não deixam de ser caprichados e conseguirem se encaixar na proposta da animação, elevando mais a veia clássica do filme e o deixa um pouco mais datado.
Um dos filmes mais bizarros da Disney é uma agradável experiência que ainda é lembrada como um dos primeiros grandes sucessos do estúdio, que comprova que tem potencial para fazer animações excelentes, mas nesse exemplar essa característica não fica tão explicita. Mesmo assim, toda a fantasia presente naquele ambiente surreal acaba por conquistar momentaneamente o espectador, acompanhando Alice em suas descobertas naquele mundo desconhecido que passamos a conhecer junto a protagonista, viajando num mundo infantilóide e sombrio que até pode se mostrar fascinante, mas nem sempre completamente satisfatório.
“Só tem gente maluca nesse lugar!”- Alice
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