Amantes (2008)
Um homem se atira de uma ponte em direção ao rio. Nas águas gélidas, busca o suicídio, que segundo alguns flashbacks nos revelam, parece ser a solução para a decepção amorosa deter sido abandonado pela noiva. Enquanto se debate, à ponto de se afogar, e botar um ponto final na própria existência, este tem uma epifania, e desiste do ato, gritando por socorro.
Salvo por uma pessoa que estava passando, ele continua seu caminho, sem olhar para trás, e sem fazer o mínimo esforço para agradecer aquele que salvou a sua vida.
Este homem, iremos descobrir, é Leonard Kraditor (Joaquim Phoenix,em um desempenho irretocável, cheio de sutilizas, beirando a perfeição), um homem amargurado e depressivo, que vive com os pais desde que foi deixado pela noiva as vésperas de se casar quando está descobriu que não poderiam ter filhos.
Ao chegar em casa após o “incidente”, Leonard é recebido pelos pais (Isabella Rossellini e Moni Moshonov), que cientes do estado emocional do filho se assustam ao vê-lo encharcado: “acho que ele tentou de novo...”, exclama sua mãe, que logo é interrompida em seus questionamentos por Leonard: ”eu to bem mãe”, diz o rapaz, ambos, nós espectadores, e seus pais, sabemos que não.
Leonard então é informado que um casal de amigos da família (e futuros sócios, ao que tudo indica), irá jantar com eles a noite, e que sua filha Sandra (Vinessa Shaw) virá junto para conhecê-lo.
Eis que surge um ponto de luz na vida tão encoberta de melancolia do protagonista, os jovens se conhecem, e após algum tempo juntos, rumam para um relacionamento feliz e estável. Mas, um problema ainda persiste: por melhor que possa ser, Sandra, mesmo com todo o carinho, doçura e beleza, não consegue preencher o coração de Leonard com o amor que, aparentemente, ele deixou de conhecer. Do lado de cá da tela, podemos perceber que Leonard tenta se ajeitar com Sandra por amor à família, já que isso “é bom para os negócios”, como o próprio protagonista brinca em certo instante.
Mas então, acontece uma reviravolta, Leonard conhece Michele (Gwyneth Paltrow, muito mais expressiva que o normal, o que é um elogio), sua vizinha, e de imediato se sente atraído por esta.
O grande problema, é que Michele está envolvida com um homem (Elias Koteas) casado e com filhos, que além disso, é seu patrão, e vê em Leonard nada além de um bom amigo.
Ignorando isso, o rapaz se afunda cada vez mais em seu sentimento, ignorando todas as possibilidades de uma nova decepção. Como poderia desistir de Michele? Percebe-se a paixão em seu olhar, sua postura muda ao lado desta. O homem amargurado dá lugar a alguém feliz, divertido e sem embaraços (como pode ser conferido na seqüência antológica que se passa em uma boate, onde conhecemos uma faceta de Leonard que parecia inexistente até então).
E assim se instala o “triangulo” amoroso de Amantes. A palavra triangulo está em aspas por que, na realidade, não existe um triangulo amoroso na trama. Em nenhum momento duvidamos do lado para o qual pende o amor do protagonista. Desde a primeira vez que se viram, Leonard está apaixonado por Michele. Sandra, por melhor que seja, não passa de uma “garantia” para Leonard. Se tudo der errado, ele ainda terá uma pessoa bonita, divertida, inteligente, e que acima de tudo o ama, para tentar ser feliz.
Parece egoísta? E é. Mas, como culpar alguém por tentar ser feliz? Não é o que todos queremos? Todos nós não acabamos por vezes agindo de maneiras “equivocadas” para buscar essa felicidade?
Ai reside o brilhantismo de Amantes, a trama de James Gray nunca julga seu protagonista, e isso contribui para que nós, público, façamos o mesmo. Tudo o que queremos, é que Leonard seja feliz. Não só Leonard, mas todos os personagens que orbitam em torno dele. E isso é graças ao realismo empregado pelo roteiro em cada personagem, seja ele o protagonista, ou algum dos coadjuvantes. São todos pessoas de carne e osso, ninguém está lá para servir apenas como uma peça manipulada no enredo, não, todos os personagens possuem um tom de realismo, poderia ser eu, ou você.
Uma noite, Michele descobre que estava grávida, e pior, perde o bebe. O pai da criança,o home casado que mencionei antes, não pôde auxiliá-la durante o momento de dificuldade, por estar com a família. Neste momento, Leonard é quem estende a mão à ela. O que a faz repensar sobre suas escolhas, e decidir largar o relacionamento que tinha, e após algumas insistências de Leonard (algumas delas dolorosas), ela decide ficar com este, mesmo não o amando, ”não importa, você irá aprender a me amar”, diz o rapaz.
Leonard e Michele decidem “fugir” juntos (ela terá que deixar seu apartamento, que era pago por ?), em mais um momento que poderia nos fazer julgar o protagonista como egoísta, mas, não é o que ocorre. “Eu estou feliz”, diz Leonard para sua mãe antes de partir. Essas poucas palavras atingem a nós e a ela de uma maneira estrondosa. Por mais que possamos não concordar com as atitudes de Leonard, como não apoiá-lo netas, se assim, ele encontra aquilo com o que todos sonhamos?
Mas, a vida nem sempre anda pelo caminho desejado por nós. Ao descer do prédio, Leonard espera Michele. Os minutos passam. Ela não aparece. Leonard fica aflito, e nós também. Não pode acabar desse jeito. Não depois de constatarmos a felicidade do protagonista. Indiretamente a nossa felicidade está interligada a dele agora. Não podemos (nós e ele) nos decepcionar dessa maneira. Michele aparece, Leonard esboça um sorriso, suplantado ao constatar que esta está sem malas: “eu não vou, ele deixou a família por mim, o mínimo que posso fazer é lhe dar mais uma chance”. Lágrimas escorrem dos olhos dele. Dos nossos também. Por que vida? Por que ser assim? “sai daqui”, diz Leonard, antes de ouvir um pedido de desculpas, também lacrimoso, de Michele. Um beijo os despede.
Leonard sai andando pela praia, desiludido, aparentemente sem rumo. Ainda com a abertura do filme em mente, tememos pelo pior. Tudo indica que Leonard poderá tentar novamente o suicídio, levando-o até o fim dessa vez.
Não é o que ocorre. Leonard volta para casa. Entra, senta ao lado de Sandra no sofá, e, talvez numa ultima tentativa de ser feliz, ou, quem sabe, apenas aceitando o que a vida ofereceu, desistindo de ser feliz, pede Sandra em casamento. A moça chora, Leonard também, “de felicidade, segundo ele, sabemos que não.
Leonard e a mãe trocam olhares. Não sabemos o que ambos estão pensando,nenhum deles fala nada. Mas, apenas com o olhar, podemos imaginar tudo que foi dito. E, nunca em um filme, apenas com o olhar foi dito tanto. E é ai que o filme acaba. De uma maneira perfeita.
O final em aberto, pode apontar para dois caminhos, terrivelmente opostos: Leonard e Sandra se casam, depois de um tempo, as feridas acumuladas no coração de Leonard cicatrizam, e este aprende amar Sandra, mais do que amou ou irá amar outro alguém. E ambos são felizes juntos. Não um “felizes para sempre” assim como nos contos de fadas. Felizes da maneira que a vida de ambos permitir, e enquanto o pára a sempre deles durar, esperamos do lado de cá da tela, até o fim de suas vidas. É algo possível de acontecer. A vida acontece dessa maneira não? Quantas vezes nosso coração é ferido pela pessoa amada, acreditamos não ser mais capazes de amar, e eis que, descobrimos alguém ainda mais especial em nossas vidas, muita vezes, alguém que estava nela há tempos, e nem percebíamos, com a visão embaçada por aquele amor que parecia o único possível?
Mas, na realidade, o caminho que a vida de Leonard aparenta tomar após o término do filme, é o pior possível. Com o coração partido, Leonard volta para Sandra, eles se casam, mas, o vazio em seu coração não é preenchido, sua existência se torna uma vida oca, uma casca sem sentimentos, e o olhar que o personagem lança para a câmera (e para nós) antes dos créditos subirem, evidencia essa possibilidade. Se tivesse se suicidado, talvez Leonard não acabasse tão mal como esse final sugere. Quer algo mais terrível do que uma vida que não será apreciada, apenas vivida, em constante espera pelo seu final?
O amor é assim. Não existe sentimento mais propenso ao sofrimento e as decepções do que ele. Por outro lado, não existe nada melhor do que amar. E é por isso, que não pensamos duas vezes antes de mergulhar de cabeça no amor, ignoramos as dificuldades que ele pode trazer, sempre na esperança de encontrar a verdadeira felicidade nos braços de um alguém que será único em nossas vidas. Nem sempre dá certo. Ao que tudo indica, não deu para Leonard. Talvez não dê para muitos de nós. Mas, o que importa é não desistir, não chegar ao fim da vida e chorar por não ter tentado. Decepções fazem parte de nossas existências.
A vida é assim, e, apesar disso, quem de nós não agradece por podermos vive-la, e, em meio aos obstáculos, encontrar o amor, e/ou a felicidade, que o protagonista tanto buscou.
Vale apena.
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